Por: Patricia Fachin | 21 Agosto 2018
Entender quem é o proletário da era digital e sua inserção no mundo do trabalho é o tema de investigação do sociólogo Ricardo Antunes em seu novo livro, “O Privilégio da Servidão. O Novo Proletariado de Serviços na Era Digital” (São Paulo: Boitempo Editorial, 2018). Esse novo operário, explica, se insere num contexto de “reestruturação permanente do capital”, que vem ocorrendo desde os anos 1970, e “é impensável sem o mundo digital, é impensável sem a era do mundo financeiro que ‘revolucionou’ o tempo e o espaço” em todas as atividades produtivas.
Nessa reestruturação, menciona, acentuam-se o trabalho intermitente e a terceirização, fazendo com que os trabalhadores fiquem à disposição do mercado de trabalho. “O celular é imprescindível para esse tipo de atividade, porque o trabalhador é chamado para um restaurante de fast food, para um atendimento médico, para uma limpeza em uma casa, para um trabalho de jardinagem, para ser motorista ou o que quer que seja. O fato é que ele recebe pelo tempo que trabalha”, resume.
Segundo Antunes, na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, embora alguns pesquisadores vejam essa reconfiguração do trabalho como positiva, ela não deu origem a um “assalariamento de classe média”. Ao contrário, frisa, “o trabalho intermitente burla a legislação protetora do trabalho”. E adverte: “Mesmo quando se diz — no caso brasileiro — que ele contempla os direitos do trabalho, de fato é um falseamento, porque é possível rebaixar a hora de pagamento, embutir dentro dela 13º, férias e tudo o que puder ser embutido, mas no fundo está se pagando um salário péssimo e o(a) trabalhador(a) fica à disposição”.
Antunes também reflete sobre as implicações da chamada revolução 4.0 no mundo do trabalho e relata sua recente experiência com jovens europeus que, apesar da formação universitária, não têm expectativa de emprego. “Existe na Europa uma juventude que fez graduação e pós-graduação, mas quando esses jovens conseguem emprego, é para trabalhar em hotéis e restaurantes, ou seja, são trabalhos para os quais eles não precisariam ser engenheiros, economistas, administradores ou qualquer profissão desse tipo”. E lamenta: “A indústria '4.0' aqui terá uma consequência ainda mais grave de desemprego para os assalariados, porque cada vez que se for digitalizar um processo ou criar um fluxo movido pela lógica digital, serão desempregados aqueles trabalhadores que faziam essa atividade”. Se estratégias não forem adotadas para resolver as implicações negativas no mundo do trabalho, pontua, “vamos aumentar os bolsões de miséria. Teremos um mundo digitalizado na produção lato sensu — indústria, agricultura e serviços — e bolsões de trabalhadores desempregados”.
Ricardo Antunes | Foto: Correio da Cidadania
Ricardo Antunes é professor titular de Sociologia do Trabalho na Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Autor, entre outros livros, de Os Sentidos do Trabalho (Boitempo, publicado também na Itália, Inglaterra/Holanda, EUA, Portugal, Índia e Argentina); Adeus ao Trabalho? (Ed. Cortez, publicado também na Itália, Espanha, Argentina, Colômbia e Venezuela) e Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil (organizador, Boitempo), Vol. I, II e III. Coordena as Coleções Mundo do Trabalho, pela Boitempo, e Trabalho e Emancipação, pela Expressão Popular. Recentemente foi professor visitante na Universidade Ca’Foscari em Veneza, Itália.
Confira a entrevista.
IHU On-Line — Que mudanças são perceptíveis na classe trabalhadora no contexto da revolução 4.0? A revolução 4.0 melhorou ou piorou as condições de trabalho?
Ricardo Antunes — A primeira coisa a enfatizar é que, antes da indústria 4.0 ou da “revolução 4.0” — entre aspas porque não se trata de uma revolução —, é importante lembrar que estamos vivendo uma reestruturação permanente do capital desde os anos 1970. Essa reestruturação levou a um processo, em escala planetária, onde a lógica do capital financeiro invadiu todos os espaços da produção lato sensu: indústria, agricultura, agroindústria, serviços, indústria de serviços e serviços industriais. Ou seja, todos esses espaços se tornaram permeados por uma lógica do capital financeiro que não pode prescindir do trabalho: ele continua sendo vital, ainda que muito diferenciado, inclusive em termos da divisão internacional do trabalho, pois na China, na Índia, na África e na América Latina, o trabalho tem um desenho; nos países do Norte, nos escandinavos, outro; assim como nos países do Sul da Europa, como Espanha e Portugal e, de outro lado, na Grécia também tem outro desenho.
Fundamentalmente o capital financeiro invadiu o mundo da produção lato sensu com flexibilização e desregulamentação ilimitadas: elas são maiores ou menores em função da resistência que os movimentos sindicais e a classe trabalhadora oferecem. Por exemplo, na França estamos vendo lutas intensas, na Argentina, recentemente, houve uma tentativa, que não foi vitoriosa, de impedir a reforma trabalhista, assim como em várias outras partes do mundo.
Essa flexibilização e desregulamentação do trabalho levou a uma terceirização, que em muitos casos é generalizada, como no nosso caso, onde a terceirização já acontece, desde o projeto aprovado pela contrarrevolução de Temer, nas atividades-meios e nas atividades-fim. Também se criou no Brasil uma praga que já se esparrama globalmente, que é o trabalho intermitente. O trabalho intermitente é aquele em que os trabalhadores e as trabalhadoras são chamados ou podem ser chamados para realizar um trabalho. Se trabalham, recebem pela hora trabalhada, se não trabalham, não recebem, criando a figura do que chamo no meu livro “O privilégio da servidão. Novo proletariado de serviços na era digital” de um escravo digital. O celular é imprescindível para esse tipo de atividade, porque o trabalhador é chamado para um restaurante de fast food, para um atendimento médico, para uma limpeza em uma casa, para um trabalho de jardinagem, para ser motorista ou o que quer que seja. O fato é que ele recebe pelo tempo que trabalha. Em geral, o trabalho intermitente burla a legislação protetora do trabalho. Mesmo quando se diz — no caso brasileiro — que ele contempla os direitos do trabalho, de fato é um falseamento, porque é possível rebaixar a hora de pagamento, embutir dentro dela 13º, férias e tudo o que puder ser embutido, mas no fundo está se pagando um salário péssimo e o(a) trabalhador(a) fica à disposição.
Isso tende a mascarar os níveis de desemprego, porque o intermitente é considerado empregado, mas se está esperando ser chamado para trabalhar e não trabalha, ele é um intermitente de fato desempregado. E nesse cenário mundial cuja lógica é a do sistema financeiro, a precarização das condições de trabalho se torna quase que um quadro constante, e alguns exemplos que exploro no livro mostram isso. Há um bom tempo existe no Reino Unido o chamado contrato de zero hora (zero-hour contract). Os trabalhadores, especialmente de serviços, nas mais distintas atividades, ficam esperando um chamamento. Por exemplo, um médico, um advogado, uma trabalhadora doméstica, uma trabalhadora dos cuidados, um eletricista, um trabalhador de limpeza. E o contrato chama-se “zero hora” porque o contratante, que é um “aplicativo” — evidente que é uma empresa —, não é obrigado a chamar o(a) trabalhador(a) disponível, e o(a) trabalhador(a) do sistema de “zero hora” não é obrigado(a) a aceitar o trabalho.
É importante dizer que já houve na Inglaterra medidas judiciais que obrigaram as empresas a pagar direito do trabalho, porque esse tipo de trabalho é uma burla do direito trabalhista inglês. Esse modelo já se esparramou pelo mundo e há contrato de “zero hora” no Brasil e em tantas outras partes, ou seja, tem uma massa de trabalhadores e trabalhadoras — é muito importante enfatizar a divisão sociossexual do trabalho — que estão disponíveis para serem chamados. Isto é sonho dourado do capital, porque ele usa a classe trabalhadora quando precisa.
IHU On-Line — Pode nos dar exemplos de como essa precarização se manifesta e o que o senhor tem observado em termos de transformações no mundo do trabalho a partir das suas pesquisas em vários locais do mundo, além desse exemplo inglês? Flexibilização e precarização são um fenômeno geral no mundo todo?
Ricardo Antunes — Sim, é uma tendência global, ainda que não necessariamente igual ao sistema de zero hora. Estudo e também mostro no livro que a Itália implementou — e no ano passado isso foi obstado pela pressão sindical — uma forma perversa de “trabalho pago por voucher”. Isto é, os trabalhadores e trabalhadoras eram chamados, trabalhavam tantas horas por semana ou por mês, recebiam um voucher equivalente a isso e esse voucher era trocado pelo equivalente italiano da hora de trabalho. Por exemplo, o trabalhador trabalha ao longo de um período de 100 horas, recebe cem vouchers, os quais irá trocar pelo equivalente ao salário mínimo por hora na Itália. Isso já é uma forma de precarização enorme; é o que chamo no livro de uma variante de precariado legal, porque a lei contempla isso. Mas o que acabou acontecendo — para demonstrar como o capital é ilimitado na sua devastação — foi que muitos empresários ampliavam a jornada de trabalho, mas diziam que não podiam pagar com um voucher. Eles diziam aos trabalhadores: o voucher, que no ano passado, custava 8,50 euros na Itália, mas agora podemos pagar cinco euros. Ou seja, o trabalho a voucher criou também uma variante do precariado ilegal. Se o(a) trabalhador(a) não aceita esse trabalho, tem outro querendo, pois sabemos que há uma massa monumental de trabalhadores e trabalhadoras que migram pelo mundo e estão desesperados em busca de qualquer trabalho. É uma migração motivada, no primeiro momento, pela busca de trabalho, que no seu país de origem não tem. Essa situação se agravou com os refugiados, com a fuga desesperada de países em guerra.
Quando alguém vai para a Europa, Estados Unidos ou Japão, vai em busca de qualquer trabalho; o imigrante nem sempre consegue dizer que quer um trabalho regulamentado, com direitos. Ele pega o primeiro trabalho que tem. Por isso que o trabalho mais precário na Europa, nos Estados Unidos e no Japão é sempre contemplado por essa massa de trabalhadores que migram e perambulam pelo mundo.
Em Portugal houve uma variante chamada de “recibos verdes”: a pessoa trabalhava, recebia o recibo e, com ele, o equivalente a esse trabalho. No Brasil, hoje, quando alguém liga para uma companhia de seguros, por exemplo, alegando que está com um problema de eletricidade e se desloca um eletricista para o atendimento, muito frequentemente — não é uma regra absoluta — esse eletricista não é empregado da companhia de seguros, mas um trabalhador terceirizado ou autônomo terceirizado ou vinculado a uma empresa que presta serviços como terceirizada; ele é contratado, faz o trabalho e recebe pelo estrito serviço que fez na casa onde foi chamado. Isso vale para muitas outras modalidades. Se juntarmos essa modalidade de trabalho com o trabalho intermitente, veremos que criamos uma miríade de trabalhos precarizados.
Há, ainda, um exemplo mundial muito importante que é o Uber, que não para de crescer no Brasil: são centenas de milhares de trabalhadores trabalhando como Uber. Já não se pode mais calcular quantos são porque todo desempregado que tem um carro, seja ele médico, veterinário, engenheiro ou advogado, filia-se ao Uber para poder ganhar algo que lhe permita sobreviver. Como funciona o Uber? A empresa diz que ela faz a relação entre o motorista e o consumidor e, portanto, não contrata o trabalhador, mas isso não é verdade, porque a cada trabalho feito por um Uber, homem ou mulher motorista, de 20% a 25% da corrida (e hoje já é mais que isso) já são imediatamente recolhidos pelo aplicativo. E esse(a) trabalhador(a) dono do carro tem que manter o carro, pagar seguro do carro, ou seja, todos os custos são desse(a) trabalhador(a).
Poderia citar uma infinidade de exemplos que expressam essas formas de trabalho intermitente, por tempo determinado, sem uma contratação rígida, frequentemente à margem da legislação social protetora do trabalho, e que se expandem em escala global. Na China eu pude ver isto: é muito frequente um jovem chinês trabalhar, durante um período do dia, como professor em uma escola, no período da tarde trabalhar como guia turístico e, habitualmente, ter um terceiro trabalho para poder sobreviver; esse é o quadro. Essa situação atinge também categorias mais qualificadas: já existem escritórios de advocacia que contratam advogados só quando eles são necessários. Com isso, cria-se uma condição de trabalho global, frequentemente desregulamentada, e só quando há resistência a esse processo as barreiras são criadas.
IHU On-Line — Mas, de outro lado, não existe uma preferência, por parte dos trabalhadores, de ter um trabalho mais flexível, autônomo, como o PJ hoje em dia no Brasil? Por que, na sua avaliação, essa restruturação do trabalho é pior do que o formato anterior?
Ricardo Antunes — Sua questão é muito importante. São duas coisas e vou sintetizar para não ir muito longe. Primeiro, a ideia e a ideologia do “empreendedorismo” são poderosas, porque muitos trabalhadores não querem ser assalariados e muitos sonham com a ideia de ter seu próprio negócio. Essa é uma ideia poderosa. Trata-se da ideia de ser um pequeno patrão, o patrão de si próprio, mas muitas vezes a pessoa se torna um proletário de si próprio — abordo isso no livro também —, explora seu próprio trabalho e o trabalho dos seus familiares.
É preciso que se faça muita pesquisa sobre isto: quantos empreendedores que tentam ganhar a vida com pequenos negócios são bem-sucedidos e quantos se quebram pelo meio do caminho? Conheço vários que gastaram o Fundo de Garantia e as reservas que tinham e outros que conseguem sobreviver. A aparência da felicidade quebra quando o trabalhador adoece, porque quem irá garantir seu seguro saúde, se ele não tem um? O SUS? Nós sabemos que o SUS está sendo dilapidado há décadas e, especialmente nesse último período do governo Temer, a devastação é completa. Se o trabalhador não tiver condições de pagar um convênio médico privado, esse trabalhador PJ vai perceber as agruras e a tragédia do adoecimento sem direitos. De um lado, tem um ideário que parece o paraíso, mas frequentemente está resvalando no inferno sem passar pelo purgatório.
É claro — para responder ao último ponto da sua pergunta — que nos níveis que dispõem de capital cultural os salários são altos. Por exemplo, apresentadores de grandes jornais da grande mídia são, em geral, PJ: seus salários são altos, eles não têm direitos, mas têm um sistema de saúde, investem no sistema financeiro e criam os mecanismos para viver. Isto é, o PJ, quando olhamos para o topo dos assalariados, é uma realidade, mas quando olhamos a base dos assalariados, a realidade é outra. Mas, como venho dizendo há muito tempo, os gestores se especializam em talhar na carne dos debaixo, vão cortando, mas chega uma hora em que o talhe e o corte chegam aos gestores, e hoje existe uma dificuldade muito grande de muitos gestores em encontrar empregos. Eles estão desempregados porque o enxugamento no organograma empresarial reduziu também o número de gestores.
Recentemente eu fazia compras no mercado e perguntei a um trabalhador de qual seção ele cuidava, ou seja, qual era a atividade dele lá dentro. Ele me respondeu que era gestor, gerente, e eu perguntei quantos trabalhadores ele gerenciava, ao que ele respondeu: “eu mesmo”. Logo, ele não é um gerente, pois gerente é uma denominação falaciosa, como tantas outras, para esconder uma condição de assalariamento. Esta é a situação real do PJ: parece o paraíso, mas se não tomar cuidado, é o inferno.
IHU On-Line — Um dos objetivos do seu livro é identificar e caracterizar quem é o proletariado de serviços. Quais são suas conclusões? Em que esse proletariado se diferencia do proletariado da indústria ou de outros setores ou ainda de outros tempos?
Ricardo Antunes — No passado, no capitalismo dos séculos XIX e XX, especialmente no XX, houve um processo de transformação capitalista da indústria — aliás, esse processo começou com a Revolução Industrial a partir da segunda metade do século XVIII —, que se tornou capitalista plena e no século XX ela se consolidou. [Frederick] Taylor e [Henry] Ford são os grandes engenheiros teóricos desse modelo que se expandiu pelo mundo.
A agricultura também se tornou capitalista ao longo do século XIX, de modo que a fazenda senhorial e feudal desapareceu e foram criadas as pequenas e médias empresas de propriedade rural produtivas. No entanto, há um elemento muito importante: desde os anos 1960 e 1970 do século XX, o setor de serviços passou a ser crescentemente invadido pela lógica do capital, e o capital hoje comoditizou, mercadorizou, tornou capitalista praticamente tudo no setor de serviços. Basta dizer que até penitenciárias são privatizadas hoje, para não falar em hospitais, estradas, previdência e tantas outras atividades públicas que, no passado, prestavam um trabalho e um serviço público e hoje são empresas lucrativas.
Com a expansão monumental do turismo, que também se tornou um elemento do lucro capitalista intenso em escala global e muitos países têm no turismo sua primeira fonte de riqueza, criou-se um novo proletariado de turismo. As camareiras, por exemplo, têm um tempo médio para arrumar a cama em um quarto de hotel e quando elas conseguem reduzir 40 ou 50 segundos ou um minuto ou um minuto e meio a arrumação de uma cama, ao final do dia irão arrumar vários quartos a mais pelo tempo que ganharam. No fast food, que está esparramado pelo mundo inteiro, existe um novo proletariado de serviços. Do mesmo modo houve uma explosão dos call centers, na medida em que muitas atividades hoje são feitas pelo celular. Isso significa que se criou uma massa de trabalhadores, que no passado eram assalariados públicos, mas que são proletários de serviços.
Há ainda outro elemento vital: a terceirização foi um instrumento fundamental para o aumento dos lucros do capital nestes últimos 30, 40, 50 anos, momento exponencial dos lucros e de extração de mais-valia. Por exemplo, na universidade em que trabalho, a Unicamp, no passado os serviços de limpeza e de segurança eram feitos por funcionários públicos; hoje é uma empresa de terceirização que fornece trabalhadores e trabalhadoras para a Unicamp na área de segurança ou na área de limpeza, e isso vale para as universidades públicas em geral. Esses(as) trabalhadores(as) não recebem das universidades, mas das empresas de terceirização, que fazem os contratos com as universidades públicas e pagam seus trabalhadores. Isto vale para um amálgama imenso de atividades que no passado prestavam trabalho sem fins lucrativos, no caso do setor público, ou eram trabalhadores de família, como médicos ou advogados de família. Hoje, existe uma massa de advogados jovens desempregados, que ficam se “empregando” em três ou quatro consultórios, assim como médicos jovens, que para começar a carreira têm que atender dois ou três convênios, dois ou três hospitais, porque a lógica se tornou privatista, visando ao lucro e à valorização do capital. Isso atingiu, grosso modo, o telemarketing, trabalhos da informação, da comunicação, da hotelaria, das redes de fast food e motoboys.
O que é diferente em relação a esse trabalho se comparado ao trabalhador da indústria? Ele é um proletário dos serviços, o proletário da era digital; ele é impensável sem o celular. O século XX pode ser denominado como o século do automóvel; o século XXI é o século do celular e do aparelho digital. É esse o elemento. Os jovens dentro dos metrôs na China, na Índia, no México, no Brasil, em algum país africano ou na Europa, estão conectados, digitando e falando com o outro pela máquina. Tudo isso criou um novo proletário, que não é aquela figura do operário de macacão da indústria. Isso faz com que muitos pensem que esse novo assalariamento de serviços criou algo diferente, positivo. Muitos falavam em um “assalariamento de classe média”, mas não é um assalariamento de classe média.
O que caracteriza a classe média? A classe média supõe um trabalho prevalentemente intelectual, dotado, portanto, de um ideário, uma ideologia, onde o indivíduo de classe média sonha com o topo, com os valores da burguesia, mas frequentemente ele está correndo o risco de resvalar e decrescer socialmente. O que significa isso? Que foi criado um novo proletário nos serviços, assim como no século XIX houve a expansão do proletariado industrial e no século XX houve a expansão do proletariado rural. Nós estamos vivendo a era do proletariado de serviços e temos que estudá-lo. Ele é impensável sem o mundo digital, é impensável sem a era do mundo financeiro que “revolucionou” o tempo e o espaço. As empresas se modificaram profundamente e isso afeta também a indústria e a agricultura. Se entrarmos em uma fábrica hoje, veremos que ela é diferente de uma fábrica de 30 anos atrás. Como o proletariado é diferente, tende a ser mais jovem, já mexe com máquinas digitalizadas, tem que ter um domínio, mesmo que muito básico, da terminologia inglesa para poder operar as máquinas digitais, e isso também ocorre na agroindústria.
O mundo do trabalho inteiro foi alterado porque o mundo do capital criou as chamadas Tecnologias de Informação e Comunicação, que são decisivas para diminuir o tempo de circulação das mercadorias, não importa se essas mercadorias são materiais ou imateriais. Entretanto, nos contingentes mais massivos, como call centers, redes de fast food, redes de hotelaria e comércio, o proletariado muitas vezes não se vê como proletário. No entanto ele pega um ônibus ou um metrô ou os dois, e leva de duas a três horas para chegar da periferia ao trabalho. Se ele começa a trabalhar às 8h, tem que sair de casa às 5h ou 6h. Se sai do trabalho às 18h, 19h ou 20h, leva mais duas ou três horas para chegar em casa e muitas vezes tem que trabalhar mais tempo do que deveria. Se é intermitente, é chamado para ir atender em um restaurante na hora do almoço, onde trabalha das 11h às 14h. Depois é chamado para ajudar na janta, das 18h às 21h. Nesse meio tempo ele não volta para casa, já fica no restaurante, porque se sair às 14h30min para retornar às 18h, ele vai para casa e já tem que voltar. Temos que entender esse contingente. No Vale do Silício, muitos trabalhadores(as) de escalão médio ou de base moram nas ruas, em carros, etc, pois não tem recursos para alugar um apartamento ou até mesmo um quarto.
No quadro da indústria “4.0” isso se torna mais complexo ainda. O que é indústria “4.0”? Primeiro, é uma resposta do capital avançado para digitalizar e tornar “o mundo produtivo” — o que eles chamam da internet das coisas. Muitos têm dito que esse processo vai afetar todos os setores, mas não é assim: isso pode afetar todos os setores, claro, mas afetará de modo muito desigual os diferentes setores. Por exemplo, no Norte do mundo, nos países de capitalismo avançado, os trabalhadores menos qualificados numa indústria vão perder seus empregos porque teremos um processo de digitalização da produção, de informatização da produção. Isto é, a internet das coisas estará comandando o mundo produtivo. Além disso, é claro que também serão criados no topo novos tipos de trabalhos mais qualificados, porém, em um número pequeno e irrelevante. As indústrias estão criando no mercado global o “processo industrial 4.0” para ter mais lucro, para reduzir a força de trabalho e serem mais produtivas. Portanto, no Norte do mundo haverá aumento do desemprego.
Trabalhei na Itália no ano passado e pude participar de vários debates sobre a indústria 4.0 lá. A classe trabalhadora percebe que seus empregos vão diminuir ainda mais, ou seja, terá mais desemprego de jovens qualificados. É por isso que existe na Europa uma juventude que fez graduação e pós-graduação, mas quando esses jovens conseguem emprego, é para trabalhar em hotéis e restaurantes, ou seja, trabalhos para os quais eles não precisariam ser engenheiros, economistas, administradores ou qualquer profissão desse tipo. Como existe uma divisão internacional do trabalho, onde a “indústria suja” é transferida para o Sul, o que vai acontecer? A indústria 4.0 aqui terá uma consequência ainda mais grave de desemprego para os assalariados, porque cada vez que se for digitalizar um processo ou criar um fluxo movido pela lógica digital, serão desempregados aqueles trabalhadores que faziam essa atividade. Alguém imagina que o capital vai pegar o lucro dessas empresas e fazer grandes concessões a essa classe trabalhadora desempregada, dando a ela seguro saúde digno, ou salários de três mil reais, que seria o salário mínimo ideal sugerido pelo Dieese? Nós vamos aumentar os bolsões de miséria. Teremos um mundo digitalizado na produção lato sensu — indústria, agricultura e serviços — e bolsões de trabalhadores desempregados. Alguém pode dizer que estou exagerando. Mas não estou, porque se formos juntar o desemprego oficial do Brasil, mais o desemprego por desalento, mais os trabalhos precários, parciais e temporários, estamos perto da casa de 30 milhões de desempregados. Se a situação é essa sem termos entrado na indústria 4.0, imagine quando o Brasil entrar na indústria 4.0.
É claro que o desemprego ou o emprego dependem, de um lado, do modelo econômico vigente, da ação dos chamados agentes do Estado pró-incentivo à produção; ou seja, a discussão emprego/desemprego tem um design, um componente macroeconômico. Mas é evidente que se no plano microcósmico e no plano da produção se criar cada vez mais uma indústria “internetizada”, teremos um enxugamento maior de empregos, criando um problema, que venho apontando desde a publicação de “Adeus ao trabalho” e “Os sentidos do trabalho”. Nesse cenário, caminhamos para um processo de miséria naturalizada numa dimensão brutal, como existe na Índia; nunca imaginei que fosse possível ver a naturalização de uma miséria tão profunda como a que existe na Índia. Ao andarmos no centro de Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, para não falar de Salvador e Recife, estamos vendo esses bolsões da população que não tem mais chance de voltar ao mercado de trabalho, porque é criminalizada.
Enquanto isso ocorre, o empresariado industrial-financista vai estar acumulando mais recursos; não surpreende, portanto, que quatro ou cinco brasileiros hoje tenham uma riqueza superior ao que produzem 100 milhões de pessoas, e isso é tratado como natural. É uma coisa acintosa, é uma aberração societal tratada como natural. Alguém pode dizer que não defendo o avanço tecnológico, mas não é isso que estou falando. Avanço tecnológico, sim, mas não para aumentar o lucro já concentrado na mão de 1% da população, e sim para reduzir o trabalho extenuante e a jornada de trabalho, para que as pessoas possam viver com dignidade dentro e fora do trabalho, para que possam trabalhar duas ou três horas por dia e nas outras horas possam viver uma vida dotada de sentido. E para que isso ocorra, é preciso ter uma redução monumental do tempo de trabalho. Para uma ampliação do tempo livre, é preciso combater a lógica destrutiva da produção de valores de troca, que tem como objetivo o enriquecimento dos conglomerados que compõem o sistema financeiro e que controlam a produção.
IHU On-Line — Sua aposta é de que a revolução 4.0 irá gerar desemprego e pobreza. Por que o cenário inverso, de surgimento de novos e melhores empregos, não lhe parece factível? Esse cenário é irreversível?
Ricardo Antunes — Não é uma aposta, é uma análise. Quando falei no “Adeus ao trabalho”, publicado em 1995, que a exceção — o trabalho temporário, parcial e terceirizado — tenderia a ser a regra e a regra, que era o trabalho regulamentado com direitos, tenderia a ser a exceção, muitas pessoas diziam que eu estava exagerando. Se pudesse brincar com as palavras, diria que exagerei para menos, porque o “Privilégio da Servidão” é uma constatação disso.
No ano passado dei aula na Universidade Ca’Foscari de Veneza como professor visitante, e os alunos que estudaram comigo, cerca de 20, têm uma certeza: estão fazendo mestrado e alguns têm planos de fazer o doutorado, mas eles não têm a menor perspectiva de onde vão trabalhar. Em Veneza existe o Vaporetto, aquele barco que é o “ônibus de Veneza”, que circula pelos canais, e os jovens que abrem e fecham os portões do Vaporetto são aqueles que falam inglês, formados em universidades, mas que não têm emprego para trabalharem na sua formação, seja de engenheiro, administrador ou economista. Não é por outro motivo que os jovens ficam perambulando mundialmente: vão para China, Índia, Japão, Estados Unidos, voltam e vão para outro país. O que isso significa? Significa que serão criados novos empregos mais qualificados no sentido de conhecimento informacional digital, mas numa dimensão muito menor, porque a indústria 4.0 não vai aumentar o número de assalariados dentro da empresa em relação ao que já existe hoje. Essas mudanças são feitas para dar mais produtividade e lucro para as empresas. Nesse sentido, um dos elementos centrais da reestruturação permanente do capital é reduzir o custo da força de trabalho. E como se reduz o custo da força de trabalho em um hospital, jornal, televisão, hotel, call center, telemarketing, indústria, agronegócio, cultivo de cana-de-açúcar, etanol, soja ou na extração de minérios? Como se aumenta a produtividade? Aumentando o maquinário e reduzindo a força de trabalho vivo.
Quem diz que a revolução 4.0 vai afetar todo mundo de modo igual, está fazendo uma fala puramente ideológica, porque as profissões que vão perder emprego são aquelas dos assalariados, onde a manualidade do trabalho será substituída por uma “coisa internética”. Esse “novo organograma”, em que tudo o que puder ser digitalizado será digitalizado, vai criar emprego para os de cima, em número reduzido, e aumentar o desemprego para os de baixo. É por isso que, na última parte do meu livro, pergunto se há luz no final do túnel.
IHU On-Line — O que os Estados nacionais podem fazer para reverter esse cenário? O que é fundamental na discussão atual, neste ano eleitoral, sobre as perspectivas em relação ao trabalho?
Ricardo Antunes — Devo dizer que, em relação ao Estado, tenho pouca crença. O que pode ser feito — e é decisivo — é a recusa da classe trabalhadora e da população assalariada em geral a este tipo de destruição da legislação protetora do trabalho, obrigando o Estado a reverter medidas que foram tomadas ou impedindo novas medias. Citarei o exemplo brasileiro: houve a aprovação da Lei da terceirização total e da Reforma Trabalhista pelo Congresso, o qual está absolutamente desprovido de legitimidade. Essas duas medias, especialmente a segunda, geraram uma repulsa na população que, num primeiro momento, acreditava que traria direitos e vantagens. Agora ela está vendo que não tem trabalho, emprego e direito.
É imperioso, por exemplo, que as candidaturas que se dizem minimamente progressistas assumam o compromisso de revogar a legislação trabalhista e também a Lei de terceirização, porque elas foram aprovadas na calada da noite, sem debate, e impulsionadas por um governo que não tem a menor legitimidade e não foi eleito com essa proposta. Vejamos que, abertamente, nem os candidatos de centro, nem os de direita dizem que acham a legislação trabalhista ótima. É preciso lembrar a terceira medida que o governo Temer tentou fazer e não conseguiu, que foi a Reforma da Previdência. A população percebeu que a Reforma da Previdência faria com que os assalariados só tivessem direito à Previdência depois da sua morte; no fundo era disso que se tratava.
O que é possível fazer, para irmos ao ponto da sua pergunta? É preciso fazer uma pressão muito forte e buscar dados para revogar a legislação social que foi destroçada de modo ilegítimo, por um governo ilegítimo, e sem discussão. É preciso que os candidatos digam abertamente — e vários já estão dizendo — que farão uma rediscussão e mesmo a revogação da legislação trabalhista. O mesmo exemplo vale para a França, a Argentina, o Chile e todos aqueles países que estão lutando contra esse processo.
IHU On-Line — O senhor já disse que Florestan [1] é uma das suas inspirações na elaboração do seu livro. Por que Florestan Fernandes é um teórico importante para pensar o Brasil hoje? Em que aspectos ele lhe inspira nas suas reflexões sobre a situação do trabalho e do trabalhador?
Ricardo Antunes — Porque quando se toma a sociologia crítica, Florestan é, de longe, o mais importante de todos os teóricos. Florestan é o grande sociólogo crítico, e os estudos dele sobre a exclusão do negro na sociedade, das comunidades indígenas, da particularidade brasileira e dos países de capitalismo subordinado e dependente são importantíssimos. Seu livro “A revolução burguesa no Brasil” é uma obra clássica. Além disso, ele fez uma discussão extremamente singular sobre a dependência na América Latina.
Florestan era um sociólogo muito erudito: conhecia [Émile] Durkheim, [Max] Weber, [Karl] Marx, ou seja, conhecia toda a teoria social com muita profundidade. Além disso, teve uma origem social “de baixo”, como ele gostava de dizer: foi um assalariado pobre na juventude, quebrou todas as barreiras para se tornar o sociólogo mais importante da Universidade de São Paulo e, por certo, da sua geração, um dos mais importantes do Brasil. Sua obra tem muitas pistas e uma delas é a ideia de que o mundo latino-americano sempre oscila entre a reforma e a contrarrevolução. A ideia de “contrarrevolução preventiva” é muito interessante e mostra como as classes dominantes, nos momentos adversos, se preparam e se armam para estabelecer um movimento contrarrevolucionário, mesmo quando não há o risco da revolução. Por isso que ele fala em “contrarrevolução preventiva”: estava pensando muito no golpe de 1964 no Brasil e nos golpes militares.
Eu me permito dizer que, no contexto atual, de um capitalismo mundializado e globalizado, a contrarrevolução é um traço exasperado. Para tanto, basta lembrar Trump e o trumpismo nos EUA, Theresa May e o Brexit na Inglaterra, a eleição recente de um governo fascista na Itália, que está tratando os imigrantes como o fascismo concebeu, e a expansão enorme dos movimentos de extrema direita na Polônia, Hungria, Áustria e Alemanha. Além disso, há pouco ocorreu uma eleição disputada na França entre [Marine] Le Pen, fascista, e [Emmanuel] Macron, neoliberal, ambos de direita, naturalmente com a diferença de que um é fascista e outro não; o outro é neoliberal financista. Trata-se de um cenário adverso e nefasto; é um cenário de devastação.
Não seríamos capazes de imaginar, há alguns anos, que alguém pudesse tratar os imigrantes, os negros e as mulheres, abertamente, como Trump está fazendo. Esse cenário mostra que Florestan merece ser revisitado pelas pistas que dá. Fico feliz de poder dedicar meu livro a duas figuras emblemáticas: a Florestan Fernandes, que é um autor que nos inspira; e a István Mészáros [2], outro autor especial, um filósofo húngaro que viveu na Inglaterra desde que saiu da Hungria, em meados dos anos 1950. Ele tem contribuição decisiva para pensar o mundo contemporâneo e o sistema de metabolismo social destrutivo do capital.
A última parte do meu livro pergunta se há luz no fim do túnel. Eu penso que sim. Um dos primeiros desafios que temos de enfrentar é o plano dos sindicatos e das lutas sociais. Ambos devem se alimentar um do outro. Além disso, é preciso fazer o debate sobre o socialismo, pois essa ideia de que o socialismo acabou é uma ficção. O capitalismo levou muitos séculos para se constituir — pelo menos três séculos, se pensarmos do Renascimento até a Revolução Industrial. Entre as experiências socialistas houve uma tentativa espetacular, que foi a Comuna de Paris, no final do século XIX, e muitas tentativas derrotadas, em sua grande maioria no século XX, começando pela russa e terminando pela chinesa, para falar das mais importantes, e deixando de lado as revoluções na África e América Latina para efeito dessa avaliação. Mas o desafio é pensar um novo modo de vida em que o trabalho, a questão ambiental, a igualdade de gênero entre homens e mulheres, a igualdade substantiva — para usar uma expressão de Mészáros — racial, de gênero, de classe são vitais. Essas questões a humanidade haverá de reconquistá-las.
Gostaria de encerrar com um trecho do meu livro: "o mundo atual nos oferece como horizonte imediato o privilégio da servidão. Seu combate e impedimento efetivos, então, só serão possíveis se a humanidade conseguir recuperar o desafio da emancipação". Isso é vital. Meu livro é muito crítico na análise do mundo atual, mas não acredito que esse cenário seja irreversível, porque a história tem vida, a história não tem um fim preestabelecido, a história é a história da confrontação cotidiana. Nós estamos desafiados, no século XXI, a pensar uma outra sociedade fora dos constrangimentos do sistema do capital.
Notas:
[1] Florestan Fernandes (1920-1995): sociólogo e político brasileiro. Foi deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores – PT, tendo participado da Assembleia Nacional Constituinte. Recebeu o Prêmio Jabuti em 1964 pelo livro Corpo e alma do Brasil e foi agraciado postumamente, em 1996, com o Prêmio Anísio Teixeira. O nome de Florestan Fernandes está obrigatoriamente associado à pesquisa sociológica no Brasil e na América Latina. Sociólogo e professor universitário, com mais de 50 obras publicadas, ele transformou o pensamento social no país e estabeleceu um novo estilo de investigação sociológica, marcado pelo rigor analítico e crítico, e um novo padrão de atuação intelectual. (Nota da IHU On-Line)
[2] Istvan Mészáros: filósofo húngaro, considerado um dos mais importantes intelectuais marxistas da atualidade. Professor emérito da Universidade de Sussex, na Inglaterra. Escreveu, entre outros, de Para além do capital. Rumo a uma teoria da transição (Campinas-São Paulo: Editora da Unicamp – Boitempo, 2002) e de Poder da ideologia (São Paulo: Boitempo, 2004). (Nota da IHU On-Line).
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O proletário digital na era da reestruturação permanente do capital. Entrevista especial com Ricardo Antunes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU