11 Agosto 2018
"O anônimo comentarista explicava as razões das reservas e da advertência, porque ao contrário das obras de caráter científico, os escritos de cunho filosófico e teológico 'continham perigosas ambiguidades e graves erros'"
O artigo é do teólogo italiano Carlo Molari, padre e ex-professor das universidades Urbaniana e Gregoriana de Roma, publicado por Rocca, n° 15, 01-08-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um dos problemas que hoje a Igreja Católica pressente com alguma dramaticidade é a dificuldade de lidar com a diversidade quanto às doutrinas dogmáticas ou às escolhas morais. Com o passar do tempo, duas modalidades opostas estão sendo confrontadas para enfrentar o desenvolvimento da doutrina. Uma mais cética que negligencia o valor do pensamento e favorece a indiferença dos juízos. A outra mais rigorosa que exige uma continuidade absoluta com o passado e insiste em manter os significados das fórmulas doutrinárias sem mudanças significativas.
A mudança para programar de forma urgente diz respeito, portanto, à possibilidade de caminhar em direção a metas unanimemente reconhecidas como marcos realizáveis sem a presunção de defini-las em termos precisos e definitivos. A convergência do caminho em si não implica uniformidade de juízo em relação à meta, mas a vontade comum de alcançá-la juntos e o empenho de se confrontar de forma permanente sobre os caminhos a serem percorridos. Esse empenho seria suficiente para continuar o caminho, sem a pretensão de estabelecer as doutrinas de maneira absoluta e definitiva.
Esse modo de entender o processo em direção à verdade se difunde cada vez mais dentro da Igreja Católica e encontra consensos atualmente também para as decisões práticas do Papa Francisco.
No entanto, não faltam resistências por parte de grupos e de pessoas, inclusive de renome.
Os exemplos históricos sobre os quais é possível refletirem para identificar os caminhos a percorrer são numerosos.
Um dos mais recentes diz respeito ao conflito e às discussões sobre os escritos e as doutrinas do jesuíta Pierre Teilhard de Chardin.
Começando nos anos 1920 até sua morte (10 de abril de 1955, em um domingo de Páscoa) TdCh lutou para obter a permissão para publicar alguns de seus escritos de caráter filosófico e teológico.
Emblemático o caminho realizado na China, com o biblista franciscano Gabriele Allegra (Giovanni Stefano 1907-1976), que tinha sido nomeado como Delegado apostólico para examinar o escrito Ambiente divino. A sua opinião fora negativa e o Delegado o havia convidado a explicar as razões das dificuldades doutrinárias. Foi a oportunidade de uma amizade que o próprio Padre Allegra, dotado de uma memória extraordinária, descreveu fielmente num livreto ainda disponível no mercado.
No início da década de 1960, a publicação das obras inéditas do TdCh instou o Santo Ofício a intervir. O dicastério, que mais tarde se tornaria Congregação para a Doutrina da Fé, em 30 de junho de 1962 emitiu um decreto no qual se afirmava: "algumas obras do padre Teilhard de Chardin, inclusive póstumas, estão sendo difundidos, e estão obtendo um razoável sucesso. Seja qual for o juízo sobre o que se refere às ciências positivas, resulta bastante claro que essas obras estão cheias de ambiguidade, e até mesmo de graves erros em matéria filosóficas e teológicas, tais a ofender a doutrina católica.
Por esse motivo, os Eminentes e Reverendíssimos Padres da Suprema Sagrada Congregação do Santo Ofício exortam todas as autoridades eclesiásticas a proteger eficazmente os espíritos, principalmente dos estudantes, dos perigos inerentes às obras do Padre Teilhard de Chardin e dos seus seguidores".
O breve decreto era acompanhada por longo artigo comentando no mesmo "L'Osservatore Romano" com o título Pierre Teilhard de Chardin e o seu pensamento no plano filosófico e religioso.
O anônimo comentarista explicava as razões das reservas e da advertência, porque ao contrário das obras de caráter científico, os escritos de cunho filosófico e teológico "continham perigosas ambiguidades e graves erros".
O artigo reconhecia alguns méritos ao paleontólogo jesuíta: "Nós podemos nos associar com aqueles que reconhecem as boas intenções do homem e sua contribuição q para a pesquisa científica, especialmente para aquelas paleontológicas". Mas não poderia deixar de apontar as razões das reservas para as ambiguidades e os graves erros. "Porém, não é possível deixar de ficar antes perplexos, e depois discordantes, quando os pontos de vista do padre Teilhard de Chardin, do puro campo científico se estendem ao campo da filosofia e da teologia." Em particular, destacava o conceito de ação criadora e a relação entre criação e redenção, o pecado e a salvação. Enquanto isso, muitos defensores começaram a se mover.
L'Osservatore Romano tornou pública uma carta enviada em 12 de maio de 1981 em nome de João Paulo II, do Secretário de Estado, Cardeal Agostino Casaroli a Mons. Paul Poupard, Reitor do Institut Catholique de Paris, por ocasião do centenário do nascimento de Teilhard.
A 10 de junho de 1981 nove cardeais que orbitavam a Cúria Romana (F. Carpino, P. Parente, G. Paupini, M. Nasalli Rocca di Corneliano, P.P. Philippe, P. Palazzini, F.G. Antonelli, M.L. Ciappi, G. Caprio) reagiram com uma carta ao Cardeal Franjio Seper, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, lembrando que a Advertência tinha um valor permanente, porque falava de ambiguidade e graves erros filosóficos e teológicos nos escritos de Teilhard e pediam firmemente à Santa Sé para intervir para negar que a carta do Cardeal Secretário de Estado pudesse ser interpretada como "uma retração do Monitum, que, portanto, permanece inalterado, ato justo e válido do Magistério da Igreja." A manifestação não poderia passar em silêncio e em 12 de julho do mesmo ano, apareceu um comunicado da Sala de imprensa do Vaticano,
Na primeira página do "L'Osservatore Romano", havia a confirmação de que a Advertência do Santo Ofício ainda estava em vigor e que nenhuma revisão havia sido autorizada pela carta do cardeal Agostino Casaroli.
Remover o Monitum teria significado oficialmente a reabilitação oficial do jesuíta paleontólogo.
A Congregação para a Doutrina da Fé não poderia ficar ausente do debate subterrâneo e interveio com um artigo publicado no “L'Osservatore Romano", de 29 de dezembro de 2013 , através de um renomado consultor, Maurizio Gronchi, professor de teologia dogmática na Pontifícia Universidade Urbaniana. Foram repercorridas as etapas da disputa a partir do "controverso e doloroso Monitum publicado pelo Santo Ofício em 30 de junho de 1962". "Apesar da gravidade dos juízos expressos sobre o método e o pensamento do jesuíta, o artigo pretendia salvar a memória da pessoa: 'Queremos admitir que Teilhard, como pessoa privada, tinha uma vida espiritual intensa. Não entendemos, evidentemente, apontar críticas à pessoa, mas ao método, ao pensamento' ... Hoje, mais de meio século desde o Monitum, direcionado especialmente para os responsáveis pela formação intelectual dos candidatos ao sacerdócio, pode-se dizer que - independentemente das boas intenções pessoais e das significativas e válidas intuições - o pensamento de Pierre Teilhard de Chardin não era livre de determinadas lacunas e dificuldades, em vez de 'ambiguidades perigosas e graves erros’. De fato, esse Monitum não impediu reconhecer certos méritos indiscutíveis para a contribuição de Teilhard, como de conduzir sérios estudos críticos e serenos sobre o seu pensamento." Também relembra diversas etapas por parte dos últimos Papas: "O primeiro a apreciar publicamente e com coragem a figura de Teilhard foi Paulo VI que, em 24 de fevereiro de 1966, por ocasião da visita a um estabelecimento farmacêutico romano, expressou-se assim, de acordo com crônica publicada no "L'Osservatore Romano" (26 de fevereiro): "Um famoso cientista afirmava: mais estudo a matéria, mais encontrar o espírito (...)." E o Santo Padre cita Teilhard de Chardin, que deu uma explicação do universo e, entre tantas fantasias, tantas coisas inexatas, soube ler dentro das coisas um princípio inteligente que deve ser chamado de Deus".
O futuro da humanidade: novos desafios da Antropologia, em 16 de outubro de 2017 aprovou o pedido ao Papa Francisco para remover o Monitum da Sagrada Congregação do Santo Ofício das obras de Pierre Teilhard de Chardin, SJ . No comunicado pode ser lido: "Acreditamos que tal ato não só reabilitaria o esforço genuíno do piedoso jesuíta, em uma tentativa de reconciliar a visão científica do universo com a escatologia cristã, mas também representaria um estímulo formidável para todos os teólogos e cientistas de boa vontade para colaborar na construção de um modelo antropológico cristão que, seguindo as indicações da Encíclica Laudato si, coloque-se naturalmente na maravilhosa trama do cosmos". Finalmente, lembro da nota 53 do n. 83 da Encíclica Laudato si, que cita "a contribuição do padre Teilhard de Chardin” lembrado por Paulo VI, por João Paulo II e por Bento XVI. Dessa forma, algumas das razões do Monitum pareciam de fato oficiosamente superadas.
Depois de recordar esses eventos Emmanuele Barbieri em um site tradicionalista na internet, em 6 de dezembro de 2017, perguntava-se: "Será que existe hoje algum cardeal disposto a fazer ouvir a sua voz, como aconteceu em 1981?". Parece que não. Aliás, a orientação parece favorável a Teilhard.
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Rumo à comunidade eclesial, o caso de Theilard de Chardin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU