31 Julho 2018
“Por que tratar pessoas e devolvê-las às mesma condições que as fizeram adoecer?”, essa é a pergunta que inicia o livro The Health Gap (A lacuna em saúde), do diretor do Institute of Health Equity, sir Michael Marmot. Ela resume a ideia dos determinantes sociais da saúde, que buscam entender e atuar sobre fatores socioeconômicos que interferem na saúde. “Esta ideia está decolando”, garantiu o fundador da epidemiologia social, apresentando como evidência o fato de já ser reconhecido como tal até mesmo em palavras-cruzadas. Marmot participou da conferência Desigualdades sociais e estratégias para superá-las, no sábado (28/7), na tenda Marielle Franco, durante o 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, o Abrascão 2018, sediado na Fiocruz.
A reportagem é de Júlia Dias, publicada por Agência Fiocruz de Notícias, 29-07-2018.
Ao analisar indicadores de saúde de diferentes países ou mesmo de diferentes grupos dentro de cada país é possível notar enormes desigualdades que não podem ser explicadas por fatores que se restringem ao que se conhece como o campo específico da saúde. “Não existe uma explicação biológica para que homens no Haiti vivam 18 anos a menos que no Canadá”, exemplificou o pesquisador, que também já foi presidente da Associação Médica Mundial. Ele explicou, no entanto, que não existe uma relação lógica direta entre riqueza e saúde. É claro que existe um mínimo necessário para se ter bom resultados, países e grupos de baixa renda terão dificuldades de ter bons indicadores de saúde. Mas depois que se deixa esse patamar mínimo, com um pequeno aumento na renda, a relação entre renda e saúde deixa de existir. Pequenos aumentos nos níveis de renda podem significar uma grande melhora em indicadores de saúde, como expectativa de vida. Existem países com renda per capita, como Cuba e Costa Rica, que possuem indicadores tão bons quanto países de alta renda. “A diferença é a organização da sociedade”, explica Marmot.
A desigualdade interna dos países pode ser uma explicação para indicadores em saúde fracos. O que acontece é que os ricos de qualquer lugar do mundo continuam tendo bom acesso à saúde o problema é a lacuna que persiste. “Se você é rico, não importa onde você vive”, afirma o pesquisador demonstrando que os mais ricos do Brasil, Venezuela, Colômbia e Chile têm o mesmo nível de renda que os ricos do Canadá, mas os pobres desses países sul-americanos estão muito atrás dos níveis mínimos canadenses. Esta desigualdade de renda se reflete em indicadores de saúde. A expectativa de vida dos Estados Unidos é um exemplo. Enquanto a expectativa de vida entre os homens dos mais ricos subiu, a do mais pobres permaneceu quase inalterada. No caso das mulheres, os indicadores são ainda piores. Enquanto a expectativa das mulheres mais ricas subiu, a expectativa entre as 30% mais pobres caiu. “Isto é chocante e deveríamos estar com muita raiva disto. Em qualquer país que isso acontecesse e, particularmente, no país mais rico do mundo. Isto é assustador”, define. Para ele, essa é, no entanto, uma escolha política. Cada país escolhe qual nível de desigualdade considera aceitável e, em regimes democráticos, a sociedade deve poder influir nisso. Se países muito desiguais, como Brasil, México e Estados Unidos, têm níveis de pobreza na infância que chegam a 30% é porque decidiram que isso é tolerável.
O tom da conferência, no entanto, foi positivo no que Marmot chamou de um “otimismo baseado em evidências”. Existem muitos casos em que países implementaram abordagens para reduzir a desigualdade e obtiveram bons resultados em saúde. O caso do Brasil que, com o Bolsa Família, diminuiu a lacuna entre ricos e pobres nos indicadores de mortalidade infantil é um exemplo. Países como Ruanda e Vietnam também provaram que é possível avançar, e rápido. Apesar de estar na região mais pobre do mundo e ter passado por um conflito interno em sua história recente, o país africano conseguiu evoluir em diversos indicativos ligados aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em apenas 15 anos.
Além disso, o pesquisador, que também preside a Comissão de Alto-Nível da Opas sobre Equidade e Desigualdades em Saúde, disse que diversas cidades, regiões e países têm buscado implementar suas recomendações nas políticas públicas e que na Inglaterra algumas cidades já estão até mesmo se denominando “Marmot cities” e se comprometendo a implementar as recomendações do relatório “Fair Society, Healthy Live” (Sociedade Justa, Vida Saudável). A publicação inclui seis recomendações, que consideram todo o curso da vida e incluem medidas para infância, educação de qualidade, trabalho decente, espaços sustentáveis e prevenção em saúde.
Mais do que mais recursos para a saúde ou boas políticas de saúde, é necessário incluir a agenda da saúde em todas as políticas, garantindo uma vida justa e digna para todos os cidadãos, defende Marmot. Políticas públicas baseadas em evidências e em um senso de justiça social são sua principal recomendação. O pesquisador se diverte ao contar que já foi acusado de ser um sonhador. “Você está na terra da fantasia”, ouviu. Ele, no entanto, garante que as evidências estão ao seu lado e os progressos já podem ser notados em diversos lugares. Ao se encerrar sua fala, ele convidou: “Venham para minha terra da fantasia”.
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Abrascão: agir contra injustiça social garante progressos em saúde - Instituto Humanitas Unisinos - IHU