25 Julho 2018
Mauricio López diz que é mexicano por nascimento, equatoriano por opção e amazônico por vocação. O atual secretário executivo da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) está encerrando o seu serviço à frente das Comunidades de Vida Cristã (CVX), presentes em cerca de 70 países e vinculadas à Companhia de Jesus, com a qual colaboram não em função da instituição, mas sim da missão.
A reportagem é de Luis Miguel Modino, publicada por Religión Digital, 23-07-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para quem foi seu presidente, a CVX – que no dia 22 de julho começou sua Assembleia Mundial em Buenos Aires e que será encerrada com a festa de Santo Inácio, no dia 31 – pretende responder aos chamados do Vaticano II. Depois desse tempo, ele tem “a certeza de que o discernimento comunitário é uma possibilidade concreta e real”, uma ideia que remete aos Exercícios de Santo Inácio e que o leva a afirmar que “a nossa espiritualidade não é para um consumo privado, para nos fecharmos em nós mesmos, mas para colocá-la a serviço da Igreja e do mundo”, sendo conscientes de que tudo deve estar em função da “construção do Reino em meio às diversas realidades”.
Nesta entrevista, Mauricio López faz uma análise da importância da espiritualidade inaciana, que leva a “encontrar Deus em todas as coisas, contemplar na ação”, fazendo um chamado “a ser redenção do gênero humano”.
Essa espiritualidade, na opinião do ainda presidente da CVX, faz com que “sintamos que somos chamados a fazer a diferença, que, seja o que for que façamos, fazemo-lo com uma profunda convicção de que ali estamos construindo o Reino, e que isso seja notado”.
Nesse sentido, ele destaca a importância do laicato, “que não é uma vocação secundária” e que ele define como “o caminho privilegiado para a santidade, o caminho pleno para responder aos mais profundos sinais da realidade hoje”, a partir daquilo que o Papa Francisco afirma na Gaudete et exsultate.
Nesse sentido, López assinala que “o único antídoto contra o clericalismo é um laicato maduro, responsável, capaz de encontrar seu próprio lugar na Igreja”.
Falando sobre o futuro das Comunidades de Vida Cristã, ele destaca que “é hora de sair da autorreferencialidade e da autocomplacência”, ideias muito presentes no Papa Francisco, de “assumir o itinerário completo dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio, que é o eixo da nossa identidade, e que nos leva a uma experiência profunda de Deus”, assumindo como ferramenta o discernimento.
Depois de vários anos de serviço como presidente da CVX, qual é o legado que permanece em sua vida?
Eu diria que o mais importante que a presidência da CVX durante cinco anos me deixou é a certeza de que o discernimento comunitário é uma possibilidade concreta e real, é uma resposta específica ao mundo de hoje, que também está cheio de dispersão, fragmentação e superficialidade, e nos permite entrar em profundidade no serviço concreto pelo Reino, especialmente tendo em conta a nossa identidade laical.
Eu acho que esse legado de saber que a nossa missão só pode ser entendida a partir da vivência comunitária é algo que dá muito sentido à nossa missão de sentir com a Igreja. Nos Exercícios Espirituais, Santo Inácio falava profundamente de algumas orientações para sentir com a Igreja. Eu acho que, se é possível falar de algum legado para mim, é ter aprendido a discernir comunitariamente.
A outra coisa é que as dinâmicas globais que se expressam na diversidade cultural, em uma equipe de trabalho que é a Equipe Mundial, que é integrada por pessoas de todos os continentes, com uma grande diversidade, nos unem em uma mesma vocação pelo Reino. Hoje nos sentimos chamados a sentir que a nossa espiritualidade não é para um consumo privado, para nos fecharmos em nós mesmos, mas para colocá-la a serviço da Igreja e do mundo.
Gustavo Gutiérrez, um dos grandes promotores da Teologia da Libertação, dizia que a espiritualidade inaciana é, talvez, a que pode responder melhor às realidades tão complexas do mundo de hoje. Não é nem melhor nem pior, mas talvez, sim, uma espiritualidade que pode responder melhor a essa situação de um mundo que também muda com muita rapidez, que está em uma dinâmica de contraste. A espiritualidade consegue conectar o diferente e ajuda a encontrar o sentido do Reino em meio a uma grande diversidade.
Por último, saber que a minha missão na Igreja está profundamente marcada pelos dons que recebi de tantas mulheres e homens, que foram semeando no meu coração com paciência, confiando, acompanhando meus tropeços, e tudo o que eu faço hoje em minha missão eclesial, seja na Repam ou na Cáritas Equador, onde estive até recentemente na Secretaria Executiva, também tem a ver com essa espiritualidade que tenta fazer sentido da construção do Reino em meio às diversas realidades.
Qual é a importância dos leigos para a Companhia de Jesus?
A Companhia de Jesus é uma instância irmã da CVX desde o seu início. A CVX procede das comunidades marianas, que também completam 450 anos de caminhada, e a CVX é a interpretação e a renovação de 50 anos atrás de uma comunidade de leigos vinculados à espiritualidade inaciana, querendo responder muito mais em virtude de nossa identidade laical aos chamados do Concílio Vaticano II.
Nesse sentido, agradecemos profundamente que a Companhia de Jesus, através do seu superior geral, também presta esse serviço valiosíssimo de ser nosso assistente eclesiástico mundial. Ele delega um vice-assistente em tempo integral, dedicado a acompanhar o nosso escritório lá em Roma. Por outro lado, múltiplas presenças dos jesuítas acompanham as Comunidades de Vida Cristã nos quase 70 países onde estamos presentes em todo o mundo.
Acredito que a Companhia de Jesus está entendendo cada vez mais que o chamado à colaboração tem que ir além de suas próprias estruturas e instituições. Não é uma colaboração em função da instituição, mas sim uma colaboração no coração da missão. E a CVX, tendo identidade própria, autonomia também jurídica e de acordo com o Direito Canônico na Igreja, pode e é chamada a ser essa instância diferente por nossa própria identidade, mas que quer complementar e animar caminhos de enriquecimento mútuo e, sobretudo, de resposta aos grandes sinais de morte na realidade de hoje.
Juntos, somos chamados a responder melhor, a partir de cada uma das nossas respectivas ministerialidades, mas a serviço de uma mesma missão, que é uma missão no coração da Igreja.
Como a espiritualidade inaciana pode influir na vida cotidiana de cada batizado?
A espiritualidade inaciana é uma espiritualidade que une polos distintos e processos improváveis de comunhão, isto é, encontrar Deus em todas as coisas, contemplar na ação, usar de todas as coisas na medida em que nos levem a um fim maior. Ela permite que muitos aspectos do nosso mundo que estão nos fragmentando façam sentido em uma mesma direção, que é encontrar o rosto encarnado de Cristo em meio à realidade diversa, e, nela, sentir-nos chamado a ser redenção do gênero humano, ou seja, a fazer sentido da esperança e do projeto de vida, de justiça e de dignidade em meio à realidade.
Eu acredito que essa espiritualidade permite que, em todos os âmbitos da vida cotidiana, profissional, política, social, cívica, sintamos que somos chamados a fazer a diferença, que, seja o que for que façamos, fazemo-lo com uma profunda convicção de que ali estamos construindo o Reino e que isso seja notado. Não que seja notado de uma maneira qualitativamente distinta, mas sim pela profundidade e pelo testemunho de fazê-lo com toda a certeza de que Deus trabalha dentro da vida e que nós somos um pouco criadores com Ele.
O que define ou deveria definir a vida de um leigo que se orienta pela espiritualidade jesuítica? Quais são as perspectivas de futuro dos leigos jesuítas?
A espiritualidade inaciana é para leigos e sacerdotes jesuítas, razão pela qual o mais lógico é falar de leigos inacianos, especialmente a CVX, que tem uma identidade própria de acordo com o Direito Canônico e também reconhecimento perante o Vaticano. Acho que o futuro está em assumir o que há de profundo no sentir como Igreja. Acho que é hora de que saiamos da autorreferencialidade e da autocomplacência, de uma experiência que nos vitaliza, nos dá muita vida, da qual tiramos muito proveito, mas que, muitas vezes, parece que guardamos para nós mesmos.
Para mim, o futuro está em assumir o itinerário completo dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio, que é o eixo da nossa identidade, e que isso nos leva a uma experiência profunda de Deus, de cura, de encontro de sentido para, depois, discernir a profundidade do itinerário que Jesus nos marca, um desejo de conhecê-lo profundamente e de segui-lo, e também de assumir as possíveis consequências de ir à cruz.
O futuro, então, está aí, em assumir o itinerário completo e colocá-lo a serviço da Igreja, sobretudo com o discernimento como uma ferramenta a serviço da realidade.
Como a figura do Papa Francisco, jesuíta e que tanto critica o clericalismo, pode influir para que a Igreja hierárquica reconheça cada vez mais a importância do laicato?
O Papa Francisco está chamando a uma forte afirmação do laicato de hoje e não só em palavras. Eu acho que a exortação apostólica Gaudete et exsultate é uma absoluta convicção a partir do pontificado de Francisco e um mapa para poder fazer do meio da vocação laical o caminho privilegiado para a santidade. Ela está reafirmando e reivindicando essa vocação na Igreja, que não é uma vocação secundária, que não é uma vocação também reduzida, mas sim o caminho pleno para responder aos sinais mais profundos da realidade hoje.
Eu acho que o papa também está marcando para nós linhas muito concretas, por exemplo, na criação do novo Dicastério para a Vida, a Família e os Leigos, no qual tivemos alguns encontros específicos como CVX, escutando uma verdadeira e genuína convicção de mudar as coisas, incorporar os chamados do Concílio Vaticano II, que já estão com 50 anos de atraso e têm que ser postos em movimento também.
Por outro lado, a nomeação como subsecretários dentro desse âmbito eclesial na figura de leigas, especificamente: eu acho que o único antídoto contra o clericalismo é um laicato maduro, responsável, capaz de encontrar seu próprio lugar na Igreja e que possa ser uma interlocução construtiva com a Igreja, mas, ao mesmo tempo, servir de interface para responder a todos os outros espaços onde hoje a Igreja não está ou não pode estar presente ou está cada vez mais limitada para chegar.
O século presente, como já dizia o Concílio Vaticano II, é o século dos leigos, mas cabe a nós fazer um discernimento profundo, com maturidade, a partir da complementaridade, para poder encontrar a nossa verdadeira identidade e a nossa contribuição mais profunda no meio desse caminho do Reino. O kairós que estamos vivendo hoje, a partir do Concílio Vaticano II e até o Papa Francisco, passa necessariamente pela sua concretização, pelo fato de os leigos encontrarem seu verdadeiro chamado e vocação no meio da Igreja.
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''O único antídoto contra o clericalismo é um laicato maduro.'' Entrevista com Mauricio López - Instituto Humanitas Unisinos - IHU