22 Junho 2018
“Faz-se necessária uma encíclica sobre a Europa, o Mediterrâneo, a África, nosso destino comum. Ela deveria responder ao seguinte dilema: todos os povos precisam de fronteiras, toda a humanidade é migrante”. A reflexão é de Jean-Pierre Denis, diretor de redação, em artigo publicado por La Vie, 19-06-2018. A tradução é de André Langer.
Duas mil crianças foram separadas de seus pais desde que a Administração Trump decidiu prender todas as pessoas que foram detidas na fronteira mexicana e criminalizar exageradamente a imigração ilegal. Na Itália, o novo ministro do Interior, Matteo Salvini, pediu a criação de um banco de dados com a relação de todos os romanos. Mas o que você acha que pode acontecer?
Se eleito, seu partido parece ter atingido o melhor resultado já alcançado. “Eu prometo respeitar os ensinamentos contidos nesse santo Evangelho”, atreveu-se dizer o mesmo Salvini, no dia 24 de fevereiro, em Milão, segurando na mão a Bíblia e o rosário tendo ao fundo a catedral. “A Bíblia diz em muitas passagens que devemos respeitar a lei,” tem a desfaçatez de dizer o porta-voz de Trump quando perguntado sobre o que o inspira tirar as crianças de seus pais.
Nós gostaríamos de propor a essa cristã e essa mãe de família as palavras dos bispos e dos cardeais americanos, e até mesmo de líderes evangélicos, que dificilmente passariam por anarquistas. Papa, bispos, ONGs... em todos os lugares a instituição católica é vento contrário a uma política que quebra o que ela considera como o mais sagrado. “É a minha alegria ser bispo da Igreja católica que defende os mais vulneráveis, os migrantes e os refugiados, os doentes terminais, os não nascidos. Procuremos ser coerentes”, escreveu Xavier Malle, da diocese de Hautes-Alpes, onde se encontra o famoso desfiladeiro de Échelle.
Um número crescente de cristãos, praticantes ou não, acredita que há uma grande necessidade de fazer uma triagem para separar os verdadeiros refugiados, que são minoritários, e migrantes que buscam uma vida melhor. Alguns inclusive chegam a pensar que a Igreja está mais interessada nos estrangeiros do que nos seus próprios problemas – especialmente na Itália, onde o desemprego atinge um terço dos menores de 25 anos e muitos jovens são forçados a sair.
Observa-se um enrijecimento em todos os lugares. Isso enfraquece ainda mais o governo de Angela Merkel, sob pressão de sua ala direita bávara, que quer colocar crucifixos em todos os lugares. As políticas de contemporização até agora adotadas por governos “razoáveis” dão uma sensação de impotência ou de hipocrisia, mesmo quando são julgadas cada vez mais desumanas por outra parte da opinião pública. Todo o edifício democrático está abalado.
Mas a tensão pode aumentar. Há 13,6 filhos por homem no Níger (por causa da poligamia). Há 1,63 filho por mulher na Europa para 4,39 na África. Passando de 260 milhões na época da independência para 1,2 bilhão, a população africana dobrará até 2050. A Nigéria será então o país mais populoso do mundo, depois da Índia e da China. O crescimento econômico não é rápido o suficiente para atender a essas necessidades. Então, o que fazer?
Durante a campanha presidencial, La Vie interrogou Marine Le Pen. Desde que você não queira mais migrantes, o que vai fazer para impedi-los de vir? Devemos afundar os barcos no Mediterrâneo? A questão, considerada indecorosa, fez a candidata perder as estribeiras. Nós não chegamos nesse ponto, mas nos aproximamos perigosamente de uma lógica de guerra defensiva, considerando esses homens, mulheres e crianças como inimigos, negando-lhes o direito de serem nossos irmãos.
Além das ações humanitárias, das chamadas para ler o Evangelho ou considerações obsoletas sobre ajuda ao desenvolvimento, a questão muda de natureza. Se não quisermos massacres ou o completo mergulho da Europa no nacionalismo e no populismo, devemos esperar uma resposta global, civilizacional, uma visão cristã expressada ao nível da angústia dos europeus e da esperança dos africanos.
Faz-se necessária uma encíclica sobre a Europa, o Mediterrâneo, a África, nosso destino comum. Ela deveria responder ao seguinte dilema: todos os povos precisam de fronteiras, toda a humanidade é migrante. E incluir um discurso estruturado sobre a demografia, assunto que a Igreja católica tem muita dificuldade para abordar, prisioneira que é do cenário dado pela Humanae Vitae há 50 anos e de seu discurso de natalidade.
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Por uma encíclica sobre as migrações - Instituto Humanitas Unisinos - IHU