12 Junho 2018
Mary Rice Hasson, JD, pesquisadora Kate O’Beirne do Centro de Estudos Católicos de Ética e Políticas Públicas e diretora do Catholic Women’s Forum (Fórum de Mulheres Católicas), uma rede internacional que responde ao chamado do Papa Francisco à “presença mais efetiva” das mulheres da Igreja e no mundo. Ela falou a Charles Camosy sobre o evento de 31 de maio chamado “The #MeToo Moment: Second Thoughts on the Sexual Revolution” (Momento #MeToo: Repensando a revolução sexual), em Washington, D.C., co-patrocinado pelo Centro de Informação Católica e pela Arquidiocese de Washington.
A entrevista é de Charles C. Camosy, publicada por Crux, 09-06-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
O CWF (do inglês Catholic Women’s Forum) e o Centro de Ética e Cultura da Universidade de Notre Dame recentemente organizaram um importante evento em Washington, D.C. para repensar a revolução sexual. O que motivou este encontro de grandes nomes como a senhora, Helen Alvare, Mary Eberstadt e o cardeal Wuerl?
Todos temos uma profunda consideração pelas mulheres, famílias e dignidade humana e sérias preocupações com as consequências negativas da revolução sexual. Quando o movimento #MeToo explodiu na mídia, a crueza da dor das mulheres exploradas e prejudicadas escondida pela bandeira da liberdade sexual abalou nossa complacência cultural. O lado positivo é que #MeToo abriu espaço para diálogos honestos que deviam ter sido promovidos há muito tempo, não apenas sobre assédio sexual, mas também sobre outros danos e a origem comum da revolução sexual.
Queríamos entrar naquele espaço e participar dessa conversa. O Catholic Women’s Forum (Fórum de Mulheres Católicas) promoveu um painel de discussão sobre assédio sexual em dezembro de 2017 que desencadeou debates com Mary Eberstadt, Carter Snead, do Centro de Ética e Cultura da Notre Dame e meu colega George Weigel, sobre um esforço maior e mais colaborativo (que acabou reunindo a Arquidiocese de Washington e o Centro de Informação Católica como co-patrocinadores do evento). Logo após o #MeToo, parecia ser a hora certa de apresentar novos fatos no discurso público e levantar preocupações importantes, “repensando” a revolução sexual. A conferência apresentou grandes pensadores e intelectuais. Num auditório lotado, a fala do cardeal Wuerl contextualizou a questão, observando que, como a cultura perdeu sua bússola moral, a Igreja tem um papel crucial de propor a verdade. Mary Eberstadt descreveu a paisagem cultural e, parafraseando a observação de Tolstoy em um contexto diferente, desafiou o público a não se afastar das evidências dos prejuízos causados pela revolução sexual, porque, "não podemos fingir que não sabemos disso".
Dois painéis de grandes médicas, psicólogas e advogadas especialistas em pesquisa nas áreas do direito, da medicina e das ciências sociais ressaltaram o impacto devastador da revolução sexual. Por exemplo, Dr. Monique Chireau, ginecologista e obstetra do Centro Médico de Duke, observou que a fertilidade feminina foi estruturada pela revolução sexual, e, muitas vezes de forma indesejável: doenças sexualmente transmissíveis aumentaram drasticamente, práticas sexuais nocivas tornaram-se comuns e falhas contraceptivas inevitavelmente levam ao aborto.
Dr. Marguerite Duane, do Centro Médico de Georgetown, apresentou dados sobre os efeitos negativos da contracepção hormonal e das crenças extremamente desatualizadas dos médicos sobre conscientização sobre fertilidade, que acabam privando as mulheres de chegarem a informações de que necessitam para tomar decisões saudáveis. A professora de direito da Universidade Católica, Mary Leary, especialista em esquemas de tráfico sexual on-line, apresentou dados sobre a mercantilização dos corpos femininos e dos negócios multimilionários de compra e venda de seres humanos pelo tráfico sexual. A professora Helen Alvare encerrou criticando leis, políticas e normas que priorizam a liberdade sexual adulta sobre o bem-estar das crianças.
Como os palestrantes tinham credibilidade e apresentaram dados empíricos, os participantes que não compartilhavam das mesmas crenças morais ou religiosas tinham muito no que pensar.
Até onde eu sei, a principal resposta ao #MeToo em círculos mais seculares tem sido lutar com conceitos mais rigorosos e explícitos de consentimento. A senhora ou outras pessoas tiveram algum tipo de reação a essa resposta?
Sim. O consentimento é um mínimo legal, mas não consegue proteger a dignidade humana e chegar ao significado da relação sexual como pretendida por Deus. Na prática, o consentimento muitas vezes é um parâmetro insuficiente, porque a sexualidade e as pessoas são complexas. Como observou a psicóloga Suzanne Hollman durante sua apresentação, estudos demonstram que homens e mulheres tendem a indicar e interpretar os sinais verbais e não verbais do consentimento (ou da falta dele) de formas muito diferentes.
A ambiguidade fica ainda maior quando os casais mal se conhecem. Encontros sexuais, principalmente entre casais que não têm compromisso, podem se caracterizar por ambivalência, arrependimento e consentimento a relações sexuais indesejadas. Ao abordar as consequências emocionais do sexo casual, Dr. Hollman observou que "possivelmente as mulheres estão se sentindo mais pressionadas para parecerem livres, sem serem afetadas emocionalmente, e a consentir mesmo quando não estão totalmente confortáveis". Em outro nível, colocar a fé em métodos explícitos de consentimento (até mesmo escritos) reduz a relação sexual a uma transação mais próxima para o benefício individual, com termos cuidadosamente negociados, uma troca de benefícios e penalidades em caso de não conformidade. Pouco surpreende que muitos jovens se queixam que o sexo casual muitas vezes está associado a “sexo ruim”.
O sexo, por natureza, deve ser uma expressão íntima de amor no contexto de uma relação permanente, um dom de si mesmo. O amor exige mais do que consentimento. Como destacava João Paulo II, a pessoa humana é feita para amar e nunca deve ser tratada como uma "coisa" que pode ser usada, o que é um padrão que pessoas com ou sem fé podem adotar. Usar o outro é sempre errado. (E porque a dignidade humana é inalienável, ninguém tem o direito de "consentir" a ser usado também.) As evidências apresentadas no evento expõem a ficção por trás da revolução sexual - a crença de que o fim do sexo é apenas o prazer, não passa de consumir uma sobremesa muito apreciada. E isso não é verdade." Há décadas, as mulheres têm carregado os custos sociais para manter essa ficção viva. Mas "acabou". As mulheres rasgaram o brilho que envolvia essa narrativa, expondo as realidades dolorosas no coração da revolução sexual. É hora de mudar.
Algo que traz muita esperança, pelo menos na minha perspectiva, é que pessoas muito diferentes, com várias ideias políticas e teológicas diferentes, estão começando a perceber qual o papel da pornografia nisso tudo. Parece que, principalmente a publicação #MeToo, em certos lugares surpreendentes, já não se considera "retrógrado" ou "rígido" salientar a natureza destrutiva da pornografia em relações humanas individuais e na nossa cultura sexual em geral. As pessoas que estavam presentes na conferência também sentiram uma nova abertura nesse âmbito?
Sim e não. Como a Professora Maryanne Layden destacou na sua apresentação, os efeitos negativos da pornografia e as relações entre pornografia e violência sexualizada são irrefutáveis. Quem está aberto à verdade reconhece sua destrutividade. No entanto, vivemos em uma cultura da pornografia, em que ela parece normal e, consequentemente, molda as crenças das pessoas que a consomem sobre as mulheres e a sexualidade de forma poderosa. Dr. Layden observa que a pornografia retrata as mulheres como pessoas que nunca dizem não e "apreciam" o sexo em que os homens batem, sufocam e humilham. A pornografia também dá "permissão" aos homens para esperar o mesmo na vida real. E está estruturando as atitudes dos homens mais jovens.
A última pesquisa da Gallup mostra que "67% dos homens entre 18 a 49 anos disseram, este ano, que a pornografia é moralmente aceitável, um aumento de 14 pontos em comparação ao ano passado". Portanto, paradoxalmente, embora o debate esteja encerrado - a pornografia é inegavelmente destrutiva -, os estadunidenses em geral têm mais tolerância à pornografia do que nunca. É uma tendência preocupante, com graves consequências para as relações entre homens e mulheres e para a cultura.
Entre outras coisas, a revolução sexual ensinou a milhões de mulheres que sua liberdade e desenvolvimento dependem da pílula anticoncepcional. Isso foi abordado no evento?
Uma pergunta da plateia sugeriu que a pílula possibilitou o progresso das mulheres. Dr. Duane e Dr. Chireau combateram essa premissa com veemência, argumentando que a estrutura do local de trabalho ainda é orientada para o profissional masculino, forçando as mulheres a imitar padrões de trabalho, prioridades e padrões de fertilidade masculinos para poder participar de forma plena.
Ao aceitar que a pílula (e o aborto como “plano B”) é a solução para "o modo" como mulheres podem levar seus talentos para o local de trabalho, elas não conseguiram insistir no valor cultural das mulheres como mulheres, levando em consideração diferenças de fertilidade, prioridades e as realidades da gravidez e da lactação.
Cinquenta anos depois, as mulheres ainda descobrem que seu sucesso muitas vezes depende do quanto elas conseguem se enquadrar no modelo do trabalhador masculino, facilitado pela contracepção e por "benefícios" como o congelamento de óvulos da indústria da tecnologia pago pelo empregador, que incentiva as mulheres a adiar a maternidade em prol do trabalho.
A conferência abordou muitos temas diferentes, mas eu adoro ver as conexões entre as questões e preocupações morais. Houve alguma discussão sobre a inter-relação entre os tema, talvez sugerindo um modo holístico de se abordar essas preocupações?
Com certeza. A sequência de apresentações teve um impacto cumulativo, pois cada tema colocava o cenário mais amplo ainda mais em foco. É algo muito sério e pode parecer exagero, pela magnitude dos efeitos negativos e do aporte financeiro que está por trás.
Mas essas consequências aparentemente díspares da revolução sexual têm uma solução em comum: temos de insistir que cada pessoa tem dignidade humana e merece ser amada; que jamais se aceita tratar outra pessoa como um objeto, algo a ser usado ou explorado em sua vulnerabilidade, mesmo com seu consentimento aparente; que a pessoa humana, desde a concepção até a morte natural, nunca seja reduzida a uma mercadoria, uma coisa que se pode comprar e vender.
A boa notícia é que as mulheres, que já sofreram muito após a revolução sexual, têm encontrado sua voz e esperam estimular uma reavaliação da revolução sexual, para promover uma nova trajetória cultural, centrada na dignidade humana e no amor.
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O momento #MeToo: repensando a revolução sexual - Instituto Humanitas Unisinos - IHU