06 Junho 2018
O alagoano J.S, 21, infelizmente tinha contra si dois fatores. Era jovem e negro. Em seu Estado isso significa que ele tinha as mesmas chances de ser assassinado do que se morasse em El Salvador, um dos países mais violentos do mundo com uma taxa de homicídio de 60 mortos por 100.000 habitantes. Terminou baleado caído na calçada no bairro Chã da Jaqueira, periferia de Maceió. Destino diferente teve P. H. Z., 27. Apesar da pouca idade, o conterrâneo de Silva foi aprovado em concurso para ser diplomata pelo Itamaraty. Assim como Silva, ele é alagoano. Mas com uma diferença: Zacarias é branco. Para um homem branco em Alagoas, as chances de ser morto são baixíssimas, as mesmas dos Estados Unidos: 5,3 homicídios por 100.000 habitantes. A Organização Mundial de Saúde considera epidêmicas taxas acima de 10.
A reportagem é de Gil Alessi, publicada por El País, 05-06-2018.
Os dados sobre violência no Brasil constam no Atlas da Violência 2018, organizado em parceria entre o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). "É como se, em relação à violência letal, negros e não negros vivessem em países completamente distintos. Em 2016, por exemplo, a taxa de homicídios de negros foi duas vezes e meia superior à de não negros (16,0 por 100.000 habitantes contra 40,2)", diz o texto. O relatório analisou os dados mais recentes disponíveis, de 2016, fornecidos pelo Ministério da Saúde. Os casos de Silva e Zacarias foram encontrados pela reportagem no noticiário local alagoano. O caso de Alagoas, destaca o estudo, é "especialmente interessante, pois o Estado teve a terceira maior taxa de homicídios de negros (69,7 por 100.000 habitantes) e a menor taxa de homicídios de não negros do Brasil (4,1)".
Ao compilar uma década de homicídios de negros, o Atlas chega a conclusões sombrias, que tornam impossível ignorar o racismo existente no país. "Em um período de uma década, entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%. No mesmo período, a taxa entre os não negros teve uma redução de 6,8%", diz o relatório. As maiores taxas de assassinatos de negros no Brasil se encontra em Sergipe (79 por 100.000 habitantes) e Rio Grande do Norte (70,5). As menores taxas de homicídios de negros são a de São Paulo (13,5), Paraná (19) e de Santa Catarina (22). "A conclusão é que a desigualdade racial no Brasil se expressa de modo cristalino no que se refere à violência letal e às políticas de segurança", afirma o estudo. A situação das mulheres negras também é grave: a taxa de homicídio entre elas "foi 71% superior à de mulheres não negras". Os homens, no entanto, continuam sendo as maiores vítimas da violência.
Em apenas um Estado brasileiro, o Paraná, a taxa de homicídios entre não negros foi maior do que a de negros: 30,6 por 100.000 habitantes e 19, respectivamente. O Atlas também aponta que São Paulo se desta "por ser o Estado no qual as taxas de homicídios de negros e de não negros mais se aproximavam (13,5 e 9,1, respectivamente)".
Além da cor da pele, outro fator contribui (e muito) para que uma pessoa seja assassinada no Brasil. A idade. "A vitimização por homicídio de jovens (entre 15 e 29 anos) no país é fenômeno denunciado ao longo das últimas décadas, mas que permanece sem a devida resposta em termos de políticas públicas que efetivamente venham a enfrentar o problema", diz o estudo. No país, 33.590 jovens foram assassinados em 2016, sendo 94,6% do sexo masculino. Esse número representa um aumento de 7,4% em relação ao ano anterior. O dado é péssimo especialmente porque em 2015 houve uma pequena redução ante 2014, de -3,6%.
Com relação à violência nos Estados, onze deles apresentaram crescimento gradativo da violência letal nos últimos 10 anos. Com exceção do Rio Grande do Sul, todos ficam nas regiões Norte e Nordeste do país. Sergipe lidera como o mais violento, com 64,7 homicídios por 100.000 habitantes em 2016, seguido pelo Acre, com 54,2. Para efeito de comparação, São Paulo teve taxa de 10,9. Em números absolutos a Bahia fica em primeiro lugar: foram 7171 homicídios em 2016, mais do que o Rio de Janeiro, que teve 6.053.
Os destaques positivos do Atlas vão para a Paraíba e o Espírito Santo, Estados que "mostraram diminuições gradativas nas taxas de homicídios". Segundo o Estudo, isso se deve ao lançamento, em 2011, dos programas “Paraíba pela Paz” e o “Estado Presente”. "Naquele ano, os dois estados ocupavam, nessa ordem, o lugar de 3ª e 2ª Unidades Federais mais violentas do país. Em 2016, eram o 18º e 19º mais violentos", diz o texto.
Já São Paulo "continua numa trajetória consistente de diminuição das taxas de homicídios, iniciada em 2000, cujas razões ainda hoje não são inteiramente compreendidas pela academia". Dentre os possíveis fatores elencados estão o maior controle sobre armas de fogo, melhoria na organização policial, redução demográfica no número de jovens e até mesmo a ação do Primeiro Comando da Capital, grupo criminoso que teria ajudado a brecar as mortes nas periferias.
A Polícia que mais mata no Brasil é a do Rio de Janeiro. Em 2016, 538 pessoas perderam a vida pelas armas das tropas do Estado, quase o dobro do número registrado no ano anterior (281). No total, 4.222 brasileiros foram mortos pela polícia naquele ano.
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No Brasil, dois países: para negros, assassinatos crescem 23%. Para brancos, caem 6,8% - Instituto Humanitas Unisinos - IHU