05 Abril 2018
Não é que não vão deixar Lula ser presidente. Não vão deixar ninguém ser presidente, ninguém que não convenha, salvo o tucano de plantão - no caso, Geraldo Alckmin.
Não vão deixar nenhum petista ser presidente, não vão deixar Ciro ser presidente, não vão deixar Marina ser presidente, não vão deixar nem Bolsonaro ser presidente.
Alckmin, sim. Como deixariam Doria, como deixariam Huck. Temos agora uma democracia que referende apenas o candidato dos sonhos do Mercado.
*
Como é muito provável que Alckmin seja eleito, ainda vão dizer: olham, estão vendo como não foi golpe, como a democracia funciona a pleno vapor? Foi eleito e está governando!
O que só mostra a complexidade do cinismo à brasileira. E do golpe. Não foi furtado um peão ou uma torre ou um rei. Repintaram o tabuleiro - e as regras.
**
O serviço visivelmente mais sujo estará feito por Michel Temer. Com uma legião pulverizada de outros atores - de ministros sorridentes do STF a ministros esbravejadores do STF.
Tudo para preservar os anéis, os dedos, os latifúndios reais e midiáticos, o rentismo sem limites, a entrega sem pudores de nossos recursos naturais, a financeirização acima de todos os deuses.
Teremos por quatro ou oito anos um Brasil disfarçado de picolé de chuchu. Em verdade, um boi tungão. O mesmo país violento, ácido, promotor de desigualdades, injustiças e exclusões.
(E sim, com muita, muitíssima corrupção.)
***
Enquanto isso, o mesmo sistema - midiático - que encarna essa farra, esses disfarces e esses vetos continuará promovendo a guerra fratricida entre torcidas de candidatos distintos.
Os fãs de Bolsonaro continuarão achando que esse país é para eles - ingênuos.
Os petistas seguirão cultivando a ilusão sebastianista, crentes em um país que foi sem nunca ter sido.
Marinistas, neopedetistas, psolistas, todos se ofendendo, engalfinhando, disputando os centímetros de um tabuleiro paralelo.
*****
Enquanto Jucá e os artífices de fato riem, riem (com supremo prazer, com tudo), acendem seus charutos, gargalham.
Lula e Dilma nomearam oito dos 11 ministros do Supremo.
Que isso sirva pra lembrar onde levou - também no campo do Judiciário - o medo de desagradar a direita.
Dois balões gigantes compõem o cenário, hoje, da Esplanada dos Ministérios, informa Letícia Camargo, perplexa diante das representações do juiz Sergio Moro.
E é isso. O significado dessa devoção não pode ser subestimado. Existe a necessidade de super-heróis e existe a necessidade de representação de super-heróis.
Enquanto isso, no plenário do STF, a ministra Rosa Weber emite seu voto e vira motivo de piadas, porque - diz a internet - ninguém consegue entendê-la.
*
Temos aí a falência de um determinado tipo de discurso (por mais que ela esteja, de fato, sendo confusa) e celebração de outro, mais simplório - para até uma criança de 3 anos entender.
Com o requinte de que o discurso em ascensão (Fellini talvez já tenha percebido tudo isso há uns 60 anos, mas quantos veem Fellini...) depende do primeiro. E aí temos uma farsa.
**
Uma farsa adicional. Todo mundo finge que está levando em conta os argumentos jurídicos quando estamos diante de torcidas enlouquecidas. Só faltam os sinalizadores.
Os mortos nessa briga de torcidas parecem estar por vir. Não haverá simulacro de direito burguês nem "companheiro Gilmar" que dará conta dessa erupção.
Fracassamos, fracassamos, fracassamos. Estudamos mal, nos comunicamos pior ainda e vamos regredindo a uma espécie de balbucio primal - gravado em 77 câmeras.
***
Que venha o "pacto entre derrotados" do qual falava Ernesto Sabato. Fora dele, ao redor dele e acima dele, só consigo ver estilhaços e abismos. Violentos, toscos e kitsch.
Primoroso o esclarecimento de Celso de Mello que desmonta a falácia, avassaladoramente espalhada pelas mídias, de que a proibição de execução de pena de prisão, enquanto subsistir a presunção de inocência, impede a prisão em qualquer caso. Enumerou cinco espécies distintas de prisões cautelares possíveis, desde que fundamentadas de acordo com a lei. Mas esse esclarecimento de interesse público, também feito pelos outros juízes minoritários no caso, vai ficar restrito aos que acompanham a sessão e pouco mais.
Ainda estou processando tudo isso. Mas estas imagens não me saem da cabeça. Com a pergunta: se aqui embaixo tem tanta gente fazendo coisas incríveis, como pode lá em cima ser isto aí? Não sei vocês, mas eu confesso que, mesmo sabendo o que é o poder político no Brasil, ainda me choco com os espetáculos a que assistimos desde 2016. É abissal a distância destas pessoas em relação à população, pessoas sem a menor preocupação com o Brasil real, muitas delas absurdamente desqualificadas. É grotesco demais e não combina com a população brasileira...
Três semanas sem Marielle. Executada, sem a menor preocupação em disfarçar como assalto. Com câmeras pelo trajeto e com presença de testemunhas. Esse silêncio todo me atordoa.
Não é constitucional, não é razoável e não é justo. Para quem preza as liberdades, próprias e alheias, e independente de eventuais diferenças políticas, a hora é de solidariedade.
"Concluído o julgamento, por maioria" a toga prestou continência à farda.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Breves do Facebook - Instituto Humanitas Unisinos - IHU