02 Março 2018
"Ah, se todos nós padres e todos os bispos seguíssemos o exemplo de Pedro! Ah, se todos nós, cristãos e cristãs, discípulos e discípulas de Jesus de Nazaré, chamados e chamadas - na diversidade dos ministérios e carismas - a participar da missão do Bom Pastor no mundo de hoje, seguíssemos também o exemplo de Pedro! Com certeza a nossa Igreja seria bem diferente. Outra Igreja é possível e necessária! A esperança - como diz sempre Pedro - nunca morre. Pedro, somos seus irmãos e irmãs", escreve Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia (UFG).
No dia 16 de fevereiro último, Pedro Casaldáliga - que chegou em São Félix do Araguaia em 1970, vindo da Catalunha, Espanha e é “bispo do povo” desde 1971 - completou 90 anos de vida. Comemorar o aniversário de nascimento de Pedro, significa fazer a memória da vida de um poeta que - com muito realismo e com muita fé - canta as maravilhas de Deus na vida do povo; de um pastor-profeta, pobre e irmão dos pobres, e de um intrépido defensor - enfrentando também a ditadura civil e militar - dos direitos dos povos indígenas. Pedro foi, e continua sendo, um Evangelho vivo e uma luz que brilha no caminho daqueles e daquelas que querem seguir - de maneira cada vez mais radical - Jesus de Nazaré.
Pessoalmente, tive a felicidade de me encontrar diversas vezes com Pedro - em reuniões de pastoral - na década de setenta e na primeira metade da década de oitenta do século passado, quando a Prelazia de São Félix do Araguaia pertencia ao Regional Centro-Oeste da CNBB e eu prestava o serviço de Coordenador da Pastoral - e, mais tarde, também de Vigário Geral - da Arquidiocese de Goiânia. À época, Dom Fernando Gomes dos Santos, arcebispo de Goiânia, sempre manifestou total apoio e irrestrita solidariedade a Pedro, sobretudo nos momentos de maior perseguição, com a constante ameaça de ser expulso do pais. Após esse período, por diversas razões, encontrei-me com Pedro poucas vezes.
Não tendo tido, porém, a oportunidade de conviver mais de perto e mais longamente com Pedro, sempre acompanhei o seu testemunho de vida e seu jeito evangélico de ser pastor-profeta que foram - e continuam sendo para mim - uma referência cativante. É - acredito eu - a força arrebatadora da Palavra de Deus, vivida e testemunhada por Pedro. Ele, na sua simplicidade, nunca usou insígnias episcopais de poder. Pedro é realmente um santo do nosso tempo. Para aqueles e aquelas que, talvez, estranhem essa afirmação, lembro que o Apóstolo Paulo chamava a todos os batizados e batizadas, seguidores e seguidoras de Jesus de “santos/as”, eleitos/as” de Deus.
Só para citar um dos tantos testemunhos que nos edificam sobre a vida de Pedro, o Cardeal Cláudio Hummes, da Comissão Episcopal para a Amazônia, que visitou a Prelazia de São Félix em junho de 2017, revela a emoção do encontro com Pedro. “Pude encontrar o nosso caríssimo e tão amado bispo Dom Pedro Casaldáliga, um homem que marcou e ainda está marcando, com sua história, com sua profecia, a Igreja no Brasil e aquela região. Encontrá-lo era também relembrar toda a história bonita da Igreja nesta região. Com saúde debilitada, Dom Pedro vive em sua comunidade religiosa, assistido por alguns freis, em uma casa (muito simples) na cidade de São Félix”.
Continua Dom Cláudio: “Ele está bastante fragilizado por causa da idade e da doença de que sofre, que, claro, o incapacita na comunicação... Ele tem certa dificuldade de falar, mas acompanha muito bem, está muito lúcido. Para mim foi uma experiência muito emocionante, muito forte, porque há muito tempo eu estava querendo encontrá-lo de novo, porque é claro que ele não consegue mais vir às nossas reuniões e assembleias. Tem sido um homem de referência para nós aqui no Brasil e não só no Brasil, por causa de sua luta na região onde mora e onde ele sofreu muita perseguição, muitas ameaças de morte...; no entanto, ele nunca teve medo. Sempre esteve à frente de seu povo, dando coragem, dando esperança, denunciando. No início teve também muitos problemas com as fazendas enormes aonde havia trabalho escravo. Ele denunciou isso muito fortemente e por isso foi bastante perseguido”.
O Cardeal conclui o seu bonito testemunho dizendo: “Dom Pedro, mesmo com dificuldade para falar, deixou dois recados importantes: uma das palavras que a gente sempre entende quando ele fala, com a voz muito sumida, é ‘esperança’, que não percam a esperança. Ele acompanha, recebe as notícias do que está ocorrendo no Brasil. Também outra palavra que me disse em um certo momento, que era para dizer ao Papa Francisco, que ele está plenamente apoiando o Papa em todo o seu trabalho. A gente via como ele está feliz com o Papa Francisco”
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Diante do testemunho de vida profundamente humano e evangélico de Pedro, é lamentável e, ao mesmo tempo, muito doído, constatar que hoje na Igreja há uma corrente - por sinal muito forte e organizada - de bispos, padres, diáconos, religiosos/as e outros cristãos/ãs que, na contramão daquilo que o Papa Francisco diz e faz, querem voltar a uma Igreja pré-conciliar, com insígnias de poder imperial, feudal e capitalista.
Na minha vida, nunca pensei que - após uma longa e bonita caminhada de renovação da Igreja depois do Concílio Vaticano II e da II Conferência Episcopal Latino-americana e Caribenha de Medellín - voltaria a ver (antes da Páscoa definitiva) bispos morando em palacetes, distantes da vida povo e com a segurança da polícia militar do Estado; seminaristas que - antes ainda de serem diáconos - já usam roupa clerical; padres novos que pelas alfaias que vestem e, sobretudo pela maneira autoritária de agir, fazem questão de serem diferentes do povo; e ainda - pasmem - padres novos que voltam a usar o solidéu e o barrete pretos (roxos só os bispos e vermelhos só os cardeais). Para minha surpresa, contaram-me que estas insígnias são hoje muito procuradas e que sua fabricação está aumentando, cada vez mais. Que vergonha! Tudo isso não tem nada a ver com o Evangelho de Jesus de Nazaré, que nunca usou roupa diferente dos outros. É uma verdadeira idolatria das alfaias (“alfaiolatria”). Além disso, penso que esses padres perderam o senso do ridículo. Estão fazendo o papel - muito mal representado - de atores de um circo de péssima qualidade.
Por exemplo, se convidássemos hoje esses padres para participar de um Seminário sobre os Documentos de Medellín (que neste ano completam 50 anos) ou de um Congresso sobre a História da Teologia da Libertação na América Latina, tenho certeza que ninguém (ou quase ninguém) iria comparecer. Ora, se convidássemos esses mesmos padres para um Encontro sobre o último modelo de casula, tenho certeza que todos (ou quase todos) iriam comparecer. É realmente muito triste!
Voltando ao nosso querido irmão Pedro Casaldáliga, ah, se todos nós padres e todos os bispos seguíssemos o exemplo de Pedro! Ah, se todos nós, cristãos e cristãs, discípulos e discípulas de Jesus de Nazaré, chamados e chamadas - na diversidade dos ministérios e carismas - a participar da missão do Bom Pastor no mundo de hoje, seguíssemos também o exemplo de Pedro! Com certeza a nossa Igreja seria bem diferente. Outra Igreja é possível e necessária! A esperança - como diz sempre Pedro - nunca morre. Pedro, somos seus irmãos e irmãs. Ore por nós!
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Pedro Casaldáliga: pastor-profeta, pobre e irmão dos pobres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU