Por: Lara Ely | Edição: Ricardo Machado | 30 Janeiro 2018
O ciclo de retorno de doenças vetoriais, como a febre amarela, é, certa maneira, algo previsto no ambiente de floresta ou áreas silvestres, circulando majoritariamente entre animais. A questão mais sensível, no entanto, são os mosquitos transmissores da doença entre os humanos. O maior risco, no entanto, não são as doenças em si, mas nossa falta de controle sobre os mosquitos. “Todos nós temos o receio de haver o início da transmissão (de febre amarela) pelo Aedes Aegyptie isso seria rigorosamente uma catástrofe”, pondera o médico, professor e pesquisador Carlos Henrique Nery Costa, em entrevista por telefone à IHU On-Line.
“O Aedes Aegypti é um inseto totalmente fora de controle, nada do que nós fazemos é capaz de interromper a transmissão dessas doenças, seja com a dengue, com o zika vírus, com a febre chikungunya ou mesmo com a febre amarela, que ameaça novamente”, destaca. Nesse cenário, a vacinação continua sendo a medida mais eficaz de controle de uma epidemia. “Embora haja uma limitação para a produção de vacinas para populações muito densas, como a do Sudeste do Brasil, essa ideia de fracionar a dose é bastante segura, mas não sabemos o quanto a seguridade vai perdurar”, analisa.
Contudo, nosso maior dilema, em termos de saúde coletiva e controle epidemiológico, continua sendo a multiplicação de insetos transmissores desses vírus. “O calcanhar de aquiles que a ciência tem é não ter oferecido um método de controle desse inseto, apesar dos diversos esforços. Nós perdemos a batalha para o Aedes Aegypti”, complementa.
Carlos Henrique Nery Costa | Foto: FM Imperial
Carlos Henrique Nery Costa é médico, formado pela Universidade de Brasília – UnB, mestre em Medicina Tropical e doutor em Saúde Pública Tropical pela Harvard University. É professor da Universidade Federal do Piauí, médico do Instituto de Medicina Tropical Natan Portella, e Presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.
IHU On-Line – O que explica o aumento de casos de febre amarela no Brasil nos últimos anos, especialmente nas áreas urbanas?
Carlos Henrique Nery Costa – A presença urbana da febre amarela é mediada por mosquitos que são os vetores de contaminação. A doença, porém, ainda é eminentemente silvestre, obedece a um ciclo exótico, circulando, principalmente, entre animais. Então esses surtos ocorrem, periodicamente, por razões ecológicas e eventualmente podem acometer pessoas em contato com a floresta ou área silvestre onde os casos estão ocorrendo. Agora, por que isso tudo está ocorrendo nas áreas do Sudeste, como o Rio de Janeiro, nós ainda não sabemos. Se a origem é a falta de investimento pluvial ou relações ecológicas mais complexas, ainda não sabemos e é uma questão de muito debate.
IHU On-Line – Qual seria a gravidade dos atuais episódios de surto de febre amarela?
Carlos Henrique Nery Costa – Todos nós temos o receio de haver o início da transmissão pelo Aedes Aegypti e isso seria rigorosamente uma catástrofe. O Aedes Aegypti é um inseto totalmente fora de controle, nada do que nós fazemos é capaz de interromper a transmissão dessas doenças, seja com a dengue, com o zika vírus, com a febre chikungunya ou mesmo com a febre amarela, que ameaça novamente. Felizmente, também por razões que não compreendemos, não há casos de transmissão pelo Aedes Aegypti há décadas. A última vez que foi registrado foi em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia.
IHU On-Line – Qual o risco do surto de febre amarela se transformar em epidemia?
Carlos Henrique Nery Costa – Na verdade, o surpreendente é não ter se transformado ainda. Uma hipótese que eventualmente tem sido explorada é uma espécie de imunização do vírus da febre amarela em contato com outros vírus, como o da dengue, nos hospedeiros. É uma possibilidade ainda não demonstrada de que as populações urbanas estejam protegidas por experiências estéreis com dengue. Isso, reitero, não é uma explicação aceita e consolidada, apenas uma hipótese.
Por isso a surpresa é não ter se tornado epidemia, porque tem tudo para ser epidemia, porque tem todo dia pessoas indo e vindo da floresta. Trata-se de uma doença epidêmica, qualquer mosquito transmissor pode pegar o vírus e passar para outras pessoas.
IHU On-Line – Tem havido dificuldade para fazer o diagnóstico dos casos?
Carlos Henrique Nery Costa – Não. O diagnóstico é um protocolo feito por uma série de institutos de referência, dentre eles a Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz e o Instituto Evandro Chagas, que têm dinâmicas próprias de análises. O problema é que a sorologia pode ser confundida com a da dengue, por isso não devem ser feitos estes testes mais rápidos, mais convencionais. Por isso a necessidade de se abrirem protocolos para verificar se realmente é febre amarela, mas isso pode levar alguns dias.
IHU On-Line – Como os órgãos de saúde têm agido, no Brasil, em relação aos casos de febre amarela?
Carlos Henrique Nery Costa – A medida mais eficaz para o controle é a vacinação, uma das ações mais eficientes que existe. Embora haja uma limitação para a produção de vacinas para populações muito densas, como a do Sudeste do Brasil, essa ideia de fracionar a dose é bastante segura, mas não sabemos o quanto a seguridade vai perdurar. Em uma situação emergencial, as declarações do Ministério da Saúde, de que o problema é a dificuldade de controle do Aedes Aegypti, estão corretas. O calcanhar de aquiles que a ciência tem é não ter oferecido um método de controle desse inseto, apesar dos diversos esforços. Nós perdemos a batalha para o Aedes Aegypti.
IHU On-Line – Quais têm sido os desafios para manter as doenças vetoriais sob controle?
Carlos Henrique Nery Costa – O que tem vacina dá para manter sob controle. O que não tem vacina, como chikungunya, vai passar pelo controle. Dengue tem uma vacina de eficácia muito limitada, cujos resultados não foram aquilo que se esperava, então o problema do Aedes, que é o grande desafio, permanece. Isso não é mais um problema somente dos países tropicais, pois o mosquito está se expandindo para outras regiões, devido aos eventos climáticos extremos causados pelo aquecimento global. O mosquito ameaça invadir a Europa, já está no Sul dos Estados Unidos e na Ásia. Se esse aquecimento global está alterando o comportamento do hospedeiro nas regiões de mata, ainda é uma questão em aberto.
IHU On-Line – Que projeção poderia ser feita sobre a questão das doenças vetoriais?
Carlos Henrique Nery Costa – O que nós temos que fazer, por enquanto, é vacinar para controlar algumas crises e a população mais vulnerável, as pessoas mais expostas, e esperar que epizootia acabe, mas para isso não tem previsibilidade nenhuma, pois se trata de um fenômeno totalmente silvestre sem capacidade de controle dos insetos transmissores e das populações de animais que habitam a copa das árvores.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Carlos Henrique Nery Costa – Nós temos que, realmente, investir pesado em termos científicos no controle do Aedes Aegypti. Nossa capacidade de resposta a casos emergentes é razoável, como fizemos no caso do zika vírus, mas é preciso muito mais, porque a febre amarela não é a última epidemia, assim como o zika nem o chikungunya não foram as últimas doenças de emergência. O Brasil continua, também por estar nos trópicos, muito vulnerável à emergência de novas doenças tropicais.
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Na batalha contra o Aedes Aegypti, o Brasil sai derrotado. Entrevista especial com Carlos Henrique Nery Costa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU