15 Dezembro 2017
O Brasil enfrenta hoje os desafios de aumentar sua produção agrícola e, ao mesmo tempo, preservar sua biodiversidade e diminuir as emissões de gases de efeito estufa tanto no setor agropecuário quanto no industrial e no de transportes, a fim de diminuir os impactos das mudanças climáticas globais. Para tanto, será preciso investir em medidas de adaptação, mitigação e inovação, além de políticas públicas adequadas.
A reportagem é de Elton Alisson, publicada por Agência FAPESP, 14-12-2017.
A avaliação foi feita por pesquisadores participantes de evento sobre os impactos das mudanças climáticas globais realizado na segunda-feira (11/12) pela FAPESP e o Instituto do Legislativo Paulista (ILP) na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), o terceiro do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação.
“A FAPESP investe bastante em pesquisa e inovação nessas áreas [agrícola, biodiversidade e mudanças climáticas], mas sem políticas públicas em escalas federal, estadual e municipal, não será possível ao Brasil fazer grandes avanços no enfrentamento das mudanças climáticas globais”, disse Gilberto Câmara Neto, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
O pesquisador ressaltou que o Brasil é reconhecido hoje como uma das lideranças científicas mundiais em áreas como agricultura tropical, monitoramento ambiental e bioenergia. A capacidade científica e tecnológica do país na área de bioenergia, contudo, tem sido subutilizada para que o setor de transporte, por exemplo, possa diminuir suas emissões de dióxido de carbono (CO2), avaliou.
Os estímulos à produção de etanol, que em 2009 chegou a representar 18% da energia renovável produzida no país, vêm caindo nos últimos anos em razão da aposta do Brasil na exploração do petróleo da camada do pré-sal.
Com a aposta no pré-sal, os estímulos à produção de combustíveis renováveis no Brasil – que são essencialmente ligados aos biocombustíveis e, mais especificamente, ao etanol da cana-de-açúcar – foram abandonados.
A consequência disso foi que os biocombustíveis brasileiros estão, cada vez mais, deixando de ser vistos, em nível mundial, como alternativas para redução de emissões de gases de efeito estufa pelo setor de transporte e países como a China, por exemplo, tem decidido optar pelo carro elétrico, avaliou o pesquisador.
“A política brasileira de abandonar os biocombustíveis em favor do pré-sal tem um imenso potencial negativo não só para o Estado de São Paulo, que investiu na produção de etanol, mas também para o país em longo prazo”, disse Câmara.
“No Acordo de Paris, o Brasil não prometeu que irá usar sua única vantagem competitiva no setor energético por conta da miragem do pré-sal. Isso compromete o investimento do país em energia e pode fazer com que se chegue ao pior dos mundos, que é ver seu investimento em bioenergia tornar-se irrelevante no mundo do carro elétrico”, afirmou.
As metas de redução das emissões de gases de efeito estufa apresentadas pelo Brasil para o acordo climático de Paris, firmado em dezembro de 2015, por exemplo, foram bastante conservadoras em relação ao aumento da participação dos biocombustíveis na matriz energética brasileira, apontou Câmara.
A fim de reduzir em 37% suas emissões até 2025, tendo como ponto de partida as emissões em 2005, o país se comprometeu, entre outras ações, a aumentar a participação dos biocombustíveis para 18% em sua matriz energética e para 45% a das energias renováveis – números que o país já havia atingido no passado.
O Brasil estabeleceu metas bem definidas para reduzir as emissões do setor agropecuário por meio, por exemplo, do combate ao desmatamento ilegal na Amazônia e da restauração de 12 milhões de hectares de florestas. Mas, para o setor de transporte, as metas são bastante vagas, como a de “promover medidas de eficiência e melhoria de infraestrutura no transporte público e áreas urbanas”, apontou Câmara.
“O Brasil quis fazer mais do mesmo no Acordo do Paris: combater o desmatamento e estimular o aumento da produtividade na agricultura. Mas naquilo que realmente ‘pega’ para a grande maioria dos brasileiros, que são as áreas urbanas, não prometeu nada”, avaliou o pesquisador.
De acordo com Câmara, em 2030 aproximadamente 80% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil terão origem nos setores de energia, indústria e resíduos, e as emissões pelo desmatamento da Amazônia e pelo setor agropecuário – que eram os grandes vilões nos anos 2000 – passarão a ser marginais.
Um dos fatores que têm contribuído para o setor agropecuário deixar de ser o vilão das emissões brasileiras de gases de efeito estufa foi o aumento da produtividade por meio da intensificação da produção, o que possibilitou reduzir o desmatamento, salientou Eduardo Assad, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Na agricultura, o país produz hoje em um hectare de soja a mesma quantidade que produzia há alguns anos em uma área 10 vezes maior. Já na pecuária, a ocupação de bois por hectare saltou de 0,4 animal para mais de um nos últimos anos, exemplificou.
“Isso representa um avanço extraordinário em um país que tem 170 milhões de hectares de pasto e é o que chamamos de ‘poupa terra’, ou seja, um investimento em aumento da produtividade que evita o desmatamento”, disse Assad.
As emissões de metano pela fermentação entérica de bois – que representa a principal fonte de emissão do setor agropecuário – também têm diminuído com a recuperação de pastos degradados, apontou o pesquisador.
Em um pasto degradado – que representa 40 milhões do total de 170 milhões de hectares de pastos no Brasil – o boi emite 32 quilos de CO2 por quilo de peso ganho. Em pastos recuperados essa emissão cai para 3,2 quilos de CO2 por quilo obtido, comparou Assad.
Num mercado que exige rastreabilidade, um boi criado em pasto degradado, que emite 32 quilos de CO2 emitido para cada quilo de peso ganho e ainda demora cinco anos para ser abatido, não é vendido em nenhum lugar do mundo. Já o boi, com 3,2 quilos de CO2 por quilo obtido, abatido com 20 meses, desperta interesse de qualquer comprador, afirmou.
“Isso já é uma realidade no Brasil hoje. A gente consegue reduzir as emissões por meio da diminuição do tempo do abate e melhoria do pasto”, disse (Leia mais sobre esse assunto)
Ao mesmo tempo em que tenta cumprir uma agenda sustentável, o setor agrícola brasileiro já tem sentido o impacto das mudanças climáticas e pode ser ainda mais afetado no futuro, ponderou o pesquisador.
O aumento na frequência de dias com temperatura maior do que 34 ºC no Brasil, observado nos últimos anos, tem afetado culturas como a de café, laranja e feijão no Estado de São Paulo.
Desde 1990, quando começou a ser observado um aumento das ondas de calor em São Paulo, foram perdidos 250 mil hectares destinados à produção de café no estado. “O café tem subido o morro e buscado áreas mais frias”, disse.
As ondas de calor também tem causado a morte de frangos, o abortamento de porcas e a redução da produção de leite e ameaçado culturas, como a soja e o milho produzido depois da safra da soja.
“Se continuar como está ocorrendo hoje, com temperaturas elevadas e aumento da evapotranspiração das plantas, não teremos mais dupla safra no Brasil”, avaliou.
Já nas regiões urbanas do país, o aumento da frequência de tempestades tem causado enchentes em estados como Minas Gerais e Bahia e o aumento do número de mortes, disse José Marengo, coordenador-geral do departamento de pesquisa e desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Segundo ele, a maior concentração de desastres naturais no Brasil está justamente em áreas com densidade populacional maior, como as regiões Sudeste e Nordeste.
“Os desastres naturais que têm acontecido nessas regiões são consequência tanto do aumento da frequência de chuvas intensas, que tem sido observado nas últimas décadas, como também do aumento da exposição e da vulnerabilidade da população”, avaliou.
Ante o aumento da frequência desses eventos climáticos extremos é preciso implementar medidas de adaptação, apontou o pesquisador. “A ciência pode ajudar com o estudo de medidas de adaptação. Mas são os governos que têm que defini-las e implementá-las”, apontou.
Resultado de uma parceria entre o ILP da Alesp e a FAPESP, o objetivo do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação é divulgar estudos de relevante impacto social e econômico realizados por pesquisadores do Estado de São Paulo e que possam dar origem a políticas públicas que beneficiem a sociedade.
“O objetivo de aproximarmos a FAPESP do Legislativo paulista e trazer esses assuntos, como de mudanças climáticas, para dentro da Assembleia Legislativa, é dar ideias e sugestões para os deputados e suas assessorias sobre temas que eventualmente possam merecer uma iniciativa legislativa ou uma preocupação com relação, inclusive, ao acompanhamento das ações do Executivo”, disse Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) da FAPESP.
Durante o evento, o deputado Davi Zaia (PPS), vice-presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informação da Alesp, anunciou que uma das primeiras ações da comissão em 2018 será fazer um balanço da aplicação da lei número 13.798, que instituiu a política estadual de mudanças climáticas de São Paulo.
A política estadual, promulgada em novembro de 2009, estabeleceu a meta de diminuir em 20% as emissões de gases de efeito estufa até 2020 em comparação com 2005.
“Nossa ideia é convidar representantes da Secretaria Estadual de Meio Ambiente para fazermos um balanço da aplicação da lei e chegar a 2020 tendo cumprido os objetivos estabelecidos”, disse Zaia.
O deputado Orlando Bolçone (PSB), presidente da comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informação da Alesp, encerrou o evento. “São Paulo necessariamente passa por ciência, tecnologia e inovação, mas com um respeito quase religioso à questão ambiental. A FAPESP é um exemplo para o Brasil e espero que o próximo governo possa disseminar o exemplo dela para todo o país”, disse Bolçone.
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Medidas de adaptação, mitigação e inovação para o enfrentamento das mudanças climáticas dependerá de ciência e políticas públicas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU