09 Novembro 2017
"Subestimar os conhecimentos tradicionais que se perpetuam por gerações é um ato de ignorância que tem se repetido por décadas", escreve Sucena Shkrada Resk, jornalista, especialista em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional pela FESPSP e autora do Blog Cidadãos do Mundo, em artigo publicado por EcoDebate, 08-11-2017.
Subestimar os conhecimentos tradicionais que se perpetuam por gerações é um ato de ignorância que tem se repetido por décadas. No contexto das mudanças climáticas, essa constatação se torna mais evidente, pois a vivência dos povos indígenas e suas relações cosmológicas ancestrais são experiências que dialogam de forma concreta com a Ciência e trazem aprendizados a um campo político e econômico controverso, cujos interesses conflitam com o que a sabedoria e a razão científica expõem. Por meio das analogias e inferências, da relação entre o comportamento das estrelas e constelações ou das aves com o uso da terra e o ecossistema, os efeitos das ações antrópicas emergem nesta transcendência cadenciada.
Em tempos de Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-23), que acontece em Bonn, na Alemanha, entre 6 e 17 de novembro, abrir a escuta, sem ranços, para esses olhares transversais pode dar mais respostas para a inovação de paradigmas de desenvolvimento em um palco político antagônico, que tem impedido reais avanços localmente e de forma global e podem emperrar acordos já firmados, desde a COP-21, em Paris. Um desenvolvimento ainda calcado em um mundo tratado como mercadoria.
O vídeo-documentário “Vozes Indígenas Num Clima em Mudança”, produzido pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), traz uma escuta interessante de diferentes representantes de etnias sobre o tema. O sensível documentário “Para onde foram as Andorinhas?”, do Instituto Socioambiental e Instituto Catitu, é outro canal de comunicação audiovisual que possibilita reflexões, como também a publicação “Mudanças Climáticas e a Percepção Indígena”, da Operação Amazônia Nativa (OPAN). As falas de todos os indígenas, da Amazônia ao Xingu, entoam um grito de alerta sobre a relação conflitante do homem branco com a terra, as águas, ou seja, com todo o planeta Terra (Pachamama).
Esses povos têm diferenças culturais, que traduzem suas histórias e identidades, entretanto, não impõem fronteiras em seus discursos ao tratar do “bem-viver”, do respeito entre os mundos material e imaterial, e reverberam o propósito de bem coletivo aos parentes, aos povos tradicionais e à toda sociedade. São Baniwa, Guajajara, Idioriê, Kayabi, Krenak, Manoki, Mehinako, Munduruku, Wará, Xavante, entre outros.
Com a lente de aumento sobre todo o país, trata-se de um universo de 305 etnias e de pelo menos, 896,9 mil indígenas, de acordo com o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010. Hoje também existe o Comitê Indígena de Mudanças Climáticas, com representantes das cinco regiões do país. Um espaço de incidência política que merece mais reverberação.
Em outubro, ao ouvir a narrativa da liderança indígena André Baniwa, da Amazônia, em evento do Observatório do Clima (OC), realizado em São Paulo, sobre os dados mais recentes do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), essa gama de significativas leituras foi reforçada.
Por meio da construção de uma cartografia que tem a contribuição estratégica dos mais idosos nas aldeias, com o subsídio de calendários do uso da terra indígenas, que usam elementos de sinalização como os animais, os processos de mudanças em duas décadas reportam a um estado de apreensão. Esses dados resultam, segundo ele, na reação atual do seu povo para buscar caminhos para a sustentabilidade e bem-viver em seus territórios. Para isso, há reuniões coletivas para discutir o assunto.
“…O calendário indígena de cada povo Baniwa (de acordo com o território que vivem) é diferente. Acompanha estrelas e constelações, cada período da fase importante para a agricultura, para a pesca. Algum sinal de passarinho, andorinha antes da pesca, por exemplo, significa fartura de peixe. Hoje não existe mais este movimento, são sinais práticos…O tucunaré diminuiu de tamanho nos últimos 20 anos”.
Segundo ele, as piracemas não existem mais de forma organizada… “Agora tem muita chuva no Rio Negro e não tem peixe. Observamos, desde 2002, esse processo de cheias frequentes. Cobriram pedras antigas (lugares sagrados), que temos sobre o entendimento do mundo…”.
Nesse diálogo entre a Terra e o mundo espiritual, André sinaliza que a natureza está dando alertas. “…Atualmente há trovejadas constantes na região das aldeias, o que não ocorria. Estamos procurando entender o que isso significa. Isso nos preocupa, porque (no campo das relações sociais e políticas) nossos direitos estão sendo ameaçados e é consequência de decisões políticas, nos grandes centros do mundo…Se não houver mudança de atitude…”, deixa este alerta.
O indígena já havia levado a sua mensagem ao Espaço do Clima da Sociedade Civil, na COP-21, ao lado de outros parentes, sobre a questão climática, em evento realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA), quando destacou: “Os xamãs do povo Baniwa dizem que esse mundo vai parar daqui a algum tempo e não haverá sinal de vida. Será um período silencioso, na nossa previsão…”.
André ainda destaca o importante trabalho de pesquisa que está sendo realizado por outros parentes, como os Tukano e de outras etnias. Uma amostra dessa interação dos povos indígenas com o processo das mudanças climáticas é o levantamento Ciclos Anuais dos Povos Indígenas do Rio Tiquié, com apoio do ISA.
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As mudanças climáticas sob o olhar indígena - Instituto Humanitas Unisinos - IHU