14 Novembro 2017
“O sistema da dívida pública do modo como funciona no capitalismo constitui um mecanismo permanente de transferência de riquezas produzidas pelo povo para a classe capitalista. Este mecanismo foi reforçado com a crise iniciada em 2008. As perdas e as dívidas dos bancos privados foram transformadas em dívida pública”, escreve o cientista político Eric Toussaint, porta-voz internacional do Comitê pela Abolição das Dívidas Ilegítimas, em artigo publicado por El Salto, 11-11-2017. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Nos séculos XI-XIV, os banqueiros venezianos financiavam as cruzadas e emprestavam dinheiro aos poderosos da Europa, mas de uma maneira mais hábil que a Ordem dos Templários. Em Veneza, apoderaram-se da cabeça do Estado, dando-lhe a forma de república. Financiaram a transformação de Veneza, cidade-Estado, em um verdadeiro império que compreendia Chipre, Eubeia (Negroponte) e Creta. Adotaram uma estratégia imparável para enriquecer e garantir o reembolso de seus créditos: eles endividaram o Estado veneziano com seus próprios bancos. Eles próprios definiram os termos dos empréstimos, já que eram proprietários dos bancos e dirigentes do país. O Estado veneziano devolveu até a última moeda daquela dívida.
Por outro lado, estes banqueiros tiveram a ideia de criar títulos da dívida pública que podiam circular de um banco ao outro. Os mercados financeiros começaram a se colocar em pé. Este tipo de empréstimo é o precursor do sistema de endividamento dos países do modo como se conhece hoje. Sete séculos mais tarde, os banqueiros da Europa, assim como seus predecessores venezianos e genoveses, não têm razão para sentir inquietos diante dos governos atuais.
Os Estados atuais, e o proto-estado da União Europeia, são talvez mais complexos e sofisticados que as repúblicas de Veneza (e de Gênova) dos séculos XIII ao XVI, mas são com igual crueldade os órgãos de exercício do poder da classe dominante, o 1% oposto ao 99%. Mario Draghi, antigo responsável pelo Goldman Sachs, na Europa, dirige o Banco Central Europeu. Os banqueiros privados colocaram seus representantes ou seus aliados em postos estratégicos nos governos e nas administrações.
De um ponto de vista histórico, o New Deal iniciado pelo presidente F. Roosevelt, em 1933, e os trinta anos que seguiram à Segunda Guerra Mundial aparecem como um parêntese durante o qual a classe dominante precisou fazer concessões, certamente limitadas, mas reais, às classes populares. Os grandes patrões tiveram que dissimular um pouco seu domínio sobre o Estado. Com a guinada neoliberal empreendida em fins dos anos 1970, abandonaram a discrição. Os anos 1980 colocam em primeiro plano uma classe dominante completamente desinibida, que assume e proclama com cinismo a corrida pelo lucro e a exploração generalizada dos povos e a natureza. Como afirmava o bilionário americano Warren Buffett, “claro que existe uma guerra de classes, e é a minha classe que está vencendo”.
O sistema da dívida pública do modo como funciona no capitalismo constitui um mecanismo permanente de transferência de riquezas produzidas pelo povo para a classe capitalista. Este mecanismo foi reforçado com a crise iniciada em 2008. As perdas e as dívidas dos bancos privados foram transformadas em dívida pública.
O ofício do banco é muito sério para o deixar nas mãos do setor privado. É necessário socializar o setor bancário, o que implica em expropriá-lo e colocá-lo sob o controle cidadão. Deve estar submetido às regras de um serviço público e seus lucros utilizados para o bem comum.
A dívida pública contraída para salvar os bancos, que em sua maioria está nas mãos desses mesmos mercados, é definitivamente ilegítima e deve ser repudiada. Uma auditoria deve determinar as demais dívidas ilegítimas e/ou ilegais e permitir uma mobilização que possa dar forma a uma alternativa anticapitalista.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Banco, o ofício mais poderoso da Europa. Artigo de Eric Toussaint - Instituto Humanitas Unisinos - IHU