12 Novembro 2017
No cenário atual, "caracterizado por um clima instável de conflitualidade", em que uma incansável corrida armamentista tira recursos de questões fundamentais como a luta contra a pobreza, a ecologia e os direitos humanos, o Papa Francisco voltou a levantar a voz para afirmar que "as relações internacionais não podem ser dominadas pela força militar, pelas intimidações, pela ostentação de arsenais bélicos". Ele fez isso em um congresso vaticano sobre "perspectivas para um mundo livre de armas nucleares e para o desarmamento integral".
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por Vatican Insider, 10-11-2017. A tradução é de André Langer.
Se no mundo sopram novamente (com a crise entre Washington e Pyongyang) ventos de um conflito com armas nucleares, Jorge Mario Bergoglio condenou com veemência "a ameaça de seu uso, além da sua própria posse", que serve a uma lógica “do medo que não tem a ver apenas com as partes em conflito, mas com todo o gênero humano”. O Papa, pedindo para ouvir a "voz profética" das pessoas que sobreviveram em Hiroshima e Nagasaki, afirmou que o desarmamento é uma utopia que pode ser realizada, apesar da "crítica daqueles que consideram idealistas os processos para o desmantelamento dos arsenais".
"Vocês vieram a este Simpósio para debater argumentos cruciais, tanto em si mesmos, como levando em consideração a complexidade dos desafios políticos do atual cenário internacional, caracterizado por um clima instável de conflitualidade", disse o Papa no início do seu discurso no congresso organizado pelo novo dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, dirigido pelo cardeal Turkson. “Um pessimismo sombrio poderia nos levar a considerar que as ‘perspectivas para um mundo livre de armas nucleares e para um desarmamento integral’, como diz o título do encontro de vocês, parecem cada vez mais remotas”.
De acordo com o Papa, é um fato comprovado que "a espiral da corrida armamentista não conhece descanso e que os custos para a modernização e o desenvolvimento de armas, não apenas nucleares, representam uma despesa considerável para as nações, a ponto de ter que colocar em segundo plano as verdadeiras prioridades da humanidade sofredora: a luta contra a pobreza, a promoção da paz, a realização de projetos educacionais, ecológicos e de saúde e o desenvolvimento dos direitos humanos".
"Não podemos evitar experimentar um forte sentimento de inquietação se considerarmos as catastróficas consequências humanitárias e ambientais que derivam de qualquer uso de artefatos nucleares", prosseguiu o Papa. “Portanto, mesmo considerando o risco de uma detonação acidental de tais armas por um erro de qualquer tipo, devemos condenar com firmeza a ameaça do seu uso, além da sua própria posse, precisamente porque sua existência é funcional a uma lógica do medo que não tem a ver apenas com as partes em conflito, mas com todo o gênero humano”.
"As relações internacionais não podem ser dominadas pela força militar, pelas intimidações recíprocas, pela ostentação de arsenais bélicos. As armas de destruição em massa, em particular as armas atômicas, criam uma sensação enganosa de segurança e não podem constituir a base da convivência pacífica entre os membros da família humana, que, em vez disso, deveria inspirar-se em uma ética da solidariedade”.
É "insubstituível", enfatizou Francisco, “o testemunho dos Hibakusha, isto é, das pessoas atingidas pelas explosões de Hiroshima e Nagasaki, bem como das outras vítimas de experiências de armas nucleares: que sua voz, voz profética, seja uma advertência sobretudo para as novas gerações!”
Uma sociedade que parece "aturdida" diante do desvio de uma ciência que deveria estar a serviço da humanidade, a difusão telemática das tecnologias nucleares e o aumento dos países que possuem um arsenal nuclear prefiguram "cenários angustiantes", disse Jorge Mario Bergoglio. Mas verifica-se, observou, também um "realismo saudável" que "nunca para de acender em nosso mundo as luzes da esperança", como aconteceu, por exemplo, com a "histórica votação na sede da ONU". Esta votação estabeleceu que "as armas nucleares não são apenas imorais, mas também devem ser consideradas um instrumento ilegítimo de guerra", uma iniciativa que "preencheu um vazio jurídico importante". Isso é muito mais significativo ainda porque foi alcançado graças a "uma ‘iniciativa humanitária’ promovida pela aliança válida entre sociedade civil, Estados, organizações internacionais, Igrejas, academias e grupos de especialistas”. O Papa agradeceu, a este respeito, aos prêmios Nobel que estavam presentes e que lhe entregaram uma declaração comum sobre o desarmamento.
Jorge Mario Bergoglio recordou o magistério, em particular, de Paulo VI, com o "memorável e muito atual" documento da encíclica Populorum Progressio, e de João XXIII, que na Pacem in Terris escreveu, lembrou o Papa, que para parar os armamentos com objetivos bélicos, “sua efetiva redução e, com maior razão, sua eliminação, são impossíveis, ou quase impossíveis, se, ao mesmo tempo, não se procede a um desarmamento total; isto é, se não se desarma também os espíritos, agindo sinceramente para dissolver, neles, a psicose bélica".
De acordo com o Papa Francisco, é preciso, “antes de mais nada, rejeitar a cultura do descarte e cuidar das pessoas e dos povos que sofrem as desigualdades mais dolorosas, através de uma obra que saiba privilegiar com paciência os processos de solidariedade em relação ao egoísmo dos interesses contingentes. Ao mesmo tempo, trata-se de integrar a dimensão individual e a dimensão social através da implantação do princípio da subsidiariedade, favorecendo a contribuição de todos como indivíduos e como grupos. É necessário, enfim, promover o humano na sua unidade indivisível de alma e corpo, de contemplação e ação. É por esta razão que um progresso efetivo e inclusivo pode tornar possível – destacou o Papa – a utopia de um mundo sem instrumentos letais de ofensa, apesar da crítica daqueles que consideram idealistas os processos para o desmantelamento dos arsenais".
Ao fazer a abertura, hoje [sexta-feira, 10 de novembro], do congresso no Vaticano, o cardeal secretário de Estado, Pietro Parolin, sublinhou, por sua vez, que "as armas nucleares não podem ser a solução para o problema da segurança" e recordou "as consequências humanitárias catastróficas que se seguem ao uso de qualquer arma nuclear, com efeitos difíceis de acreditar tanto no espaço como no tempo". Parolin também insistiu no seguinte ponto: em um mundo em que "muitos milhões de pessoas sofrem de fome", a corrida armamentista reduz os recursos que poderiam ser usados “para a paz e o desenvolvimento humano integral, para combater a pobreza e atingir os objetivos da Agenda 2030 sobre o desenvolvimento sustentável”. A proibição da ONU, recordou o cardeal, não deve ser apenas um documento assinado, mas um tratado que deve ser profundamente compreendido para que possa ser colocado em prática na sua totalidade.
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Papa Francisco. "As relações internacionais não podem ser dominadas pelas armas nucleares" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU