09 Novembro 2017
No dia seguinte às eleições, adverti um amigo psicoterapeuta de Washington para se preparar para uma onda de pacientes com ansiedade, a maioria democratas cujas vidas giram em torno de quem administra o governo na cidade.
O comentário é de Lewis Wolfson, professor aposentado de comunicação, foi editor de notícias em Washington e há tempos atua como analista da presidência, do Congresso e da imprensa nos Estados Unidos, publicado por National Catholic Reporter, 08-11-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Os consultórios foram inundados. Eu inclusive sugeri terapia política para ajudar pessoas nervosas a terem, na Casa Branca, uma das maiores figuras de todos os tempos.
No momento em que se aproxima o aniversário da eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, a equipe do National Catholic Reporter se perguntou sobre se continuavam urgentes os chamados à ação feitos imediatamente após a eleição. Identificamos várias questões importantes a explorar e pedir para os nossos repórteres entrevistar figuras-chave sobre o que de importante aconteceu desde 08-11-2016. A série completa pode ser encontrada aqui. [1]
O presidente Donald Trump teve efeitos psicológicos e políticos devastadores sobre o país.
Ele brincou com a raiva contra Washington, com os temores do centro do país, segundo os quais esta região estaria abandonada economicamente, e brincou com a infelicidade das transformações sociais a fim de desencadear o esteio nacionalista, nativista e protecionista na política, coisa que não víamos desde o macarthismo.
Os apoiadores esperavam um “resolvedor” de problemas formado em empresas e um drenador dos pântanos. Porém, o que tiveram foi um presidente a criar um pântano ainda maior: um autocrata, narcisista, alguém que domina a arte de desviar as críticas, que demoniza os que o rejeitam e cujas mentiras são constantes.
Muitos temem que Trump seja um fracasso presidencial devastador. O livro “One Nation After Trump” fala sobre os efeitos do trumpismo e de como podemos responder a este teste da democracia americana.
One Nation After Trump: A Guide for the Perplexed,
the Disillusioned, the Desperate and the not-yet Deported
[Uma nação após Trump: um guia para os perplexos,
desiludidos, desesperados e ainda não deportados,
em tradução livre]
De E.J. Dionne, Jr., Norman J. Ornstein e Thomas E. Mann
352 páginas; St. Martin’s Press; 2017
Temos, como escrevem os autores, um presidente que levanta dúvidas sobre o seu compromisso com as “normas da democracia”, que se interessa menos nos trabalhos de governo ou no conteúdo da política, e que faz surgir “profundas dúvidas” sobre a sua competência e “capacidade de assumir o ofício político mais desafiador do mundo”.
O que fazer com um presidente que carece “até mesmo de conhecimento elementar ou curiosidade intelectual sobre política”, que muda constantemente suas posturas e pensa pouco sobre as consequências de suas decisões? Ele e um Congresso republicano voltados a quebrar agências federais estão destruindo programas fundamentais para muitos americanos.
Trump não era o candidato manchuriano, mas, destacam os autores, ajudou uma potência estrangeira – a Rússia – a se intrometer em nossa eleição. Realmente, Trump poderá acabar saindo do governo se perguntas convincentes forem levantadas sobre a forma como ele chegou ao poder, antes de tudo.
Mas há esperanças por uma mudança, dizem os escritores.
A nossa democracia, sustentam eles, fornece ferramentas para combater o trumpismo e reformar o governo. O que o país precisa é de um revigorar arrebatador da democracia americana como o New Deal ou a Great Society. [2]
Tudo começaria com as reformas eleitorais. Precisamos terminar com o poder dos “gatos gordos” que usam somas obscenas de dinheiro para tentar controlar o governo e forçar, mais do que uns poucos membros do Congresso, a passarem mais tempo bebendo junto deles do que avaliando leis e projetos. Precisamos ouvir a voz dos pequenos doadores e, eu diria, ressuscitar o financiamento público de campanha, coisa sobre o que se falou seriamente após o caso Watergate.
Embora uma emenda constitucional para reformar o colégio eleitoral seja uma aposta longe de se realizar, precisamos impedir que a prática do voto por pessoa se torne uma piada, como aconteceu em 2016, quando a vitória de Hillary Clinton, com 4.2 milhões de eleitores a mais na Califórnia, nada significou, já que Trump extraiu um total de 78 mil a mais na Pensilvânia, no Michigan e em Wisconsin, o que o permitiu vencer no pleito eleitoral. Mais uma corrida presidencial onde o voto popular é irrelevante, e poderemos ter uma nova Revolução Americana em nossas mãos.
Os autores também se opõem aos esforços para barrar certos grupos de pessoas de votarem e promoverem votações antecipadas, estendendo o horário de votação e fazendo do dia da eleição um feriado.
Eles buscam garantir que o crescimento econômico beneficie uma maioria dos americanos, tornando o governo e as empresas parceiras plenas. Uma carta para as famílias trabalhadoras americanas evitaria com que as pessoas fossem deixadas para trás, e as empresas teriam de fazer mais do que apenas deixar os seus acionistas felizes, mostrando um sentido de “responsabilidade social” para com os funcionários e todos os demais. O governo investiria num tipo de programa para os trabalhadores americanos aos moldes da legislação pós-Segunda Guerra Mundial, que ajudou a formar uma geração. Ele colocaria os americanos a trabalharem em infraestrutura e outros projetos.
Mas teríamos igualmente de fazer uma limpeza no pântano congressista, onde os líderes republicanos apegaram-se ao mandamento de que as empresas são boas, e o governo é mau, rejeitam o bipartidarismo e estão mandando embora membros de ambos os partidos ao destruírem a civilidade.
Eu acrescentaria ainda que a democracia pós-Trump depende de reforçarmos a liberdade de imprensa e encontrar um novo Moisés político que lideraria a transformação.
A grave provação da imprensa na presidência de Trump vem constituindo um dos seus melhores dias.
Os outros meios de comunicação e nós em geral ficaríamos dando voltas – e autores como estes não teriam escrito o presente livro – sem as reportagens e análises sólidas de jornais como o New York Times, o Washington Post, o Wall Street Journal, Los Angeles Times, de agências noticiosas como a Associated Press, a Reuters e a Bloomberg, e de outras fontes as revistas The New Yorker, The Economist, Politico, Guardian, Atlantic e alguns meios somente online.
Mas a nova democracia necessita de um “líder-ímã” que entenda Washington e que entenda de política, que possa unir a maioria anti-Trump e estimular o desejo dos eleitores bipartidários.
Seria o grande plano de “One Nation After Trump” grande demais para ser realista?
Não é nada mais do que as reformas instituídas depois do Watergate ou da Great Society.
E ninguém poderia apresentar um plano melhor do que o respeitado jornalista E.J. Dionne, com seus artigos e livros inteligentes sobre a política americana, e Norm Ornstein e Tom Mann que revolucionaram a nossa visão do Congresso com “It's Even Worse Than It Looks”.
“One Nation After Trump” também nos atualiza sobre os grupos e indivíduos que já vêm buscando realizar estas reformas.
Porém os autores poderiam ter nos deixado um cartaz mais simples com o qual marchar, encurtando explicações, diminuindo as citações de estudos em ciências sociais e sintetizando mais a escrita para que ficasse claro aquilo que afirmam.
Uma coisa é certa: chegou a vez de superarmos a hiperventilação, focarmos e encararmos o trumpismo de cabeça erguida para restaurar a verdadeira democracia americana.
Notas:
[1] Série intitulada “A nation under Trump”.
[2] Termo empregado pelo presidente Lyndon B. Johnson para identificar o seu programa legislativo de reforma nacional.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Uma nação após Trump: um guia para os perplexos, desiludidos, desesperados e ainda não deportados”. Um comentário - Instituto Humanitas Unisinos - IHU