13 Outubro 2017
O tema que o Papa Francisco quis colocar no centro da atenção, ao discursar no encontro promovido pelo dicastério para a Nova Evangelização, foi o da pena de morte e da necessidade de ampliar, no Catecismo, o espaço dedicado a ele.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 11-10-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Era natural que esse assunto chamasse a atenção da mídia, dada a sua atualidade. Mas o discurso do pontífice serviu para reiterar que a doutrina e a Tradição só podem ser realmente conservadas e transmitidas fazendo com que elas progridam. Considerações baseadas nos Padres da Igreja e nos Concílios, que ajudam a enquadrar o debate também sobre outros temas, em cuja discussão é posta em causa a fidelidade à doutrina.
Francisco citou, principalmente, a célebre frase de São João XXIII, que, abrindo o Concílio Vaticano II no dia 11 de outubro de 1962, dissera: “É necessário que a Igreja não se afaste do sagrado patrimônio das verdades recebidas dos Padres; mas, ao mesmo tempo, deve olhar também para o presente, para as novas condições e formas de vida que abriram novos caminhos para o apostolado católico”.
“O nosso dever”, continuava o pontífice de Bérgamo, “não é apenas conservar esse precioso tesouro, como se nos preocupássemos unicamente com a antiguidade, mas também nos dedicarmos com viva vontade e sem temor àquela obra que a nossa era exige, continuando, assim, o caminho que a Igreja faz há quase 20 séculos.”
O Papa Bergoglio, por sua vez, explicou que “conservar” e “prosseguir” é “aquilo que compete à Igreja pela sua própria natureza, para que a verdade impressa no anúncio do Evangelho por Jesus possa alcançar a sua plenitude até o fim dos séculos”.
O próprio São João Paulo II, apresentando o novo Catecismo da Igreja Católica, defendia que “ele deve levar em consideração as explicitações da doutrina que, ao longo dos tempos, o Espírito Santo sugeriu à Igreja. Também é necessário que ajude a iluminar com a luz da fé as situações novas e os problemas que, no passado, ainda não haviam surgido”.
Os desafios de hoje não são os de há um século, nem mesmo os de 30 anos atrás. É por isso que se celebram concílios e sínodos e é por isso que foram realizadas nada menos do que duas assembleias dos bispos para discutir sobre matrimônio e família, em contextos sociais que mudam a uma velocidade muito firme.
“Não é suficiente – explica Francisco – encontrar uma linguagem nova para dizer a fé de sempre; é necessário e urgente que, diante dos novos desafios e perspectivas que se abrem para a humanidade, a Igreja possa expressar as novidades do Evangelho de Cristo que, embora contidas na Palavra de Deus, ainda não saíram à tona. É aquele tesouro de ‘coisas antigas e novas’ de que Jesus falava, quando convidava os seus discípulos a ensinarem o novo trazido por ele, sem ignorar o antigo.”
Depois de recordar um texto do Catecismo Romano valorizado pelo novo Catecismo, que diz que “toda a substância da doutrina e do ensinamento deve ser orientada à caridade que nunca terá fim. De fato, quer se exponham as verdades da fé ou os motivos da esperança ou os deveres da atividade moral, sempre e em tudo deve-se dar relevo ao amor de nosso Senhor”, o Papa Bergoglio voltou a falar da Tradição como “uma realidade viva”.
“Só uma visão parcial – explica Francisco – pode pensar no ‘depósito da fé’ como algo estático. A Palavra de Deus não pode ser conservada em naftalina, como se se tratasse de uma velha coberta para proteger contra os parasitas! Não. A Palavra de Deus é uma realidade dinâmica, sempre viva, que progride e cresce, porque está tensionada a um cumprimento que os seres humanos não podem parar.”
O papa reitera a “feliz fórmula” de São Vicente de Lérins: “annis consolidetur, dilatetur tempore, sublimetur aetate”, isto é, o dogma da religião cristã também “progride, consolidando-se com os anos, desenvolvendo-se com o tempo, aprofundando-se com a idade”. Uma fórmula, afirma ainda Francisco, que “pertence à peculiar condição da verdade revelada ao ser transmitida pela Igreja, e não significa, de modo algum, uma mudança de doutrina”.
Portanto, “não se pode conservar a doutrina sem fazê-la progredir, nem se pode ligá-la a uma leitura rígida e imutável, sem humilhar a ação do Espírito Santo. ‘Deus, que, nos tempos antigos, muitas vezes e de muitos modos, falou aos pais’ (Hb 1, 1), ‘não cessa de falar com a Noiva do seu Filho’ (Dei Verbum, 8). Somos chamados a assumir essa voz com uma atitude de ‘religiosa escuta’, para permitir que a nossa existência eclesial progrida com o mesmo entusiasmo dos inícios, rumo aos novos horizontes que o Senhor pretende nos fazer alcançar”.
A propósito de mudanças significativas que indicam como a doutrina deve “olhar também para o presente, para as novas condições”, como afirmava o Papa Roncalli, pode-se lembrar o grande salto representado pela Familiaris consortio, de João Paulo II.
Naquela exortação pós-sinodal, Wojtyla deixava bem clara a existência de circunstâncias atenuantes: “Saibam os pastores que, por amor à verdade, estão obrigados a discernir bem as situações. Há, na realidade, diferença entre aqueles que sinceramente se esforçaram por salvar o primeiro matrimônio e foram injustamente abandonados e aqueles que por sua grave culpa destruíram um matrimônio canonicamente válido. Há ainda aqueles que contraíram uma segunda união em vista da educação dos filhos, e, às vezes, estão subjetivamente certos em consciência de que o precedente matrimônio irreparavelmente destruído nunca tinha sido válido” (n. 84).
E afirmava, rompendo com uma tradição secular, que os divorciados em segunda união, que, por vários motivos, não podem voltar aos respectivos matrimônios já fracassados, podiam ter acesso aos sacramentos se se comprometessem a viver como irmão e irmã, ou seja, abstendo-se das relações sexuais.
Essa decisão, naquele momento, era uma importante novidade. Os divorciados em segunda união, dispostos a viver como irmão e irmã (circunstância que, obviamente, tem a ver com a sua intimidade e não está escrita nos documentos de identidade nem nos crachás), podiam não apenas ser acolhidos na comunidade cristã, mas também participar da Eucaristia.
Alguns anos depois, na carta ao cardeal penitenciário maior William Wakefield Baum (22 de março de 1996), o Papa Wojtyla afirmava: “Convém também recordar que uma coisa é a existência do propósito sincero, e outra o juízo da inteligência acerca do futuro: com efeito, é possível que, embora na lealdade do propósito de não voltar a pecar, a experiência do passado e a consciência da atual debilidade causem o temor de novas quedas; mas isso não prejudica a autenticidade do propósito, quando a esse temor está unida a vontade, sufragada pela oração, de fazer aquilo que é possível para evitar a culpa”.
E, no ano seguinte, no vademecum para os confessores em matéria de moral familiar, redigido pelo cardeal Alfonso López Truijllo, afirmava que “a reincidência nos pecados de contracepção não é em si mesma motivo para se negar a absolvição; mas não pode ser concedida se faltar o arrependimento suficiente ou o propósito de não recair no pecado”.
Uma reflexão mais precisa e pacata sobre a história da Igreja e sobre a teologia ajudaria a fazer com que se compreenda, por exemplo, que o ensinamento da Amoris laetitia é tradicional, quando se afirma que, na avaliação da culpa, pode haver atenuantes.
No capítulo 8 da exortação fruto de dois Sínodos, o papa, no rastro dessa tradição, abriu a possibilidade – sem cair na casuística e sem permissividade ou aberturas indiscriminadas – de que, em alguns casos, os divorciados em segunda união (que não conseguem viver como irmão e irmã, mas se dão conta da sua condição e iniciam um caminho) também podem ter acesso aos sacramentos, depois de um período de discernimento acompanhado por um sacerdote. Como, aliás, já acontecia no passado, em alguns casos, na relação com o confessor.
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''Não é possível conservar a doutrina sem fazê-la progredir'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU