Hoje, dia de São João XXIII, republicamos uma nota em que recordamos o 'discurso à lua' proferido na noite do dia 11 de outubro de 1962. Neste dia iniciava o Concílio Vaticano II.
Além da nota, reproduzimos o vídeo gravado pela RAI, do histórico discurso proferido de improviso, como lembrava o seu secretário particular, Loris Capovilla.
Também reproduzimos o vídeo do discurso, de improviso, de João XXIII, no natal de 1958, poucos meses depois da sua eleição, por ocasião da visita ao Cárcere Regina Coeli, de Roma.
O relato é do vaticanista e ex-vice- diretor do jornal L'Osservatore Romano, Gian Franco Svidercoschi, em artigo publicado na revista Jesus, de janeiro de 2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É uma emoção que volta continuamente, sistematicamente, há 50 anos. Toda vez que eu ouço a voz de João XXIII, enquanto pronunciava o seu "discurso à lua", logo sinto um calafrio que percorre toda a minha coluna. E o meu coração entra em fibrilação...
A aventura do Concílio tinha diante de si a estrada já traçada. E eu entendi que, se a Igreja estava mudando, a minha vida, e não apenas a profissional, também seria diferente.
Aquela manhã de 11 de outubro de 1962, para mim, havia sido massacrante. Eu trabalhava como "vaticanista" para uma agência de notícias, a Ansa. E eu tive que "telefonar" para a redação, quase ao vivo, toda a cerimônia de abertura do Concílio Vaticano II. Uma experiência que nunca vou esquecer. Havia sido tudo tão extraordinário. Tudo no sinal da novidade, uma incrível novidade.
Primeiro, na Praça de São Pedro, aquela interminável fila de mitras brancas, de rostos negros e amarelos, das mais diversas raças e línguas, onde se espelhava também visivelmente a universalidade do catolicismo. Depois, na basílica, os observadores das Igrejas cristãs, os ex-hereges, os ex-irmãos-que-erraram-ao-não-voltar-ao-redil. E os muitos chefes de Estado e de governo, mas desta vez apenas como convidados, e não mais como acontecia quando o poder temporal condicionava os Concílios e a liberdade da Igreja. Por fim, o discurso do Papa Roncalli. Um discurso aberto, corajoso, iluminador: a crítica aos "profetas da desgraça", a distinção entre o depositum fidei e a sua formulação, o "remédio da misericórdia" em vez das condenações e dos anátemas de antigamente.
Eu percebi no ar que era o fim de uma época. Mas como amadureceria a nova estação que estava apenas brotando? Naquele momento, nem mesmo o papa, que a havia inaugurado, um papa de 77 anos, mas habitado pelo Espírito, podia imaginar. Além disso, havia sinais contraditórios. Um rito faustoso, de outros tempos, e que se desenvolvia em lugares fechados, nos "sagrados recintos", portanto, longe do povo comum e da história. E os acréscimos – preocupados em reafirmar a continuidade com o passado – que o pontífice teve que introduzir no seu discurso oficial sob pressão da Cúria Romana conservadora.
E eis por que o Vaticano II – para mim – começou realmente apenas à noite. Começou com aquelas palavras improvisadas que João XXIII dirigiu à multidão na praça. Palavras simples, transparente, afetuosas, as mesmas palavras das pessoas, da existência cotidiana, feita de alegrias e de dores, de pequenas grandes coisas, palavras que, ao invés, a Igreja por muito tempo não havia mais usado.
Pois bem, pronunciando-as de novo, Roncalli pôs fim ao longo e penoso isolamento da hierarquia eclesiástica do povo, dos seus problemas, da sua vida. Isto é, a Igreja começou novamente a caminhar ao lado dos homens e das mulheres de todo o mundo.
Naquele ponto, a aventura do Concílio finalmente podia partir, tinha diante de si a estrada já traçada. E eu também (eu tinha 26 anos), tendo voltado para casa, fiz uma carícia no meu filho. E entendi que, se a Igreja estava mudando, a minha vida, e não apenas a profissional, também seria diferente.
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Assista abaixo ao Discurso à lua, de João XXIII: