Por: Márcia Junges | 28 Setembro 2017
“A importância de Suárez é tanta que nem precisa mais ser demonstrada”. Com essa provocação inicial o Prof. Dr. Olivier Boulnois, da École Pratique des Hautes Études, França, mencionou que Schopenhauer via na obra do filósofo espanhol um verdadeiro compêndio da Escolástica. Heidegger, por sua vez, no magistral Ser e Tempo, através da insígnia da Escolástica, tentou destruir a ontologia, mas precisou voltar atrás em seu intento, uma vez que se mostrou impossível abandonar a língua da metafísica.
A reflexão compõe a conferência Ser e representação em Suárez, apresentada em 26-09-2017, parte da programação do VIII Colóquio Internacional IHU e XX Colóquio Filosofia UNISINOS – Metafísica e Filosofia Prática. A atualidade do pensamento de Francisco Suárez, 400 anos depois.
Assista à conferência na íntegra.
“Tornou-se tradicional buscar em Suárez a origem da ontologia moderna. Em 1927, Heidegger diz que Suárez sistematizou por primeiro a ontologia. Contudo, a problemática da ontologia surge a partir de Duns Scotus, que não ousa afrontar a autoridade de Aristóteles.”
A arquitetônica das Disputaciones de Suárez procura responder a matriz de problemas aristotélicos com uma ilustração textual notável. Essa nova sistematicidade traz uma contribuição importante, pois o projeto está orientado está para uma filosofia cristã, e a metafísica está a serviço da ontologia. Fala-se em atributos divinos, e Suárez insiste que nunca ultrapassou os limites da luz natural da razão. Assim, nunca transgrediu os limites da metafísica. “Ele considera que é possível elaborar uma metafísica autônoma e conceber o pensável de forma harmoniosa”, afirma Boulnois.
Nos escritos de Suárez, a verdade metafísica está ligada a verdades teológicas. A metafísica se torna o embasamento da teologia, serve a ela, está orientada a ela e suas verdades devem converger em sua direção. Essa relação repousa em necessidade recíproca, uma determinada pela outra.
Conforme Boulnois, a estrutura da obra suareziana é sistemática e aparece desde o plano das Disputaciones, que se organiza em partes e subpartes. Nessa lógica, é preciso estabelecer o objeto próprio e mostrar a natureza e como acedemos a esse conceito.
O fio condutor, a teoria da ciência, é tomada em consideração por Suárez. Desse modo, estudar as propriedades que podem ser atribuídas, que segundo Scotus são transcendentais, é fundamental. Suárez perscruta o conceito de propriedade transcendental antes de examinar o transcendental em si. Depois vêm as causas do ente. Nesse caso é preciso explicar tal parte da metafísica. O problema do comentário da metafísica de Aquino desenhava uma primeira resposta.
Deus é o centro da parte I da obra de Suárez. Deus, aquele que é o mais inteligível dos objetos, é menos conhecido do que os efeitos de suas causas materiais. Entre o conceito de ser e ser infinito há uma proximidade e afinidade que precisam ser refletidas, complementa Boulnois. Deus sendo absolutamente simples não pode ser objeto de divisão, porquanto o ser é idêntico à essência.
A universalidade é dada como conceito de ente, depois a causalidade, e a seguir a divisão entre criador e criatura. Suárez não concorda com Scotus, mas ambos consideram que a metafísica deve se modelar como forma de ciência e proceder conforme seu assunto. Fala-se, então, acerca de uma metafísica estruturada em sistema.
Boulnois | Foto: Larissa Schimidt / IHU
Suárez trilha o caminho de libertar a ontologia pura de um compromisso existente. O conceito de ser é a mais alta abstração que nos leva a isso, visto que a metafísica trata do ser enquanto essência real. O ente é o objeto mais imperfeito por ser o mais comum, uma ruptura em relação à metafísica da participação, que pensa o objeto como o mais perfeito, o que Scotus já havia afirmado.
Suárez responde com o argumento de que a ciência é demonstrada imediatamente, e por isso o ente possui propriedades transcendentais, distintas em razão e percebidas por pontos de vista diferentes.
Um ente em ato é igual ao existente para Suárez. A existência intervém após a análise formal, em último recurso. O objeto da metafísica não é o existente, mas ens em sentido nominal. O ente real é mais universal que o existente. Conforme Boulnois, a metafísica é claramente articulada com a ciência de Deus, pois funda conceitos da ciência revelada. “A ciência de Deus é a arquitetônica. Deus é um ser necessário intrinsecamente, portanto existe e é um caminho a priori. Esse ente é único.”
Olivier Boulnois é um filósofo francês, especialista em filosofia medieval. Defendeu sua tese de doutorado na Universidade de Poitiers. É diretor École Pratique des Hautes Etudes e professor do Instituto Católico de Paris, onde ensina religião e filosofia cristã na Idade Média. Publicou vários livros, entre eles Metafísicas rebeldes – Gênese e estruturas de uma ciência na Idade Média (São Leopoldo: Editora Unisinos, 2015 – obra lançada originalmente na França pela editora PUF, em 2013), Philosophie et théologie. Anthologie. Tome 2, le Moyen Âge (Paris, le Cerf, 2009 – organização da obra e redação de 12 capítulos), Lire le Principe d’individuation de Duns Scot (Paris, Vrin, 2014) e Au–delà de l'image (Paris: Seuil, 2008).
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Ser e representação em Suárez, ou uma metafísica a serviço da ontologia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU