22 Agosto 2017
Médico norte-americano denuncia grave impasse na indústria do câncer: por que os gastos nunca foram tão colossais e o câncer está matando mais que nunca? O que está travando a pesquisa da cura do câncer?
O artigo é de Gilson Dantas, graduado em medicina e doutor em sociologia pela Unb, publicado pelo Blog da Revista Espaço Acadêmico, 19-08-2017.
O médico norte-americano, dr. Joseph Mercola, levanta indícios para sustentar a hipótese de que não vê perspectivas, nos marcos da estratégia convencionalmente conduzida pela oncologia, de se chegar à cura do câncer. De saída, ele chama a atenção para o fato de que, desde que o presidente norte-americano Richard Nixon, mais de quarenta anos atrás, declarou sua “guerra contra o câncer”, liberando vultosos recursos para a indústria do câncer e suas pesquisas, as mortes por câncer somente têm crescido.
A constatação do dr. Mercola: um ou outro tipo de câncer – por razões determinadas – pode ter tido alguma queda, mas, de conjunto, as mortes por câncer, nos Estados Unidos e em outros países, têm crescido astronomicamente. Segundo o dr. Mercola, em artigo de 2013 [Why medicine won´t allow câncer to be cured] temos o equivalente a 8 a 10 aviões caindo a cada dia, em termos de mortes pelo câncer. A cada ano, dois milhões de americanos são diagnosticados com câncer. E tudo isso, argumenta ele, “a despeito dos avanços tecnológicos massivos do último meio século”. E também sem que esse tipo de fato venha a se transformar em um escândalo nacional.
Uma pessoa em cada três, nos Estados Unidos, terá sido diagnosticada com câncer ao longo de sua vida – segue argumentando ele –, além de informar que não são apenas mais e mais casos que estão acontecendo e sim mais casos em relação ao mesmo número de pessoas [mais casos por cada dez pessoas, por exemplo]. Isto é, não se trata de que há mais câncer porque a população cresceu e sim que o crescimento de casos de câncer aumenta de todo ponto de vista; hoje temos uma em cada 3 pessoas tendo câncer, mas no início do século passado se tinha uma em cada vinte. Proporcionalmente há mais gente com câncer do que nunca.
A estatística por ele citada revela, como diz, um crescimento de “proporções epidêmicas”: nos anos 1940 uma em cada 16 pessoas tinha câncer, nos 1970, uma em dez, atualmente temos uma em três.
Livro recente, de Clifton Leaf, intitulado A verdade em pequenas doses: porque estamos perdendo a guerra contra o câncer – e como vencê-la [livre tradução de The truth in small doses: why we´re losing the war on cancer – and how to win it], traz gráfico sugerindo que o número de novos casos de câncer tem crescido a taxas três vezes maiores que o crescimento da população. Nesse caso, também argumenta ele, estaríamos perdendo a guerra.
Nunca se investiu tanto em pesquisa, nunca se gastou tanto em tratamento, mas também nunca houve tanto câncer, nunca foi tão caro tratar uma doença, eis a equação que o dr. Mercola expõe sem meias palavras para seguir argumentando que a chamada “indústria do câncer” é um grande negócio bem-sucedido para os capitalistas do câncer e um grande problema para quem vier a sofrer dessa doença.
Poderia ser levantada, no entanto, a pergunta: tais estatísticas não mostrariam apenas que passou a haver uma maior capacidade de diagnóstico da medicina? Ou seja: como os diagnósticos são mais precoces ou mais refinados, então, por isso, teríamos maior número de casos? Ele não concorda: se fosse assim não se morreria tanto, argumenta; e acrescenta que não se pode fugir ao fato de que, sobretudo, o que temos são mais e mais mortes. E com tratamentos mais caros, mais sofisticados, sempre nos marcos da mesma estratégia [atacar o tumor: quimioterapia, radioterapia, cirurgia].
O dr. Mercola, como foi dito, também se mostra chocado pelo fato de tanta morte por câncer, tanto fracasso médico não se transformar em manchete. Cai um avião, vira manchete, diz. Caem quase dez aviões por dia, de mortes por câncer, e paira o relativo silêncio, mais ou menos como se estivéssemos diante de uma fatalidade.
Depois de traçar esse quadro contraditório e assustador, depois de chamar a atenção para a baixíssima taxa de cura pelos métodos atuais [ele cita que “dois de cada três pacientes com câncer morrerão em cinco anos após ter recebido todo o tratamento padrão ou parte dele, isto é, da trindade, cirurgia, radioterapia e quimioterapia”]; ele vai além na denúncia: “um estudo estimou que a quimioterapia beneficia apenas um em cada 20 pacientes que a recebem”; e acrescenta: “isso não chega a ser propriamente uma surpresa quando se considera que dois dos três métodos são em si mesmos cancerígenos!”
Ao mesmo tempo ele denuncia que a estratégia de prevenção é a menor das preocupações da oncologia norte-americana. E que não se discute e nem se foca seriamente a pesquisa nos elementos ambientais e sanitários causadores ou envolvidos com a gênese do câncer, desde alimentação a toxinas ambientais e do ambiente de trabalho.
Basicamente o que se gasta em pesquisa e em tratamento segue o mesmo foco: a surrada estratégia de atacar o tumor com radiação ionizante, quimioterápicos [tóxicos por definição] e cirurgia. Para os sintomas tudo [se tomamos o tumor como sintoma], para o terreno biológico, para o terreno ambiental, nada.
Procurando juntar as peças, o profissional levanta algumas questões que, segundo ele, poderiam estar por trás ou na base de tantas contradições em torno da abordagem convencional do câncer. A qual, no raciocínio do dr. Mercola, não conta com os elementos necessários para chegar – com tal estratégia – à cura do câncer e, por isso, estaria perdendo aquela guerra deflagrada, oficialmente há quase meio século atrás, pelo presidente Richard Nixon.
O gráfico a seguir parece reforçar essa ideia: nele se vê que as taxas de mortes por câncer não param de crescer.
[Disponível em: https://egtheory.wordpress.com/2016/01/19/cancer-books/%5D
O mesmo autor argumenta na linha de que grandes grupos financeiros ganham com as coisas como elas são na oncologia: “A epidemia de câncer é o sonho dourado para a Big Pharma e suas campanhas para silenciar outras tentativas de cura têm sido ferozes” [a este respeito, ele remete para o documentário Cancer: forbidden cures].
E insiste: “nós temos que entender que o câncer é um grande negócio. A indústria do câncer gasta praticamente nada dos seus recursos multibilionários de dólares em estratégias de efetiva prevenção, como por exemplo, guias de dieta, exercício e educação contra a obesidade. Em vez disso, concentra seu capital no tratamento do câncer, não na prevenção ou cura. Por que iriam matar a galinha dos ovos de ouro – pergunta?
Se eles podem manter a ´máquina do câncer´ bem lubrificada e seguindo em frente, certamente o farão, seguramente continuarão a ganhar lucros massivos em drogas quimioterápicas, radioterapia, procedimentos diagnóstico e cirurgias. O paciente típico de câncer gasta 50 mil dólares lutando contra a doença. Drogas quimioterápicas estão entre os tratamentos mais caros, muitas delas oscilando de entre 3 mil a 7 mil dólares por mês”.
Seu argumento é que a indústria do câncer não pode perder seus pacientes, que é funcional para ela manter o fluxo continuado de pacientes de câncer, e chama essa indústria de “monstro societário”.
Cita o dado histórico de que a indústria farmacêutica – aliada com a AMA [Associação Médica Americana] – tomou conta do sistema médico já desde o início do século passado.
Citando aquele documentário, ele argumenta: “A banca internacional controla as companhias de drogas e produtos químicos e controla o sistema educacional médico há um século. Eles dão subsídios e recursos para a AMA e as principais escolas médicas, em troca de assentos nos seus comitês [empresariais] de forma a poderem incidir sobre a política médica; inteligentemente, manejam virtualmente cada agência regulatória federal vinculada à prática da medicina”.
Ele liga essa sua constatação política ao fato de que, embora – de acordo com sua denúncia – aqueles tratamentos sejam pouco eficazes continuam recebendo rios de dinheiro e lucrando bilhões de dólares.
Também denuncia aquela indústria por lutar ferozmente para proteger seu mercado cativo: “Para proteger seu monopólio médico, qualquer tratamento natural viável sofre massiva oposição pela indústria médico-farmacêutica. As companhias de medicamentos não possuem interesse em agentes naturais que eles não possam patentear, já que eles interfeririam em seu fluxo de lucro.
Daí eles acionam – e sempre acionaram – medidas extremas para evitar que a verdade sobre tratamentos naturais eficazes [que concorreriam com a indústria] possa alcançar o grande público”. O FDA [a Anvisa norte-americana], segue argumentando o dr. Mercola, alega estar “protegendo o público, mas realmente eles estão protegendo os lucros das companhias de medicamentos”.
Como observação final, pode-se dizer que a hipótese do dr. Mercola, até pelas consequências médico-sanitárias e em termos de estratégia de pesquisa do câncer que ela implicaria, suscita uma pergunta inevitável: já não passou da hora e da oportunidade de que os problemas que ele – e não apenas ele – levanta, passem a ser tema de um amplo debate, especialmente a partir dos sindicatos e associações dos trabalhadores de saúde?
Ou por outra: o pior dos cenários diante do drama social do câncer, não será o de seguir ignorando tais argumentos, que volta e meia reaparecem no meio científico para, em seguida, serem relegados ao relativo esquecimento? E a não realização desse debate, será que não tem a ver com certa ilusão ideológica, de que é possível se chegar a uma boa medicina, eficiente e não-tóxica, nos marcos do capitalismo, do atendimento médico na condição de mercadoria, da medicina mercantil?
[FONTE – O artigo original do dr. Mercola, com mais de 1,5 milhão de visitas, está disponível em: http://articles.mercola.com/sites/articles/archive/2013/08/03/natural-cancer- treatment.aspx . Como fonte de seus dados estatísticos, o dr Mercola cita: https://www.cancer.org/research/cancer-facts-statistics.html ]
[O AUTOR – dr. Mercola, nascido em 1954, graduado na Universidade de Illinois e no Colégio de Medicina Osteopática de Chicago, trabalha oferecendo regularmente orientação de saúde e comercializando suplementos nutricionais através do seu site. Ele é autor, dentre outros, do livro The no-grain diet [2004] e também The dark deception [2008]. Mesmo que não tomemos o dr. Mercola como referência em termos de orientação médica – já que apoia a homeopatia e o não uso de açúcar na dieta, dentre outros problemas –, mas é perfeitamente possível levar adiante um debate a respeito das suas denúncias contra o tratamento convencional do câncer, considerando que tais denúncias se repetem a partir de outros médicos norte-americanos como o dr Nicholas Gonzalez, médico recém-falecido de New York, apenas para citar um exemplo].
[AVISO – O objetivo desta nota é puramente didático/informativo, na linha de levantar o debate; não pretende alimentar qualquer expectativa de aconselhamento médico/profissional em qualquer direção específica].
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A medicina capitalista: perdendo a batalha contra o câncer? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU