27 Julho 2017
Como o componente indígena entra na agenda socioambiental de planejamento da matriz elétrica brasileira, em especial, com relação a grandes empreendimentos hidrelétricos? Esse foi um dos pontos destacados durante o diálogo entre representantes de organizações não governamentais, que integram o Grupo de Trabalho de Infraestrutura, com equipe técnica da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), no dia 17 de julho. O encontro ocorreu, na sede da empresa, no Rio de Janeiro. Esta é a segunda rodada de diálogo estabelecida desde 05 de maio (veja também Organizações socioambientais abrem espaço de diálogo com EPE para discutir planejamento da matriz elétrica) .
A reportagem é de Sucena Shkrada Resk, publicada por Instituto Centro Vida - ICV, 24-07-2017.
A EPE apresentou uma visão geral da metodologia do planejamento energético no país que no recorte socioambiental, segundo a empresa, tem quatro critérios: modicidade tarifária, segurança energética, áreas protegidas e mudanças climáticas. E é no chamado índice socioambiental, nos estudos de inventário hidrelétricos, que um dos aspectos socioambientais são as populações indígenas e tradicionais.
No mesmo momento, a 2.500 quilômetros de distância, na divisa do Pará e Mato Grosso, acontecia um caso real que demonstra a necessidade de maior empenho nesta agenda. Indígenas Munduruku ocupavam pacificamente canteiro de obras da Usina Hidrelétrica São Manoel (que aguarda aprovação de licença de operação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama). O grupo com cerca de 140 pessoas, entre crianças, adultos e idosos, reivindicavam seus direitos no processo de implementação dos grandes empreendimentos hidrelétricos, desde a fase de consulta. A ocupação foi encerrada no dia 20, mas a mobilização continua (veja mais em Somos feitos do sagrado!).
Para a compreensão do contexto da mobilização, o GT Infraestrutura entregou aos representantes da EPE cópias das cartas de reivindicações dos Munduruku e um dossiê produzido pelo Fórum Teles Pires (FTP), um coletivo de organizações da sociedade e movimentos sociais…., em que indígenas também das etnias Apiaká e Kayabi expõem os problemas enfrentados pelas comunidades. O Ministério Público Federal atua neste caso e mediou reunião que ocorreu no dia 19/07, entre os indígenas, o presidente da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Franklimberg de Freitas, e representantes das usinas. Na região, além da São Manoel, está em funcionamento a UHE Teles Pires, iniciada em 2010.
“Este caso leva a um ponto de reflexão: evitar que se repita esse atropelo também nos processos de planejamento das UHE de Castanheira e de Tabajara”, alertou Brent Millikan, da ONG International Rivers – Brasil. A primeira, prevista para ser construída no rio Arinos, na bacia do rio Juruena, no município de Juara, Mato Grosso. A outra usina planejada para ser construída no Rio Ji-Paraná, em Machadinho D’oeste, Rondônia. Ambas constam no Plano (PDE).
Sérgio Guimarães, um dos fundadores do Instituto Centro de Vida (ICV) e facilitador do GT Infraestrutura, propôs que o caso ‘munduruku’ seja analisado como aprendizado quanto ao componente indígena/socioambiental nos estudos de pesquisa energética/elétrica da EPE. “Propomos que a EPE convide representantes dos povos indígenas para envolvê-los em discussão interna a respeito desta pauta de como incluir e ouvir as comunidades indígenas potencialmente impactadas antes da tomada de decisão da construção de obras”, sugeriu.
“A questão socioambiental é pensada em todas etapas do planejamento… A ideia é cada vez mais incorporar o socioambiental. Muitas vezes é uma oportunidade e não um entrave”, disse Ricardo Gorini, diretor de Estudos Econômicos, Energéticos e Ambientais da EPE.
Hermane de Morais Vieira, da equipe da EPE, citou que atualmente é um bom momento para aprofundar os estudos socioambientais entre inventário e planejamento dos empreendimentos. “De estudar o meio biótico, de como colocar questões culturais de longo prazo para a hidrelétrica. A Convenção 169 da OIT, que determina consulta prévia, livre e informada, tem interferência direta em questões indígenas e é preciso saber como fazer compensação indígena com relação a recursos hídricos. Temos uma moratória para poder estudar estes temas e conhecimentos agora para permitir melhores decisões no futuro”, avaliou.
Segundo Izaura Ferreira Frega, superintendente de Meio Ambiente da EPE em entrevista ao ICV, foi criado um grupo interno de trabalho, sobre a Convenção 169 da OIT. “Estamos produzindo um material a ser discutido em outros fóruns, com experiências que identificamos pontos a avançar. Mas é bom colocar que esta é uma questão maior de governo, que envolve diferentes ministérios, desde Minas e Energia e Meio Ambiente à Justiça e Casa Civil”, disse.
A superintendente de Meio Ambiente expôs que a empresa contratou um estudo de impacto ambiental e de componente indígena para avaliação do licenciamento do empreendimento da UHE Castanheira. “Estamos em diálogo com as tribos, por meio da consultora, e apresentação dos estudos de viabilidade para a FUNAI para continuar o processo, buscando os pleitos das diferentes etnias”.
O GT Infraestrutura solicitou que a consulta pública do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2026 seja prorrogada para que o GT Infraestrutura possa fazer uma contribuição conjunta, dando oportunidade também a outros interessados. O prazo atual é até o dia 6 de agosto. Além dos pontos socioambientais destacados, as ONGs expuseram a necessidade de se aprofundar estudos de efeitos cumulativos dos empreendimentos, em especial na Bacia do Juruena, onde estão previstas 114 usinas de pequeno a grande porte, como também de impactos a pessoas que vivem à jusante, e de estudos migratórios dos peixes, entre outros.
O GT Infraestrutura, nesta reunião, teve a participação de representantes da Amigos da Terra, do Instituto ClimaInfo, do Greenpeace, do Instituto Centro de Vida – ICV, do Instituto de Energia e Meio Ambiente – IEMA, do Instituto Escolhas, do Instituto Socioambiental (ISA), da International Rivers-Brasil, da Rede de Barragens Amazônicas (RBA), da TNC – Brasil e do WWF – Brasil, do WRI – Brasil, além de membros da Frente por uma Nova Política Energética, da Campanha Energia para a Vida, do Observatório do Clima e do Instituto Clima e Sociedade, e do consultor Tasso Azevedo.
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Qual valor dos povos indígenas no planejamento energético brasileiro? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU