Por: Patricia Fachin | 27 Julho 2017
O sucesso da Igreja Universal do Reino de Deus – IURD ao longo dos últimos 40 anos no país pode ser explicado não só pela ênfase dada à teologia da prosperidade ou à incorporação de características de outras religiões, como as de matriz africana, com sessões espirituais de descarrego, distribuição de sal, arruda e amuletos, mas especialmente pela disseminação da literatura de autoajuda, associada aos valores da classe média, diz Eduardo Refkalefsky à IHU On-Line. Na avaliação dele, “a direção da IURD teve sensibilidade para entender esse mercado de autoajuda e ajustar os rituais da igreja nesse contexto”. Nesse sentido, explica, “o marketing não está centrado na comunicação, venda ou propaganda, mas na pesquisa e na adaptação do produto ao público consumidor”.
Segundo Refkalefsky, apesar da expansão da igreja no Brasil e no exterior, os movimentos evangélicos se dividem em relação à IURD. “Há diversos pastores e fiéis que se opõem ao discurso radical, que também consideram materialista, e a outros aspectos teológicos, como entender a relação com Deus como uma troca, um pacto”.
Autor da tese “Comunicação e Posicionamento da Igreja Universal do Reino de Deus: um estudo do Marketing Religioso”, Eduardo Refkalefsky também comenta o ingresso da IURD na cena política e frisa que isso “é um reflexo natural desse crescimento”.
Eduardo Refkalefsky | Foto: Mídia e Religião
Eduardo Refkalefsky é doutor em Comunicação e, atualmente, leciona na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Você defende a tese de que o crescimento da Igreja Universal não se deve ao uso de técnicas de marketing e comunicação, mas ao profundo conhecimento da Matriz Religiosa Brasileira, por parte de Edir Macedo. Pode nos explicar essa ideia? Ainda nesse sentido, como você avalia a atuação da IURD ao longo das últimas quatro décadas no país?
Eduardo Refkalefsky - Eles até usam ferramentas de Marketing e Comunicação, como o Posicionamento, mas de maneira empírica, não é um planejamento formal. A coisa foi construída por tentativa e erro. O Posicionamento significa você focar a comunicação na concorrência. No caso da IURD, a concorrência, no Rio de Janeiro, foi a Umbanda, a qual reúne várias características da Matriz Religiosa Brasileira, como a relação de troca com o sagrado, a religião com um componente mágico para resolver problemas do dia a dia e, principalmente, as possessões e exorcismos. Em vez de se opor à Umbanda e à Matriz Religiosa Brasileira, como fez a maioria das igrejas evangélicas, eles fazem uma oposição ao mesmo tempo em que incorporam características dela. É o caso de rituais da IURD que são muito diferentes da prática evangélica, como ter uma "sessão espiritual do descarrego" (todas as palavras ligadas a espiritismo e religiões afro-brasileiras), pastores vestidos de branco, distribuição de arruda, sal grosso e diversos tipos de amuletos.
Com o passar do tempo, a IURD passou a focar em um público de classe média, enfatizando a chamada teologia da prosperidade, embora sem abrir mão das características que ela apresentava antes.
IHU On-Line - Qual é a centralidade da ‘teologia da prosperidade’ na Universal? Em que medida a teologia da prosperidade pode ser entendida como marketing para atrair novos fiéis?
Eduardo Refkalefsky - A teologia da prosperidade até tem ligação com algumas igrejas evangélicas. Mas se encontram mais estas mesmas características na literatura de autoajuda, bastante associada aos valores da classe média. Eu tenho algumas restrições, e falo isso na tese, da utilização da palavra "marketing" como sentido de "propaganda" ou "enganação". Isso qualquer vendedor já fazia desde que o comércio foi inventado. O marketing não está centrado na comunicação, venda ou propaganda, mas na pesquisa e na adaptação do produto ao público consumidor. Nesse sentido, falar que a teologia da prosperidade é marketing significa que a direção da IURD teve sensibilidade para entender esse mercado de autoajuda e ajustar os rituais da igreja nesse contexto.
IHU On-Line - Que transformações ocorreram na Universal ao longo dessas quatro décadas de atuação no país? Por que você faz uma distinção entre a Universal de hoje, como a Universal “light”, e o que chama de a “Universal de raiz”?
Eduardo Refkalefsky - Eu chamo de raiz porque antigamente ela era bem mais radical do que é hoje. Programas de rádio e TV mostravam uma virulência maior na crítica aos cultos afro-brasileiros, por exemplo. Essa mudança ocorreu, primeiro, porque enfrentou problemas como o caso do "chute na santa" e com isso foi criticada mesmo dentro do movimento evangélico. Além disso, o crescimento da igreja e sua atuação midiática colocaram os holofotes sobre as práticas e rituais da igreja. E, finalmente, a estratégia de conquistar segmentos da classe média requer um discurso menos radical do que ocorria quando o alvo eram os mais pobres.
IHU On-Line - Qual diria que é hoje o público da Universal no país?
Eduardo Refkalefsky - É bastante variado. Destaco um público transitório, que frequenta a igreja mesmo sendo de outra denominação evangélica, ou mesmo de outra religião. A razão disso é que muitos consideram a IURD uma igreja "forte", onde se consegue resolver os problemas cotidianos como dinheiro, amor e saúde.
IHU On-Line - Alguns estudiosos chamam a atenção para o número crescente de estudantes universitários evangélicos e para o apoio que as igrejas neopentecostais têm dado aos jovens no sentido de incentivá-los a cursar a universidade. Qual é a postura da Universal em relação a isso?
Eduardo Refkalefsky - Não tenho registro de uma comunicação direta neste sentido por parte da IURD. As igrejas protestantes tradicionais, não pentecostais, sempre defenderam o estudo e o trabalho como coisas positivas. Tanto é que implantaram no Brasil diversas inovações no ensino, como o estudo de ciências e do inglês, as classes mistas e educação física. Para a IURD o tema é secundário, a igreja ainda tem um foco muito grande no aspecto mágico e sobrenatural da fé.
IHU On-Line - Alguns especialistas avaliam que ao completar 40 anos a IURD “atingiu o sonho” de alcançar a alta classe média, já que recentemente a Igreja instalou uma sede no Leblon. A Universal está tentando atingir o público de classe média alta? Diria que há uma tentativa de buscar um novo público? Por quê?
Eduardo Refkalefsky - Mesmo bairros de classe média e classe média alta têm moradores e passantes das outras classes. Por exemplo, os empregados de um apartamento de luxo, os porteiros e as pessoas que trabalham com serviços. A IURD ainda tem dificuldade de atingir a classe média alta, vejo este movimento mais para atrair possíveis frequentadores do templo que sejam de classes socioeconômicas mais baixas.
A tendência da IURD de buscar o público de classe média vem, em grande parte, da concorrência de novas igrejas, muitas das quais fundadas por ex-pastores da IURD.
IHU On-Line - Qual diria que é hoje a presença nacional da Universal e qual sua popularidade entre os evangélicos?
Eduardo Refkalefsky - A IURD se expandiu por todo o Brasil, além de ir para o exterior. Há uma divisão do movimento evangélico em relação à IURD. Há diversos pastores e fiéis que se opõem ao discurso radical, que também consideram materialista, e a outros aspectos teológicos, como entender a relação com Deus como uma troca, um pacto. Quando a IURD foi criticada em casos como o "chute na santa", muitas críticas se generalizaram para todo o movimento evangélico, e aí um grupo se colocou do lado da IURD. Qualquer ataque que seja percebido, por lideranças evangélicas de outras igrejas, como excessivo ou generalizado, faz com que grupos importantes defendam a Universal.
IHU On-Line - Como a Universal se relaciona com outras igrejas neopentecostais?
Eduardo Refkalefsky - Vejo muito esta relação entre as lideranças, principalmente na ocupação do espaço político.
IHU On-Line - Como vê a atuação dos evangélicos na política? Diria que os evangélicos têm um projeto político para o país e estão, de alguma maneira, investindo na política?
Eduardo Refkalefsky - Sim, essa foi uma mudança muito grande da atuação dos evangélicos nas últimas décadas. Até os anos 80, o movimento cresceu com pouca visibilidade, sempre foram desconhecidos da maior parte da população e, principalmente, dos intelectuais, com as exceções de praxe. A entrada com força na política é um reflexo natural desse crescimento. É importante ressaltar que há questões ligadas às igrejas nas três esferas de poder: municipal, estadual e federal. Abrange desde questões sobre educação a normas como facilidade para eventos e ruído dos cultos.
IHU On-Line - Qual sua avaliação da gestão de Marcelo Crivella na prefeitura do Rio de Janeiro?
Eduardo Refkalefsky - Ele, em grande parte, tomou decisões de que seus adversários já o acusavam durante as várias campanhas das quais participou. Em especial a mistura de religião com o poder público (nem falo de religião e política, porque isso é normal na sociedade, um religioso também é um cidadão). Com o poder público é diferente. Marcelo Crivella, por exemplo, não entregou a chave da cidade ao Rei Momo no Carnaval, e tem tomado decisões prejudicando as escolas de samba. Para uma cidade turística, em especial com o turismo cultural, é um contrassenso. Vamos ver como isso se refletirá nas futuras eleições.
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Literatura de autoajuda, os valores da classe média e o sucesso da Igreja Universal. Entrevista especial com Eduardo Refkalefsky - Instituto Humanitas Unisinos - IHU