26 Julho 2017
Também este ano se renova a tradição, dentro do Festival dos Dois Mundos, dos “Sermões em Spoleto". O ciclo, que abriu em 1º de julho e segue até o dia 15, está sendo dedicado a “A oração de Jesus: o Pai nosso”.
Com "Venha o vosso reino" abade de Monte Cassino Donato Ogliari dá continuidade à reflexão sobre as palavras do Pai nosso. O texto foi publicado por Avvenire, 07-07-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Enquanto o esperam como uma dádiva, os crentes também estão pedindo a coragem e a força para colaborar ativamente na sua construção". O Abade Donato Ogliari continua a reflexão sobre o Pai Nosso.
Tal como acontece com as outras invocações contidas no Pai Nosso, também a invocação "Venha o vosso reino" deve ser entendida à luz da interpretação dada pelo próprio Jesus [...]. A linguagem metafórica com que a experiência humana do "reino" e da "realeza" é transferida para o mundo divino, desempenha um papel fundamental no ministério de Jesus de Nazaré. Toda a sua pregação é, de fato, centrada no "reino de Deus", expressão preferida tanto pelo evangelista Marcos como por Lucas [...]. Ao contrário de Marcos e Lucas, o evangelista Mateus prefere falar de "reino dos céus".
A fórmula "reino de Deus", de fato, ocorre apenas quatro vezes em seu Evangelho, em comparação com "reino dos céus", que aparece trinta e duas vezes. O próprio Deus-Pai na oração do Pai Nosso, é colocado "nos céus". Como em Marcos, então, também no Evangelho de Mateus, Jesus inaugura seu ministério público com as palavras: "Arrependam-se, pois o Reino dos céus está próximo" (Mt 4:17).
Deve ser lembrado que o uso da expressão "reino dos céus", preferida por Mateus, mostra a sensibilidade do evangelista nos confrontos do ambiente judaico ao qual está se dirigindo. De fato, usando tal expressão ele resolve uma dupla preocupação: a de substituir o nome de Deus (que não pode ser pronunciado) com o termo "céus", por um lado, e a de enfatizar a dimensão transcendente do reino divino, pelo outro. Essa preferência pela dimensão espacial - os "céus" - também pretende aludir à existência de um lugar que Jesus nos apresenta como a nossa verdadeira casa, onde nos aguardam as realidades e os bens definitivos, onde a paternidade de Deus manifesta-se em sua plenitude e de onde emanam a experiência inesgotável de Jesus e o valor salvífico da sua missão no mundo.
Ambas as expressões - "reino de Deus" e "reino dos céus" – estão vinculadas pelo fato de que Jesus fala sobre a essência de Deus em termos dinâmicos e não estáticos: Deus vem, o seu reino está próximo. Há nisso um movimento de proximidade que tem suas raízes em um "antes" e que, com a encarnação e o mistério pascal do Filho Jesus, tornou-se manifesto para nós de maneira decisiva.
Deus desde sempre está próximo da humanidade, e o seu reino continua a vir e a crescer em meio dela. Mais especificamente, deve ser lembrado que falar de "reino de Deus" e de "reino dos céus" significa fazer uma referência a uma aliança entre Deus e o homem, a um encontro no qual entra em funcionamento uma espécie de "reciprocidade disponível", embora fique claro que tal reciprocidade tem o seu ponto de partida na iniciativa de Deus. Além disso, na mesma invocação "venha o vosso reino", é propositalmente usado o aoristo imperativo na forma impessoal ("elthéto e basileia sou"), para significar que o protagonista desse advento é o próprio Deus, não o homem. O pedido feito pelo homem em oração indica mais a sua disponibilidade para deixar espaço à ação de Deus e não se contrapor a ela.
Enquanto, de fato, a partir de sua inacessibilidade Deus, com um movimento descendente, vem ao encontro do homem, este último, com um movimento ascendente, une-se a Deus com o "sim" da fé, abrindo-se à sua ação salvífica e dando testemunho de sua fecundidade.
Não pode, por fim, ser esquecida a dimensão "interior" contida nas expressões "reino de Deus" e "reino dos céus". Como afirma Jesus, o reino está "entre nós" (cfr. Lc 17,21). Invocar a sua vinda significa, portanto, invocar também aquela experiência mística que se experimenta no centro do nosso eu, naquele espaço interior onde o Mistério tem sua morada. Crucial a este respeito é a percepção de que não é possível pertencer ao reino senão através daquela atitude interior que é chamada de "pobreza de espírito": "Bem aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus" (Mt 5: 3) [...].
A invocação com a qual o crente pede e espera o advento final do "reino de Deus" toca profundamente também o caminho aqui embaixo. De fato, enquanto esperam o "reino" como uma dádiva, os crentes também estão pedindo a coragem e a força para colaborar ativamente na sua construção.
Santo Agostinho escreveu: "Quando dizemos: venha o vosso reino, o qual – querendo ou não – certamente virá, nós estimulamos o nosso desejo por aquele reino, para que venha para nós, e merecemos reinar nele".
Alcançados e imbuídos no "reino de Deus", ao pedir a sua vinda, os crentes invocam uma presença cada vez maior de Cristo e do seu Evangelho na própria vida e naquela da humanidade. O "reino de Deus", de fato, é realmente uma dádiva que estimula o nosso desejo e corrobora a nossa jornada pessoal (o "reino de Deus está dentro de nós” Lucas 17:20), mas é também um apelo para nos sentirmos responsavelmente comprometidos com seu crescimento através de nosso empenho cotidiano nos espaços da vida social e cívica, e, dessa forma, na história em que avançamos muitas vezes com dificuldade. Comprometer-se com o "reino de Deus" exige que nos invistamos em novos relacionamentos, angariadores de vida e de comunhão, para viver na liberdade autêntica, na amizade, na solidariedade e no compartilhamento; para sermos profetas que semeiam generosamente gestos de reconciliação e de paz, e que, ao anunciar o amanhecer após a escuridão da noite, sejamos capazes de manter viva a esperança de um mundo novo.
Esse é o motivo pelo qual invocamos: "Venha o vosso reino!". Ele deve permear cada vez mais não apenas a nossa relação pessoal com Deus, mas também os nossos relacionamentos interpessoais. Deve reverberar em nossas ações e nos nossos comportamentos, deve tornar-se testemunho vivo aos olhos do mundo nos ambientes e nas estruturas em que a nossa vida se desenrola.
Há duas imagens utilizadas no Evangelho para descrever a maneira pela qual os cristãos são chamados a contribuir para o crescimento do "reino de Deus" na terra: a do sal e a da luz (cfr. Mt 6,13-16.).Tanto o sal como a luz não existem em função de si mesmos, mas em relação ao que é outro de si mesmo.
Fora da metáfora, os cristãos são chamados para humanizar o mundo experimentando a proximidade com os homens e mulheres do nosso tempo e compartilhando a sua jornada. Como lemos na Gaudium et spes: "As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, dos pobres especialmente e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo, e nada há de verdadeiramente humano que não encontre eco em seu coração".
A imagem do sal que dá sabor ao alimento dissolvendo-se nele encerra em si um convite para que cada crente se sinta parte viva da humanidade, participando de seu caminho com o próprio humilde e tenaz testemunho, sem ser tentado por formas de integrismo ou fundamentalismo fechadas, mesquinhas e eventualmente até mesmo violentas. A imagem do sal é, no entanto, também um lembrete à inteligência crítica da fé, que pode observar a realidade mundana e discernir o que nela existe de autêntico, de honesto e de limpo, que sabe como manter vivo o gosto e o desejo de coisas genuínas, boas, belas e verdadeiras. Uma fé inteligente, não crédula ou superficial; uma fé que não se deixa homologar e fagocitar pelas seduções do mundo, que está sempre pronto para recorrer ao seu bem abastecido arsenal de lisonjas apenas para nos fazer desviar da novidade exigente, mas abençoada, do evangelho.
Como aquela do sal, também a imagem da luz deve ser entendida na sua função relacional e, a diferença do sal, que age de forma encoberta, a luz fala em visibilidade. Uma visibilidade que não nasce do desejo de aparecer ou da busca pela admiração e pelos aplausos dos outros, mas que é o resultado de um compromisso de viver a própria fé de maneira humilde, coerente e alegre, a serviço da vida e da aquisição da verdadeira liberdade. Essa consciência é hoje mais do que nunca necessária. Em um mundo em que a fé cristã precisa se confrontar não apenas com hostilidades abertas, mas também com um ambiente difuso de pseudo-luzes efêmeras, que prometem felicidade, mas que na realidade transmitem paixões tristes, incapazes de preencher a existência humana com um sentido duradouro, a vocação do cristão permanece a de buscar em primeiro lugar o "reino de Deus e a sua justiça" (Mt 6:33), e de anunciar e viver o Evangelho sem se sentir envergonhado e sem se deixar intimidar por um clima cultural indiferente ou de desconfiança.
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Que venha o Reino. Assim lá em cima, como aqui embaixo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU