13 Julho 2017
"O estatuto da representação indireta, a democracia limitada pelo voto massivo, mas sem a capacidade de veto, está explícita em suas manobras e tramoias. O Planalto, de forma escancarada, modifica 20 deputados da Comissão de Constituição e Justiça, repito, 20 deputados de um universo de 66", alerta Bruno Lima Rocha, professor de ciência política e de relações internacionais .
O momento político brasileiro caracteriza a ditadura de classe no país e é uma aula explícita do ato de legislar em causa própria, logo, atendendo o próprio interesse. A representação através da democracia indireta é desde as chamadas “revoluções liberais inglesas” (como a de 1648 e a invasão de 1688) o instrumento político da ascensão de uma classe. Parece manual de política, e é. Vejamos o exemplo no Brasil atual.
Na noite de terça-feira 11 de julho de 2017, por 50 votos a 26 (e uma abstenção), o Senado Federal aprovou a “reforma” – contrarreforma seria o termo, regressão ou restauração – trabalhista. Tal “reforma” teve como cabeça de ponte o Projeto Lei do deputado federal do SD da Bahia, Arthur de Oliveira Maia, aprovado pela Câmara Federal ainda presidida por Eduardo Cunha, em abril de 2015 (Ver aqui). O PL foi uma releitura das chamadas MPs da Terceirização sem fim e do “rigor” no seguro desemprego, abonos e concessões, de número 654 e 655 e já tramitando no fatídico segundo governo Dilma. No PL de Arthur Maia, a votação foi, na Câmara, de 324 votos a favor da terceirização ilimitada e 137 votos contrários. Esta conta é fundamental. A base de Cunha, o “baixo clero” empoderado e com altivez da “autonomia e independência do Poder Legislativo”, tem a condução política em suas mãos.
Quem se recordar da sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) de dezembro de 2015, quando a suprema corte foi chamada a arbitrar o rito do impeachment orquestrado por Cunha como chantagem institucional (algo confessado pelo próprio presidente Michel Temer em rede nacional, ver aqui), vai lembrar da fala profética do ministro José Dias Toffoli afirmou que se o governo não tiver 172 votos, logo não tem como seguir governando. Por decreto, foi instaurado o semi-parlamentarismo no Brasil. O Parlamento, como espelho da pirâmide social brasileira através da representação de classe, absorveu a pauta do golpe branco, optando pela super-exploração interna e a subordinação externa. Nada mais “naturalizado” na colonialidade do Bananão.
Vale observar a tragédia em três atos e a conclusão que segue.
A situação é realmente explícita, "pornográfica" parafraseando Nelson Rodrigues. O presidente da república foi eleito e reeleito com Dilma Vana Rousseff. Portanto, minimamente, Temer chegou ao cargo após o golpe parlamentar antes eleito através de um programa de pleno emprego, de pacto de classes e um Estado Liberal-Periférico com opção pelo crescimento econômico. Logo, foi eleito com outro programa. Chegou ao poder através de uma manobra clássica, onde um efeito Café Filho (o vice que ajudou a derrubar Getúlio Vargas em 1954 e não aguentou o rojão cardíaco antes do final de seu mandato) de Temer - através de carta magoada e "vazamento" plantado pelo whatsapp - foi ao encontro do empresariado nacional, apontando para a super-exploração interna.
Ou seja. O estatuto da representação indireta, a democracia limitada pelo voto massivo, mas sem a capacidade de veto, está explícita em suas manobras e tramoias. O Planalto, de forma escancarada, modifica 20 deputados da Comissão de Constituição e Justiça, repito, 20 deputados de um universo de 66. Nos corredores de Brasília e a Globo surfando no fontismo, a audiência nacional sabe que a cotação deste posto oscila em torno de R$ 8 milhões de reais em liberação de emendas. A vaga na CCJ pertence aos partidos, logo, às lideranças das bancadas e seu compromisso fisiológico no apoio do governo ilegítimo. Simples assim, escancaradamente assim.
Quando afirmamos a ditadura de classe, não se trata de observar um caráter monolítico da classe dominante do Brasil - incluindo as famílias controladoras dos conglomerados de mídia -, as elites estamentais do Estado brasileiro (com ênfase nas carreiras do Judiciário e MPF), a presença do capital transnacional - antes que nada a versão do capital fictício, deitando e rolando na renda fixa, 'nacional' e internacionalizado - e o serviço diplomático da Superpotência (EUA). Observamos sim, um único consenso, o conjunto das leis regressivas, agora com ênfase na "reforma" trabalhista.
A coesão ideológica aponta para um programa absurdo, jamais aprovado na urna e que reflete a sanha dos neoliberais no Brasil. Por diversas vezes afirmei a tradição dos Chicago Boys na América Latina, e esta se propalou, construindo um ideário de 'elites neoliberais', compostas tanto por consagrados economistas ou de áreas afins seguindo nas portas giratórias - como na escuta do boletim Focus, objeto brilhantemente estudado pelo estudante Ricardo Camera - como por propagandistas midiáticos, a exemplo dos infalíveis pró-mercado Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg.
Se há algum elo de força nisso tudo, é a certeza de que o momento aponta para uma ascensão de elites neoliberais por em cima da jogatina dos oligarcas de sempre. Não que os oligarcas de sempre não sejam também ocasionalmente pró-mercado, ou em último caso, a favor da super-exploração interna e a subordinação externa. Tampouco implica em safar as elites neoliberais das práticas do capitalismo brasileiro – como, por exemplo, o empresariado da FIESP - mas identificar que este discurso herdeiro do Consenso de Washington é visto como "modernizador" enquanto a prática real de governabilidade oligárquica é taxada de "atrasada".
No curtíssimo prazo, o Estado brasileiro segue sendo sequestrado pelo capital fictício e especuladores, vide a resolução do CARF favorável ao perdão de R$ 25 bilhões em pagamentos de impostos do Itaú (ver aqui); o empenho do orçamento federal para pagar amortizações e juros da dívida pública; e os efeitos diretos da MP 55 (do fim do mundo) já percebidos no corte de recursos dos ministérios, escasseando as condições de custeio de várias pastas. Logo, havendo troca na Presidência, considerando o prazo previsto de 180 dias para o possível afastamento de Michel Temer para investigação e o tempo posterior para Eleições Indiretas, e estando Rodrigo Maia (DEM-RJ) no Executivo, nenhum destes aspectos tenebrosos acima deve ser alterado. Assim, a reconstituição do "centro da política", contando com a inusitada auto-candidatura do ex-ministro Aldo Rebelo (ainda no PC do B), passa bem longe dos arranjos de um governo de "transição" composto por oligarcas não tão oligárquicos supostamente aliados de ocasião com parlamentares apoiadores do governo deposto. A queda de Temer - ainda incerta - pode ser uma boa forma de ganhar tempo para postergar o desmonte dos direitos sociais - como evitando o avanço da dilapidação da Previdência assim como está ocorrendo com a CLT -, mas é só.
Escrevo este texto em plena sessão da CCJ. Logo, é preciso ir além da conjuntura do tempo imediato. Entendo que é possível reverter a perda de direitos, ao menos de forma parcial. Mas para isso é necessário crer menos no mecanismo da Ditadura de Classe no Parlamento e acreditar mais no Jogo Real da Política e no acúmulo de forças através da base da pirâmide social. Isso implica, necessariamente, um mergulho no Brasil profundo, no país metropolitano atingido pela explosão de consumo no período Lula-Dilma e socialmente organizado – quando o é – pelo pior do conservadorismo. Se vale a analogia com a década de ’50, nos dez anos posteriores ao suicídio de Getúlio Vargas como processo do golpe de 1954, o país jogou seu destino. E, na ocasião, nosso povo pagou o preço pelo reboquismo fundamentado no sistema de crenças do inimigo interno, aliado da Superpotência, e defensor ardoroso da condição de colonialidade e subordinação. Temos muito, muito a fazer em um intervalo de tempo cada vez mais curto.
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Ditadura de classe, golpe branco e o início do fim dos direitos sociais no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU