22 Junho 2017
A revista jesuíta analisa a lei aprovada pela Câmara. Considera nutrição e hidratação artificiais práticas recusáveis. Assim, no Vaticano avança a revolução sobre os ex- princípios não-negociáveis.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada por Lettera 43, 19-06-17. A tradução é de Luisa Rabolini.
A lei sobre as "disposições antecipadas de tratamento" (Dat), ou seja, a nova versão do testamento biológico, já aprovada pela Câmara e agora em exame no Senado, recebeu o parecer positivo de Aggiornamenti sociali, a revista dos jesuítas italianos, que frequentemente manifesta-se sobre as questões políticas mais relevantes e delicadas. Foi, de fato, considerada uma mediação adequada entre as diferentes prerrogativas, solução equilibrada que, portanto, pode ser compartilhada. A posição tomada pela direção, com o aval do "grupo de estudo em bioética", é um ponto de virada.
O mundo católico sai da cidadela fortificada dos princípios não-negociáveis adotados como um dogma político-teológico das últimas décadas, para dar um consenso fundamentado e inclusivo a uma lei esperada há muitos anos na Itália e que, aliás, ainda nem foi aprovada. Mas parece que, por várias razões, a posição expressa por Aggiornamenti sociali será destinada a pesar na continuação do debate e do processo legislativo. É uma "luz verde" que fala inevitavelmente pelo menos a uma parte do mundo católico envolvida na política e que se posiciona transversalmente nos vários grupos parlamentares.
Em resumo, é explicado no longo artigo, "o projeto de lei promove a consciência da complexidade das questões, afirma o princípio do consentimento aos tratamentos e a rejeição de qualquer obstinação terapêutica além do razoável, estabelece uma relação entre médico e paciente centrada no planejamento antecipado do tratamento e não se alinha a desvios em favor da eutanásia".
Por outro lado, o projeto avançou levando em conta as diversas orientações presentes no nível político, foi objeto de emendas e discussões acaloradas; por exemplo, fica estabelecido que frente a progressos no campo médico tais a induzir o médico a tomar uma escolha diferente da exigida nas Dat, isso fica permitido; mas trata-se sempre de exceções dentro de um quadro normativo bastante coerente.
Quem trabalhou exaustivamente na redação de um texto que levasse em conta também as prerrogativas católicas foi o deputado Mario Marazziti, ex-porta-voz da Comunidade de Sant'Egidio, Presidente da Comissão dos Assuntos Sociais da Câmara, que entrou no Parlamento com o grupo centrista ligado ao ex-presidente Mario Monti, agora disperso em várias correntes. De fato, justamente com o governo Monti, o professor Andrea Riccardi, historiador e fundador da Sant'Egidio, ocupou o cargo de Ministro da Cooperação Internacional e Integração, enquanto agora Mario Giro, outro expoente da Comunidade com sede em Roma, é vice-ministro das Relações Exteriores do governo Gentiloni.
Mas, além da bancada política conta a do Vaticano. Outro dos fundadores de Sant'Egidio, monsenhor Vincenzo Paglia, foi nomeado pelo Papa Francisco presidente da Pontifícia Academia para a Vida, organização que até poucos anos atrás era o "ministério do Não" do Vaticano em matéria de bioética, o dicastério que mantinha, com intransigência inapelável os princípios não-negociáveis. Isso, como veremos, tem sua importância; mas vamos prosseguir gradualmente.
A Nia é uma intervenção médica e não escapa ao juízo de proporcionalidade. Às vezes não é mais suficiente para garantir nutrição ao paciente ou para aliviar seu sofrimento
No texto publicado por Aggiornamenti sociali existe um ponto destinado a derrubar as certezas dos posicionamentos católicos mais fechados em matéria, que diz respeito à hidratação e nutrição de pacientes em coma. Está presente na memória que foi justamente a equiparação desses dois fatores a terapias médicas – e, como tais, passíveis de serem interrompidos – que estava na base dos violentos protestos no caso de Eluana Englaro por alguns bispos e grupos fundamentalistas; os tribunais decidiram então reconhecer a vontade da jovem que era precisamente aquela de não permanecer em vida artificialmente em estado vegetativo (que durou 17 anos).
Na revista da Companhia de Jesus é publicado: "Uma questão controversa diz respeito à alimentação e hidratação artificiais (Nia), que o projeto de lei inclui entre os tratamentos que podem ser rejeitados nas Dat ou no planejamento antecipado". Na reflexão católica "muitas vezes afirmou-se que estes meios são sempre obrigatórios; na realidade, a Nia é uma intervenção médica e técnica e, como tal, não escapa ao juízo de proporcionalidade. Nem se pode excluir que, por vezes, não seja mais suficiente para atingir o objetivo de garantir nutrição ao paciente ou alívio do sofrimento. O primeiro pode resultar em decorrência de doenças oncológicas terminais; o segundo em um estado vegetativo que se estende indefinidamente, caso o paciente tenha declarado anteriormente tal procedimento como sendo não aceitável. Uma vez que não é possível excluir que, em casos como estes, o Nia torne-se um tratamento desproporcional, a sua inclusão entre os tratamentos recusáveis está correta". E este é precisamente o âmago da virada (o segundo caso, o estado vegetativo que se prolonga indefinidamente foi justamente o de Eluana Englaro), que, por outro lado, aceita tudo que a medicina e a ciência consideram adequado há algum tempo.
Também é interessante a composição do grupo de estudo sobre bioética de Aggiornamenti sociali que elaborou o parecer sobre a lei relativa às disposições antecipadas de tratamento. Participa dele dom Maurizio Chiodi, teólogo da Faculdade Teológica da Itália setentrional de Milão e novo membro da Pontifícia Academia para a Vida, Alberto Giannini, chefe de terapia intensiva pediátrica na Policlínica de Milão, dom Pier Davide Guenzi, docente de Teologia Moral na Faculdade de teologia de Milão, Mario Picozzi, médico legista, Massimo Reichlin, filósofo da Universidade Vita-Salute San Raffaele de Milão, o jesuíta Giacomo Costa e Paolo Foglizzo, respectivamente diretor e editor de Aggiornamenti sociali. Observa-se, portanto, uma frente médico-teológica de fato alternativa ao que há muito tem dominado a cena pública e eclesial, capaz, sobretudo, de trabalhar para encontrar o famoso "ponto de equilíbrio" entre as diferentes visões, ou seja, negociando justamente no mérito de problemas complexos que atingem crentes e não-crentes.
É aqui que também desempenha o seu papel a nova Pontifícia Academia para a Vida para a qual o próprio Papa Francisco nomeou 50 membros, incluindo cinco ad honorem (33 confirmações de membros anteriores e 17 nomes novos, três não-cristãos), excluindo alguns dos teólogos mais conservadores; ao mesmo tempo, a instituição foi dotada de um novo estatuto em base ao qual, entre outras coisas, a nomeação de acadêmicos não é mais vitalícia, mas renovável a cada cinco anos, enquanto entre os dicastérios vaticanos com quem irá colaborar, desapareceram a Congregação para a doutrina da fé (seu lugar foi tomado pela Secretaria de Estado), e o da cultura e educação católica; além disso, há uma abertura ao confronto com estudiosos “não-católicos e não-cristãos” empenhados na defesa da dignidade humana, enquanto é dado espaço às implicações sociais, econômicas e ecológicas relacionadas ao tema da vida.
Não só isso, se o presidente é Dom Paglia, também faz parte do Conselho de diretor da Academia, o reitor do Pontifício Instituto João Paulo II para a família e o matrimônio, ou seja, monsenhor Pierangelo Sequeri, também nomeado pelo Papa Francisco, teólogo que se posiciona ao lado de Bergoglio em favor de uma leitura não rigidamente dogmática do magistério sobre a família, defensor de comunhão para divorciados recasados civilmente, e mais geralmente de uma renovação nesse âmbito. A instituição inicia seus trabalhos com o novo formato em outubro de 2017 (de 5 a 7) quando, na presença do Papa, está marcada a assembleia geral ordinária da nova Pontifícia Academia para a Vida.
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Igreja, vestígios de uma virada histórica sobre o testamento em vida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU