10 Junho 2017
“A revolução sexual e o Vaticano II foram uma libertação do “controle parental”, o que para muitos resultou no surgimento repentino de uma adolescência psicológica plena com todo o seu risco assumido, experimentações desinibidas e falta de um sentido plenamente desenvolvido de responsabilidade. Consequentemente, dos que não deixaram a vida clerical, muitos, sem uma interioridade desenvolvida, ou caíram dentro de um liberalismo adolescente, ou colapsando sob as novas exigências adultas da liberdade, recuaram para dentro de um conservadorismo reacionário. Outros cresceram e adotaram novos modos de ser “celibatário”. Encontra-se a má-conduta sexual clerical dentro desses três grupos. Além disso, muitos das vítimas desta conduta imprópria ainda vivem hoje, mas permanecem desconhecidos; e a maior parte nunca falou de suas experiências”, escreve Stephen de Weger, doutorando na Queensland University of Technology, Brisbane, na Austrália, em artigo publicado por Eureka Street, sítio eletrônico da Companhia de Jesus na Austrália, 06-06-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Stephen de Weger desenvolve seu projeto de pesquisa pretendendo explorar as crenças subjacentes que influenciaram a Igreja a não relatar às autoridades civis alegações de abuso sexual clerical, bem como procura estudar as respostas que a Igreja dá às vítimas que denunciam as práticas de abuso. Weger espera incluir as convicções tanto das vítimas e sobreviventes quanto do clero em geral.
À luz do Sínodo dos Bispos proposto para 2020, há uma questão que, se não for incluída, pode vir a ser um fracasso total para a hierarquia católica atual.
Por mais desagradável que possa ser, se o Sínodo não se voltar a um outro problema que ocorre na Igreja – o da atividade sexual clerical e a má-conduta nesse campo –, as suas esperanças podem muito bem cair por terra antes mesmo de serem discutidas.
Tal atividade sexual pode ser vista de várias maneiras. Ainda que possa ser considerada uma expressão profundamente humana e espiritual do amor entre um celibatário e um outro indivíduo compreensível, a atividade sexual vem sendo também descrita e vivenciada como “equívocos” ou “experimentações” no trajeto ao celibato; como resultado de celibato obrigatório; como uma má-conduta sexual profissional; como um assédio sexual/indecente; ou simplesmente como abuso de poder, ou abuso espiritual.
Independentemente de como se a percebe, a atividade sexual entre o clero e adultos acontece e deve ser abordada. Ela não apenas acontece, mas pesquisas mostram que “os clérigos são mais propensos a se envolver em má-conduta sexual com adultos do que com menores”.
Um motivo por que os católicos acham a realidade dos abusos sexuais infantis algo difícil de aceitar foi que, durante décadas, os casos foram mantidos em segrego para evitar escândalos. Proibições canônicas, acobertamentos, ameaças de boicote dos meios de comunicação e mesmo chantagem entre o clero asseguravam que o público não ouvisse sobre as atividades sexuais de padres e religiosos.
Mesmo se houvesse suspeitas, poucos tinham a linguagem com a qual nomear e discutir o assunto, como Mary Gail Frawley-O’Dea descreve em seu artigo de 2004 intitulado “Anatomia psicossocial do escândalo de abusos sexuais católicos”, com padres “estuprando freiras, padres vivendo com amantes, padres masturbando-se regularmente, padres morrendo de Aids, padres praticando sodomia com crianças, padres afogando a solidão nos braços da mulher ou do homem amado”.
Mais que isso, um tal debate era tabu. Mas então vieram a revolução sexual e o Vaticano II, sem mencionar uma imprensa menos “assustada”.
Em 1992, uma psicóloga que trabalhara para o clero, Sheila Murphy, escreveu um livro pouco conhecido intitulado “A Delicate Dance: Sexuality, Celibacy and Relationships Among Catholic Clergy and Religious” (Uma dança delicada: sexualidade, celibato e relações entre o clero e religiosos católicos, em tradução livre).
Uma das conclusões a que Murphy chegou com base nas histórias de 236 religiosas e 97 padres e religiosos foi que a revolução sexual da década de 1960, juntamente com a “abertura da janela” do Vaticano II, desempenhou uma parte importante no aumento da atividade sexual clerical com adultos, com os picos desta atividade nas décadas de 70 e 80.
A revolução sexual e o Vaticano II foram uma libertação do “controle parental”, o que para muitos resultou no surgimento repentino de uma adolescência psicológica plena com todo o seu risco assumido, experimentações desinibidas e falta de um sentido plenamente desenvolvido de responsabilidade. Consequentemente, dos que não deixaram a vida clerical, muitos, sem uma interioridade desenvolvida, ou caíram dentro de um liberalismo adolescente, ou colapsando sob as novas exigências adultas da liberdade, recuaram para dentro de um conservadorismo reacionário. Outros cresceram e adotaram novos modos de ser “celibatário”. Encontra-se a má-conduta sexual clerical dentro desses três grupos. Além disso, muitos das vítimas desta conduta imprópria ainda vivem hoje, mas permanecem desconhecidos; e a maior parte nunca falou de suas experiências.
Todo gráfico que retrate os casos de abusos sexuais clericais contra crianças mostra um pico nos anos 70 e 80. Este ponto alto é esperado em consequência do período pesquisado, da idade das vítimas e da nova abertura para se informar os casos acontecidos. O meu próprio estudo sobre abusos clericais em adultos, no entanto, mostrou o mesmo pico no número de incidências.
Embora mais estudos sejam necessários, e embora reconhecendo a realidade de um número baixo de casos que são relatados, suspeito de que este auge, encontrado em meu estudo, esteja relacionado à revolução sexual e às reformas do Vaticano II, como sugere Murphy. Simplesmente descartar esta possibilidade por medo de ser percebido como conservador ou carente de compaixão não contribui para uma compreensão possivelmente mais completa do problema.
Não podemos simplesmente ignorar a realidade de que, nesse período, a sociedade, incluída a Igreja, passava por uma “diáspora” de séculos de controle centralista e policiamento. Só podia se esperar uma oscilação pendular severa para com as restrições anteriores, e muitos clérigos participaram totalmente dessa oscilação. Mas em que sentido ocorreu esse movimento?
De acordo com o evangelho dos revolucionários sexuais, escreve Murphy, “a liberdade para com as inibições sexuais era a resposta a todos os males sociais (...) sexo bom levaria à intimidade instantânea; sexo bom aliviaria a solidão; sexo bom eliminaria as tensões interpessoais”. Como essa nova psicologia social, sustentada por santos seculares da liberdade sexual como Kinsey, Masters, Johnston e Hite, não seria atraente a muitos membros do clero que tinham vivido sob as repressões da sexualidade vitoriana e vaticana?
A questão é que, muito embora a revolução fosse necessária, muitos clérigos na época também caíram nos braços estendidos das promessas emocionais da promiscuidade sexual, atadas fortemente à espiritualidade sexualizada, ou à sexualidade espiritualizada, impulsionada por um mantra do tipo “ame e então faça o que quiser”, pois, afinal de contas, “Deus é amor”. Infelizmente, segundo as vítimas/os sobreviventes da má-conduta sexual clerical, este novo mantra liberal desintegrado foi, em geral, a maior “cantada” usada por clérigos malcomportados, ou foi usada como uma maneira de justificar as suas experimentações.
O que até este momento a Igreja e quase todo mundo ignorou é que, para cada clérigo sexualmente ativo, havia e há uma outra pessoa envolvida. Por muitas vezes, esses homens e mulheres reais foram tomados como um efeito colateral; como “equívocos” ou “experimentações” do clérigo em sua caminhada para o celibato, ou mesmo para a sua rejeição; a versão delas do que ocorria raramente era válida ou incluída na discussão.
Hoje, quando os bispos são forçados por comissões da verdade e pela exposição na imprensa a lidar com a realidade dos abusos clericais contra crianças, eles não podem mais ignorar os casos que envolvem adultos. A menos que a Igreja – a sua hierarquia, o clero e os religiosos, conservadores e progressistas, gays e héteros, etc. – se empenhe, neste momento, para remover este grande problema que lhe ocorre, toda tentativa do Sínodo de 2020 para “deter a correnteza, reviver a esperança e definir uma visão” irá ser ignorada.
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Vaticano II, a revolução sexual e a má-conduta sexual clerical - Instituto Humanitas Unisinos - IHU