02 Mai 2017
"A melhor coisa da visita do Papa Francisco ao Egito é o acordo com o papa copta para o reconhecimento recíproco entre as duas Igrejas. Ao longo do tempo, isso poderia levar a Igreja egípcia, por exemplo, a aprovar os casamentos entre coptas e católicos até agora negados”, diz ao Corriere o escritor Ahmed Nagi.
A reportagem é de Viviana Mazza, publicada no jornal Corriere della Sera, 30-04-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Mas, nas mídias sociais, eu li muitos comentários contra o papa, não só da partes dos islamistas ou defensores da Irmandade Muçulmana, mas também de alguns coptas que, durante toda a vida, consideraram os católicos como infiéis e não aceitam uma reconciliação. Em geral, além disso, muitos egípcios julgam-na como uma visita política, em nada diferente à dos líderes europeus que apoiam Al-Sisi.”
Em 2016, Nagi foi o primeiro escritor egípcio a acabar na prisão por causa de um livro, “Vita: istruzioni per l’uso” [Vida: instruções de uso] (Ed. Il Sirente), declarado como imoral e obsceno. O Supremo Tribunal egípcio o libertou, mas ele espera pelo veredito final, no dia 7 de maio.
Por que a visita do papa é vista como política?
O regime e a mídia a apresentam como uma vitória contra o terrorismo, útil para limpar o Egito da imagem dos contínuos atentados contra os cristãos. A segurança fracassou ao protegê-los, mas agora mostra que sabe proteger o papa. Além disso, o pontífice veio em um momento em que Al-Sisi está atacando o Judiciário: ele acaba de mudar a lei e agora tem a autoridade para escolher os juízes. Assim, por exemplo, poderá impedir que Yahya Dakroury, o juiz que declarou que as Ilhas de Tiran e Sanafir são egípcias [Al-Sisi queria cedê-las aos sauditas], torne-se o chefe do Conselho de Estado, um dos tribunais aos quais os cidadãos podem apelar contra o governo. Será Al-Sisi quem vai escolher quem assumirá aquele lugar.
O que você acha do encontro com o imã de Al-Azhar?
O imã Al-Tayeb está em uma situação muito crítica. Al-Sisi quer reformar a Al-Azhar e colocá-lo para fora. Na próxima semana, será discutida uma lei que dá ao presidente e ao Parlamento o poder de nomear o grão-imã. Nas últimas duas semanas, as TVs de Estado convidavam Al-Tayeb a renunciar, porque fracassou ao combater o terrorismo. Em vez de criticar as falhas da segurança ao proteger as igrejas, o regime usa o terrorismo para atacar juízes e a Al-Azhar. Assim, Al-Tayeb busca apoio no exterior: por isso convidou o papa. Há alguns anos, ele quis a divisão com o Vaticano, mas agora que é criticado pelo governo vai à Europa, à Nigéria, à Ásia, para mostrar ao regime que tem contatos importantes.
Como julga a reforma em discussão para a Al-Azhar?
É uma luta de poder. O que eu considero perigoso é que a Universidade de Al-Azhar, desde os tempos de Nasser, não é mais um lugar de debate entre ideias diferentes, mas uma autoridade que decide o que é o “verdadeiro Islã” e o que não é. E, com a reforma, vai continuar assim. No Islã que eu conheço, não existe um papa. Cada muçulmano é livre para ler o Alcorão e os hadiths, mas a Al-Azhar, por exemplo, proibiu as práticas xiitas. Os religiosos e a Al-Azhar são mais perigosos do que o Exército: pelo menos, este último deve prestar contas às leis, enquanto que, se um xeique ignorante diz que você escreveu um livro blasfemo, você pode acabar esfaqueado, como Naguib Mahfouz.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"Al-Sisi explora Francisco para se legitimar." Entrevista com Ahmed Nagi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU