Por: Nivaldo Arruda (Paulo Borges) | 27 Abril 2017
“A dialética radical do negro brasileiro foi a sua resistência ao escravismo”. Foi com essa reação à tese de Gilberto Freyre (1900-1987) que, no dia 18 de abril, o professor Ivo Pereira de Queiroz (UTFPR) iniciou sua exposição pelo ciclo de debates e vivências Negritude, Branquitude e Novos Olhares, com o tema: Na Contramão da Casa-Grande e Senzala: Movimento Negro e Libertação, oferecido pelo CEPAT a ativistas do movimento negro, jovens, estudantes e professores de Curitiba e região, em parceria com a Associação Cultural de Negritude e Ação Popular (ACNAP), Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Curitiba (SISMUC) e apoio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Momento de abertura do ciclo de debates, no início deste ano (Foto: Viviane Aparecida F. de Lara Matos)
O assessor fez uma análise crítica do pensamento/tese de Freyre que culminou, mais tarde, no mito da “democracia racial” como forma de traduzir as relações raciais no Brasil. O texto contido nas páginas do clássico Casa-Grande e Senzala, publicado originalmente em 1934, fez de Freyre um dos mais importantes teóricos do processo escravista brasileiro, numa perspectiva harmoniosa entre o “senhor de engenho” e escravizados.
Mas, ao contrário do que preconizava o pensamento de Freyre, essas relações eram demarcadas pelos conflitos ou levantes de negros, tidos como respostas ao processo, uma vez que o tratamento dispensado aos escravizados era de extrema crueldade e violência, através de castigos e maus-tratos aos quais eram submetidos, mas que se mostravam ineficientes e contraproducentes, pois obtinham como resposta mais “indisciplina”.
Assim, os “senhores” escravocratas brasileiros recorriam a um método que tem origem no sul dos Estados Unidos, cujo período data do século XVIII, anacronicamente, atribuído a William Lynch (1817-1862) (dizem que o termo “linchamento” é originário do seu sobrenome). Este desenvolveu novas técnicas no trato com o escravizado, que consistia usar as diferenças existentes entre o grupo estabelecendo conflitos entre eles, uma alimentação em pequenas porções que fosse o suficiente para mantê-los com disposição para o trabalho e aplicação de castigos físicos leves, também para preservar a força física. Ao mesmo tempo, trabalhando mais o psicológico do “escravo” como uma forma de anular valores e humanidade, reduzindo-o cada vez mais a “coisa”, peças convertidas em mercadorias e negociadas como se fossem animais.
Entretanto, o escravizado, por sua vez, também buscava novas formas de resistência, embora sem ter conhecimento de que tais técnicas também existiam nos Estados Unidos, atribuídas a Henry David Thoreau, nascido em Concord, estado de Massachusetts, com formação em Harvard, que foi um filósofo e ensaísta que, após passar uma noite na prisão, ao se recusar pagar um imposto, escreveu um dos seus ensaios mais conhecidos e mais influentes: Desobediência Civil, publicado originalmente com o título Resistência ao Governo Civil.
A abordagem não violenta de Thoreau inspirou muitos líderes de movimentos de protestos em todo mundo, como, por exemplo, Mahatma Gandhi, em sua luta pela independência da Índia, Martin Luther King Jr., no movimento pelos direitos civis americanos e a resistência de Nelson Mandela contra a política do Apartheid, na África do Sul. Portanto, no Brasil, não poderia ser diferente, tal resistência também aconteceu contra o regime escravocrata na colônia e continuou sendo praticado pelo povo negro no pós-colônia e abolição.
No entanto, é preciso lembrar que o negro brasileiro herdou de todo esse processo o trauma psicológico que foi introjetado no seu subconsciente, tal como o texto contido na chamada carta de Lynch: “O escravo negro, após receber esse doutrinamento ou lavagem cerebral, perpetuará ele mesmo, e desenvolverá esses sentimentos que influenciarão seu comportamento durante centenas, até milhares de anos, sem que precisemos voltar a intervir. A sua submissão a nós e à nossa civilização será não somente total, mas também profunda e durável” (LYNCH, 1712).
Logo, hoje, segundo o professor Ivo, é comum setores do povo negro assumirem o projeto da ideologia do embranquecimento: pensamentos de quanto mais preto, pior. Quanto mais branco, melhor. Ou ainda: é horrível ser negro no Brasil. Além disso, baseado no pensamento/tese de Frantz Fannon, o professor Ivo interpretou que “o povo negro brasileiro busca desesperadamente alguma máscara branca”, buscando cada vez mais disfarçar o cabelo; miscigenar; evitar parentes negros, ou simplesmente, quando se propõe discutir relações raciais, fingir que a conversa não é com ele.
O movimento de resistência negra não é uma ação isolada, mas sempre teve, em períodos e realidades diferentes, um único objetivo: a busca de liberdade. Assim, tivemos no plano internacional a Revolução do Haiti, com Toussaint Louverture, visando a Independência do Haiti; na França, o sentimento de negritude com Aimé Cezaire e Frantz Fannon. Nos Estados Unidos, nomes como W.E.B. Du Bois, Martin Luther King, Malcolm X, Muhammad Ali e o grupo Panteras Negras que direcionou suas ações em prol dos direitos civis americanos.
Na África do Sul, a luta contra o Apartheid e uma consciência multirracial envolveu Nelson Mandela, Mirian Makeba e Steve Biko. No Brasil, contamos com as Comunidades Remanescentes de Quilombos, presentes em todo território nacional. Palmares, em Alagoas, Jabaquara, Ambrósio, Sutil, João Surá, Paiol de Telha e Palmas, no Paraná, para citar alguns. Além disso, cabe lembrar importantes revoltas, como a dos Alfaiates, a da Chibata, com João Candido e os Marinheiros Negros, e a dos Malês, com Luiza Mahin.
É bom lembrar também nomes de ativistas abolicionistas como André Rebouças, José do Patrocínio e Luiz Gama. No pós-abolição, o movimento de resistência foi protagonizado pela Imprensa Negra, dos anos de 1920, Frente Negra Brasileira, em 1930, O Teatro Experimental do Negro (TEN), em 1944, com Abdias Nascimento.
Também há enfrentamentos recentes como o Grupo Palmares/RS, protagonizado por Oliveira Silveira, que foi o primeiro a pensar a importante data do 20 de Novembro como uma oportunidade para que o Movimento Negro pudesse discutir suas lutas; o Movimento Negro Unificado (MNU) que realizou um ato público na escadaria do Teatro Municipal de São Paulo, convocando homens e mulheres negros para reagir contra à violência racial a qual eram submetidos; o Grupo de União e Consciência Negra (GRUCON), que tem no Paraná uma liderança histórica na figura da sacerdotisa Iyagunã Dalzira Maria Aparecida; a Associação Cultural de Negritude e Ação Popular dos Agentes de Pastoral Negros (ACNAP) e União do Negro pela Igualdade (UNEGRO), que são representações negras da atualidade que continuam à frente da luta por reconhecimento, respeito e espaço na sociedade brasileira.
Não poderíamos deixar de registrar a presença feminina, mulheres negras que fizeram e fazem história, protagonizaram e desenvolveram importantes ações contra o racismo, machismo e intolerância. Nomes como Aqualtune que, segundo alguns estudos, foi avó de Zumbi dos Palmares. Morreu queimada, quando já era idosa; Dandara, grande guerreira na luta pela liberdade do povo negro de Palmares; Luíza Mahin, foi uma protagonista importante na Revolta dos Malês; Carolina Maria de Jesus (1914-1977), semialfabetizada, mesmo assim, escreveu o livro Quarto de Despejos, que vendeu mais de 100.000 exemplares e foi traduzido para treze idiomas; Mãe Menininha do Gantois (1894-1986), iniciada, sempre divulgou o candomblé, explicando sobre a importância do mesmo. Sua vida religiosa foi marcada pela fé e bondade. De grande carisma, Mãe Menininha do Gantois tinha o respeito de personalidades importantes, dentre as quais, Dorival Caymmi, Caetano Veloso, Tom Jobim e Vinícius de Moraes; Tia Ciata – Hilária Batista de Almeida (1854-1924). Tia Ciata era muito respeitada pelos seus conhecimentos de religião e não deixava de comemorar, em sua casa, as festas dos Orixás. Sua casa tornou-se a capital da Pequena África, no Rio de Janeiro e nas cerimônias religiosas. Ao final, sempre se formavam rodas de samba, com a participação de Donga, Heitor dos Prazeres, Sinhô e Pixinguinha, alguns deles ainda desconhecidos como artistas. Segundo alguns registros, o primeiro samba gravado no Brasil, Pelo Telefone, foi composto por Donga em sua casa. E contemporaneamente é bom lembrar também de Beth Carvalho, hoje madrinha de alguns nomes importantes do samba brasileiro.
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Movimento Negro: resistência e libertação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU