25 Janeiro 2017
O presidente da agência de vigilância financeira do Vaticano revelou que a cidade-Estado deu início pela primeira vez a processos contra pessoas acusadas de crimes financeiros já em 2016, no que parece ser um avanço nas reformas do Papa Francisco.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 23-01-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em entrevista ao National Catholic Reporter no dia 10 de janeiro, o presidente da Autoridade de Inteligência Financeira do Vaticano disse que os primeiros processos em 2016 tiveram início sem um anúncio público e que continuarão em ritmo acelerado em 2017.
“O trabalho aí está aumentando e, definitivamente, estamos tendo um avanço nesse sentido”, disse René Brülhart ao falar sobre o processo.
Há tempos a falta de processos contra os acusados de crimes financeiros é uma preocupação dos especialistas internacionais que examinaram o sistema financeiro vaticano.
Embora a agência de vigilância venha divulgando relatórios anuais desde 2012 detalhando possíveis atividades suspeitas, por exemplo marcando 544 atividades com questionáveis em 2015, ainda não havia nenhum processo contra os responsáveis.
Um relatório de progresso emitido em 2015 pela Moneyval, comissão de especialistas em medidas antilavagem de dinheiro e de financiamento do terrorismo, elogiou o progresso feito pelo Vaticano destinados a superar crimes financeiros, porém convidou a cidade-Estado a “trazer resultados eficazes em termos de processos”.
Brülhart não quis dar detalhes sobre os processos judiciais, citando o fato de que a responsabilidade dos procedimentos criminais não é de seu departamento, e sim da promotoria de justiça.
Mas o presidente da agência de vigilância, que falou com o National Catholic Reporter em seu escritório no Vaticano em 10 de janeiro, disse estar confiante nas reformas do sistema financeiro vaticano, que começaram sob o comando de Bento XVI e que foram continuadas e fortalecidas com o Papa Francisco.
“O sistema está funcionando agora”, disse Brülhart, acrescentando que as instituições financeiras do Vaticano estão relatando, de maneira adequada, as atividades suspeitas à Autoridade de Inteligência Financeira, que então repassa os casos possivelmente criminosos ao promotor, Gian Piero Milano.
“Aos poucos, todo o sistema toma um caminho que é, de fato, encorajador. Estamos definitivamente no caminho certo”, disse o presidente da agência, que antes trabalhou como o presidente da unidade de inteligência financeira de Liechtenstein e como vice-presidente do Grupo Egmont, rede mundial de unidades de inteligência financeira que coordena o policiamento das exigências de transparência financeira.
Perguntado sobre o que aconteceu no começo de 2016, quando o Vaticano decidiu que, ao invés de seguir em frente com uma auditoria externa de seu sistema financeiro, iria conduzir uma auditoria interna com a ajuda de uma empresa auditora externa, Brülhart comparou o processo das reformas vaticanas a um negócio familiar que está aprendendo a crescer.
“Primeiro é preciso entender como se está trabalhando em conjunto”, disse ele. “É uma questão de colaboração e coordenação, mas eu acho que um enorme progresso vem sendo feito nesse sentido”.
“Alguns querem ver mudanças rápidas, talvez com razão”, disse Brülhart. “Mas, no final, creio que o que importa é que estamos indo alcançar um sistema sustentável”.
“Às vezes é melhor dar um passo atrás para que poder avançar e refletir sobre o que é o certo, o que é em geral a parte mais fácil, mas também para ver o que está acontecendo de errado”, continuou.
“É um processo”, disse. “E é um processo onde é muito importante (...) se comunicar internamente dizendo por que estamos fazendo isso ou aquilo, e também como estaremos fazendo, o que irá acontecer caso não fizemos desse modo...”.
O processo de auditoria interna está sendo conduzido pelo auditor geral do Vaticano, função que Francisco criou em 2014. O auditor geral reporta-se diretamente ao papa e tem o poder de auditar os livros de registro de quaisquer dicastérios da cidade-Estado. O pontífice nomeou o holandês de nascimento e londrino de formação Libero Milone para o posto em 2015.
Perguntado se Milone estava tendo condições de conduzir o seu trabalho com independência, sem interferência de nenhuma das agências financeiras vaticanas, Brülhart disse: “Temos um estatuto claro e tivemos um outro esclarecimento no ano passado sobre as competências diversas dos diferentes órgãos”.
“Nesse sentido, estamos todos comprometidos com o Estado de direito e ao que é previsto nos estatutos e estruturas jurídicas da Santa Sé”, disse o presidente da agência de vigilância.
Brülhart disse que, embora haja uma grande cobertura da imprensa à oposição que Francisco enfrenta com suas reformas, o pontífice tem também recebido um forte apoio.
“Todas estas reformas (...) não seriam possíveis caso não houvesse um amplo apoio interno para elas e especialmente para a transparência financeira”, declarou.
“Infelizmente, no mundo de hoje somente as más notícias encontram espaço entre o público, não todo o trabalho pesado que é feito de um modo positivo e bastante construtivo”, continuou.
“Com certeza, sempre que mudamos uma coisa ou chegamos com uma coisa nova, nem todos ficam felizes”, disse. “A pergunta é: Será que encontramos um diálogo construtivo? Será que encontramos um jeito comum de executar a vontade do Santo Padre ao fazer este trabalho? Penso que estamos em um bom caminho”.
Brülhart igualmente disse não achar que exista alguma chance de o sistema financeiro do Vaticano voltar a ser como era antes das reformas de Bento e Francisco.
“Temos um objetivo claro, construímos um quadro jurídico amplo e um quadro institucional sólido”, afirmou o presidente da agência de vigilância. “Cabe a nós preencher estes quadros com vida, implementá-los e seguir adiante. De vez em quando é válido olhar para trás e aprender com a experiência, mas estamos, neste momento, principalmente olhando para frente”.
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Vaticano processa crimes financeiros pela primeira vez - Instituto Humanitas Unisinos - IHU