17 Janeiro 2017
"Como os Magos que, ao terem encontrado Jesus, voltaram aos seus países por outros caminhos, assim sucede" com as pessoas "separadas ou divorciadas que estejam vivendo um novo relacionamento", pois "às vezes, depois de uma longa e tortuosa viagem, encontram Cristo, que lhes dá um futuro, mesmo quando lhes é impossível voltar pelo mesmo caminho de antes". É o que se lê nas primeiras linhas de um documento que foi publicado em 14 de Janeiro de 2017, assinados por dois bispos malteses, Charles Scicluna (arcebispo de Malta e que foi promotor de justiça da Congregação para a Doutrina da Fé) e Mario Grech (da Ilha de Gozo). A nota contém orientações pastorais concretas dirigidas a sacerdotes para que apliquem a exortação apostólica pós-sinodal "Amoris laetitia", sobretudo o oitavo capítulo dedicado às famílias feridas, e ao acompanhamento e discernimento das situações. O texto dos dois bispos foi significativamente publicado pelo "L'Osservatore Romano".
A informação é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 14/01/2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Antes de mais nada, os dois bispos recordam que "nosso ministério pastoral para as pessoas que vivem em situações familiares complexas é o ministério da Igreja, que é mãe e mestra. Nós, os presbíteros, temos o dever de iluminar as consciências com o anúncio de Cristo e do ideal do Evangelho. Ao mesmo tempo, também temos o dever de, seguindo os mesmos passos de Cristo, exercer ‘a arte do acompanhamento’ e nos tornarmos uma fonte de confiança, esperança e integração para aqueles que pedem para ver Jesus (cfr. João, 12, 21), particularmente entre as pessoas mais vulneráveis".
"Quando encontramos ou nos inteiramos de pessoas que se encontram em situações chamadas ‘irregulares’ - assim está no documento - devemos nos comprometer a entrar em diálogo com elas e conhecê-las em um clima de amor verdadeiro". E se estas pessoas "manifestam o desejo ou aceitam empreender um processo sério de discernimento pessoal acerca de sua situação, acompanharemos elas de bom grado e com muito respeito, cuidado e atenção" fazendo com que se sintam "parte da Igreja. Neste processo", continuam os dois bispos, "a nossa tarefa não é simplesmente a de dar permissão para que essas pessoas acessem os sacramentos, oferecer 'simples receitas' ou substituir a consciência delas, mas a tarefa de ajudá-las pacienciosamente a formarem e iluminarem a si mesmas para que sejam elas próprias a tomar uma decisão sincera diante de Deus e para que façam o melhor possível".
Depois de terem convidado aqueles que vivem juntos ou que estão casados civilmente (sem ter um matrimônio fracassado em seu passado) para a atenção pastoral, a nota dos bispos Scicluna e Grech encara a temática das pessoas que voltaram a se casar. A orientação de verificação da validez do matrimônio canônico fracassado é retomada, e depois, sugere-se proceder pedindo uma declaração de anulação. Durante esta reflexão, lê-se na nota, "há de ser feita uma distinção adequada entre uma situação e outra, porque nem todos os casos são iguais". Depois, um extenso parágrafo de "Amoris laetitia" é citado: "Uma coisa é uma segunda união consolidada no tempo, com novos filhos, com fidelidade comprovada, dedicação generosa, compromisso cristão, consciência da irregularidade da sua situação e grande dificuldade para voltar atrás sem sentir, em consciência, que se cairia em novas culpas. A Igreja reconhece a existência de situações em que 'o homem e a mulher, por motivos sérios – como, por exemplo, a educação dos filhos – não se podem separar’. Há também o caso daqueles que fizeram grandes esforços para salvar o primeiro matrimônio e sofreram um abandono injusto, ou o caso daqueles que ‘contraíram uma segunda união em vista da educação dos filhos, e, às vezes, estão subjetivamente certos em consciência de que o precedente matrimônio, irremediavelmente destruído, nunca tinha sido válido’. Coisa diferente, porém, é uma nova união que vem dum divórcio recente, com todas as consequências de sofrimento e confusão que afetam os filhos e famílias inteiras, ou a situação de alguém que faltou repetidamente aos seus compromissos familiares.
Deve ficar claro que este não é o ideal que o Evangelho propõe para o matrimônio e a família".
Depois, sugere-se acompanhar as pessoas para fazer um exame de suas consciências, mediante momentos de reflexão e arrependimento, com perguntas sobre como os filhos estão se comportando, se eles têm tentado se reconciliar com o cônjuge e qual é a situação do lar abandonado. "Em reflexão - acrescentam os bispos malteses - devemos avaliar a responsabilidade moral em situações particulares, considerando as condições e circunstâncias atenuantes". Devido a essas "condições e circunstâncias, o Papa ensina que não é mais possível dizer que todos os que se encontram em uma situação chamada 'irregular' vivam em estado de pecado mortal, privados da graça santificante".
É possível, portanto, diz o documento, que "em uma situação objetiva de pecado (que não seja subjetivamente culpável ou que não o seja plenamente), seja possível viver na graça de Deus, seja possível amar e que se possa inclusive crescer na vida de graças e de caridade, recebendo a ajuda da Igreja para tal finalidade. Essa percepção é importante porque, como explica o Pontífice, em alguns desses casos, esta ajuda pode ser também a dos sacramentos". Portanto, "necessitamos exercer com prudência a lei da gradualidade para encontrar e descobrir a presença, a graça e a ação de Deus em todas as situações, e ajudar as pessoas a se aproximarem de Deus, mesmo quando não estejam em condições de entender, de apreciar ou de praticar plenamente as exigências objetivas da lei".
No processo de discernimento, pedem os bispos de Malta, "examinemos também a possibilidade de continência conjugal. Embora não seja um ideal fácil, pode haver casais que, com a ajuda da graça, pratiquem essa virtude sem comprometer outros aspectos de sua vida juntos. Por outro lado, existem situações complexas quando a decisão de viver como ‘irmão e irmã’ é humanamente impossível ou causa maiores danos". É por isso que, quando "um processo de discernimento, realizado com humildade, reserva, amor pela Igreja e os seus ensinamentos, na busca sincera da vontade e desejo de Deus e no desejo de alcançar uma resposta mais perfeita a ela, uma pessoa separada ou divorciada em uma nova união surja (com uma consciência formada e esclarecida) reconhecendo e acreditando que está em paz com Deus, dessa forma, a pessoa não poderá ser impedida de se aproximar dos sacramentos da reconciliação e da Eucaristia".
Ao mesmo tempo, a nota, retomando as palavras de "Amoris laetitia", adverte os automatismos. "Se alguém ostenta um pecado objetivo como se fosse parte do ideal cristão, ou quer impor algo diferente do que a Igreja ensina, não pode pretender fazer catequese ou pregações. Para uma pessoa deste tipo, temos o dever de anunciar novamente o Evangelho e o convite à conversão. Apesar disso, mesmo assim esta pessoa pode participar de alguma forma na vida da comunidade: em compromissos sociais, em reuniões de oração, ou de acordo com a sua iniciativa pessoal e seu julgamento sugerirem".
"Junto ao Santo Padre - concluem os dois bispos - também advertimos que há alguns que preferem uma pastoral mais rígida, mas assim como ele, nós sinceramente acreditamos que Jesus quer uma Igreja atenta ao bem que o Espírito Santo espalha no meio das fragilidades: uma mãe que, no mesmo momento em que exprime claramente seus ensinamentos objetivos, não renuncia ao bem possível, ainda que corra o risco de se sujar com a lama da rua".
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Amoris laetitia: "L'Osservatore Romano" publica as linhas de orientação dos bispos malteses - Instituto Humanitas Unisinos - IHU