19 Novembro 2016
“Precisamos de canonistas corajosos, que levem os estudantes a compreender a tradição que abre ao futuro. A recepção da Amoris laetitia também passa através de salas de aula cheias de estudantes, que se interrogam de modo competente sobre um texto do magistério e que podem responder às dubia dos cardeais, sem incomodar o papa.”
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, leigo casado, professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, em Pádua.
O artigo foi publicado no seu blog Come Se Non, 17-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há muito tempo estava claro: enquanto os canonistas não se derem conta da Amoris laetitia e da conversão que ela pede não só para a sua fé – assim como à de todos – mas também ao seu ofício, a recepção da Amoris laetitia ainda não será plena e convincente. Ora, sabemos que, ao menos em uma faculdade estatal [italiana], em uma aula de um bom professor como Pierluigi Consorti, em Pisa, as coisas vão precisamente na direção esperada.
Em uma sala universitária, lê-se o texto da Amoris laetitia e se avaliam cuidadosamente todas as passagens "canônicas" do texto. Algumas informações chegam providenciais até nós a partir de uma postagem que, no último dia 16, o Prof. Consorti publicou no blog da Universidade de Pisa, com o título "Quatro cardeais duvidosos" [disponível aqui, em italiano].
Nela, leem-se pacatas considerações sobre um paradoxo: os quatro cardeais especialistas não entendem o que, por outro lado, jovens estudantes aprenderam e compreenderam facilmente. Algumas passagens do texto são realmente saborosas. Relato algumas, por comodidade, remetendo ao texto para uma leitura completa:
- “Faço a premissa de que não pudemos deixar de constatar como a simples leitura dos ‘números incriminados’ foi, por si só, muito clara e não deu lugar a dúvidas. Por isso, pareceu evidente que a verdadeira dúvida dos quatro cardeais soa, em vez disso, como uma única dúvida: ‘Santidade, o senhor deliberadamente escreveu coisas diferentes daquelas que tinham os seus antecessores tinham defendido? Entendemos bem: o senhor está dizendo coisas novas?’”
- “Assim – absit iniura verbis – os quatro mesquinhos cardeais parecem ser, para a minha classe, como os sacerdotes de antiga memória, intencionados a lembrar as leis de Moisés, sentados na cátedra para julgar, às vezes com superioridade e superficialidade, os casos difíceis e as famílias feridas. Eles buscam na Tradição escrita aquela luz que, de outro modo, não chega aos seus corações.”
- “A presença de uma situação objetiva de pecado grave não é suficiente, de fato, é preciso que também esteja presente a obstinação. Ou seja, uma persistência irracional e inoportuna: que pode ser avaliada em termos objetivos, mas não sem levar em conta elementos subjetivos.”
- “Os quatro idosos cardeais que, obstinadamente, concentram-se no pecado dos divorciados recasados – pondo, assim, a dura prova a paciência dos fiéis – não sabem o que estão perdendo ao não sentir a alegria que nasce do amor que se vive nas famílias, que também é júbilo da Igreja.”
Depois de citar essas passagens saborosas, parece-me necessário valorizar esse texto, porque é – a seu modo – um sintoma, um sinal importante. O mundo do direito canônico dos Pontifícios Ateneus é muito mais lento, temeroso, menos crítico e elástico. Seria bom que leituras semelhantes fossem propostas nas aulas de Direito Canônico da Lateranense, da Gregoriana, do Angelicum e da Urbaniana.
O fato de que essa experiência venha de Pisa, de uma universidade estatal, deve nos fazer pensar. A redescoberta da antiga vocação crítica e dialética do Direito Canônico, que meio que adormeceu depois da codificação de 1917, pode encontrar, precisamente na recepção da Amoris laetitia, um campo favorável e fecundo.
Mas é preciso receber a Amoris laetitia com o seu estilo próprio: franco, ágil, elástico, dialógico, disposto à surpresa e à admiração.
Gostaria de acrescentar um último aspecto dessa recepção, que muitas vezes é ignorado. A Amoris laetitia força a Igreja a falar aberta e publicamente não só da família feliz e das suas virtudes, mas também da família infeliz e dos remédios ao seu sofrimento.
Esse é um fato altamente positivo. Justamente há alguns dias, em um debate com a jornalista Constanza Miriano, eu ouvi por parte da minha interlocutora esta consideração: o papa não devia tornar público o texto da Amoris laetitia, mas devia fazer dele um documento confidencial aos bispos, subtraído do debate público, para conservar as consciências dos cristãos e não criar qualquer escândalo.
Não é uma posição diferente da dos quatro cardeais. Eu reagi perguntando se a Igreja deve ser reduzida a uma seita ou a uma associação de "irmãos mais velhos", que protesta contra um Pai indulgente demais para com os filhos pródigos e que só tolera colocar em público a Radio Maria e a mensagem semanal da "Madonna Postina".
Eu acho, ao contrário, que um debate eclesial precisa também da clareza e da sabedoria de canonistas que não se escondem atrás das mistificações e das ficções, que não têm medo da realidade e que ousam enfrentar a realidade, com toda a sabedoria e a experiência de uma disciplina elaborada em dois milênios de história.
Precisamos de canonistas corajosos, que levem os estudantes a compreender a tradição que abre ao futuro. A recepção da Amoris laetitia também passa através de salas de aula cheias de estudantes, que se interrogam de modo competente sobre um texto do magistério e que podem responder às dubia dos cardeais, sem incomodar o papa.
Ele já falou: basta lê-lo com a diligência normal. Se estudantes imberbes conseguem isso, como pode ser tão difícil para cardeais especialistas?
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Estudantes de direito canônico respondem aos cardeais. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU