14 Novembro 2016
Um convite a não subestimar o potencial destrutivo de Trump, especialmente agora que ele foi eleito. Uma advertência contra a ''Internacional Populista". A esperança de que os curdos vejam o nascimento do Estado próprio ao término da guerra contra o Califado, na qual combateram na linha de frente. Bernard-Henri Lévy reflete com o La Stampa sobre a eleição estadunidense e sobre as sombras que ela projeta sobre o mundo.
A reportagem é de Francesca Paci, publicada no jornal La Stampa, 13-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Jornalista, escritor, filósofo, animador do debate político assim como da mundanidade francesa, mas, principalmente, epígono do intelectual "engagée" na era do desengajamento e da revolta contra as elites, Bernard-Henri Lévy traça um mapa em que o Ocidente catalisa tensões, frustrações, acertos de contas com a história.
Comecemos com Trump: o que devemos esperar?
O pior. Ou seja, que ele fará o que puder para aplicar o seu programa. As pessoas dizem: "Agora que ele foi eleito, ele vai se acalmar, vai colocar água no vinho, vai se deixar digerir pelo sistema". Eu não acredito nisso. Eu acho que ele vai tentar, tanto quanto possível, fazer aquilo que ele disse.
Que valores expressa essa votação?
O desprezo pela democracia. A lei da telerrealidade aplicada à política. E, como se não bastasse, uma espécie de darwinismo social, em que os mais fracos vão pagar o preço. Eu li que quem elegeu Trump foram os desclassificados, os marginalizados da globalização, os humilhados. Entretanto, isso não é verdade, porque a maioria dos negros – a minoria por excelência da qual provêm esses excluídos – votaram em Clinton. Mas, principalmente, se Trump mantiver as suas promessas em matéria fiscal ou de proteção social, quem vai sofrer com isso são os estadunidenses mais pobres.
Não é um voto de protesto contra as elites?
Não. É um voto contra a República. Contra a igualdade e o respeito pelas minorias. Contra Tocqueville e a sua definição da América. Assistimos a uma autêntica tentativa de suicídio dentro daquela grande democracia que é a democracia estadunidense.
Qual é a agenda de Trump para a Europa?
Na melhor das hipóteses, ele não dá a mínima para a Europa. Na pior, ele acredita que é hora de renegociar os termos da Otan. Em ambos os casos, a sua eleição é uma péssima notícia, e, em ambos os casos, sob a sua presidência, os Estados Unidos vão virar as costas às suas raízes europeias.
A chanceler Merkel felicitou Trump, mas lhe recordou o respeito pelos direitos humanos. É a abordagem correta?
Merkel expressou dois medos. O primeiro é que os Estados Unidos caiam no isolacionismo e renunciem a defender a democracia no resto do mundo. O segundo é que, nos próprios Estados Unidos, haja uma regressão em relação às batalhas históricas pelos direitos civis que, há 50 anos, lhe honram. A reação de Merkel é a de uma amiga dos Estados Unidos que vê os Estados Unidos atirarem contra o próprio pé.
A Europa está unida nisso ou vai se dividir ainda mais?
Há um novo tipo de regime na Europa, as "démocratures", uma mistura de democracia e ditadura. É o caso do populismo autoritário de Victor Orban na Hungria. Esse tipo de pessoas, obviamente, se alegra com Trump. Assim como Marine Le Pen, na França, foi a primeira a se felicitar. Há uma nova Internacional, uma espécie de Internacional vermelha e preta, ou preta e vermelha, que já vê em Trump o seu arauto. Entre aqueles que saudaram o advento da Trump está a extrema direita, mas também toda aquela parte da extrema esquerda seguidora de pessoas como Slavoj Zizek, convicta de que o verdadeiro perigo era Hillary Clinton.
Você acha que devemos nos preocupar diante da lista daqueles que aplaudem Trump? Erdogan, al-Sisi, Orban, Le Pen, Grillo na Itália...
Sim. É a "Internacional Populista". A vitória de Trump lhes dá asas. É o seu "Yes, we can". Se Trump pôde, Le Pen também poderá. Se Trump foi eleito, nada vai impedir que um palhaço malvado como Beppe Grillo, por sua vez, o seja. No mundo ocidental, pôs-se em marcha essa grande regressão antidemocrática.
Mas Trump foi eleito democraticamente...
A democracia não se limita ao voto. Diz respeito aos valores, ao tipo de sociedade, a uma relação com o mundo. É possível que estejamos assistindo à autoliquidação da democracia por meio da democracia. Além disso, na realidade, as coisas são mais complicadas. Os Estados Unidos são um grande país, e eu acredito que, no fim, vão triunfar sobre a vulgaridade e a brutalidade. A Itália resistiu a Berlusconi, os Estados Unidos vão resistir a Trump.
E Putin? Que política Trump vai adotar?
Ele já a anunciou. Vai comer na sua mão. Vão romper com a política de firmeza relativa do governo Obama. Será assim por razões ideológicas e pessoais: eles têm a mesma visão do mundo, o mesmo populismo, o mesmo desprezo pelas elites e pelos valores democráticos, mas também a mesma vulgaridade, a mesma pertença aos clubes dos supostos "testosterônicos". Sem falar que o Kremlin foi indiretamente – com os seus hackers focados nos e-mails de Clinton – um dos arquitetos da vitória de Trump. E sem falar nos laços obscuros do passado empresarial de Trump com os amigos de Putin...
Explique melhor.
Em 2004, quando Trump estava à beira do colapso financeiro, os bancos dos Estados Unidos deixaram de financiá-lo. Alguns oligarcas russos, então, o sustentaram. Foram eles que assinaram os seus novos projetos imobiliários, foram eles que, de algum modo, o salvaram.
Que consequências essa situação terá para o Oriente Médio?
O dossiê mais candente é a Síria. Se Trump se alinhar com Putin, iremos rumo ao abandono da Síria. Rumo ao reconhecimento a Assad do papel de grande esterilizador dos gérmens da democracia na região. E rumo a uma concepção da luta contra o Isis que pressupõe uma política de terra arrasada. Com tudo o que isso implica em termos de aumento de refugiados. Não nos esqueçamos de que a maioria dos famosos migrantes que chegam à Europa são de pessoas que fogem do face a face entre Assad e Isis. Tudo o que alimenta esse face a face e mantém Assad no poder só pode aumentar o número de refugiados.
E Israel?
Trump já disse. Pretende pedir a Israel o reembolso de uma parte das ajudas concedidas pelos governos anteriores. Além disso, você se lembra da vulgaridade das suas alusões às grandes organizações sionistas estadunidenses durante a campanha eleitoral. Coisas do tipo: "Eu sei que vocês não vão votar em mim porque eu não quero o seu dinheiro sujo...".
Você acaba de voltar do Iraque. Ali, no coração da guerra contra o Estado Islâmico, essa votação também será sentida?
Provavelmente sim. Até porque, ali também, Trump será tentado a se alinhar com Putin e os seus métodos. Tomemos Mosul, por exemplo. A coalizão internacional, por enquanto, leva uma guerra o mais limpa possível, evitando atingir civis e limitando as perdas. Com Trump, corre-se o risco de outro tipo de guerra, ataques maciços e cidades aniquiladas, o método Grozny ou Aleppo aplicado em Mosul.
E os curdos? Aqueles que lutam in loco contra o Califado, como você contou no seu filme Peshmerga, vão obter o seu Estado, no fim?
Eu espero que sim. Seria o mínimo, depois de tantos sacrifícios e de tanto sangue derramado. Além disso, essa batalha de Mosul não começou há um mês, mas há um ano ou talvez dois, quando os curdos, e só eles, enfrentaram as primeiras linhas do Califado. Hoje, concentramo-nos nos últimos atos, esquecendo que a maior parte do trabalho foi feita pelos peshmerga, quando não havia a coalizão internacional, muito menos uma brigada iraquiana. Mas, mesmo aí, deve-se temer o pior. Porque, no clube dos dopados de testosterona, há um terceiro homem, Erdogan. Ele também fascina Trump. O seu entendimento será perfeito. E ele é o inimigo jurado dos curdos. Não vejo Trump impondo a Erdogan um Estado para os curdos...
Trump falou dos esforços de Assad contra o Isis, mas nunca mencionou os curdos. Um mau sinal?
Eu acho que sim. Além disso, essa história é uma balela. Acima de tudo porque os curdos estão na linha de frente contra o Isis. E, depois, porque, antes de combatê-lo, Assad inventou o Isis. Nunca devemos esquecer o jogo duplo turco. Assim como o jogo duplo saudita ou do Catar. Não há aliados confiáveis na luta contra o jihadismo. É possível fazer uma parte do caminho com eles, mas sendo vigilantes e prudentes. Uma última coisa sobre a Turquia. Já não nos perguntamos mais se ela deve ou não entrar na Europa. A questão é mais radical: ela ainda tem direito ao seu lugar na Otan? Ela pode, sem esclarecer as suas posições, permanecer na aliança militar que garante a segurança da Europa? Adivinhe a minha resposta.
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"Os pobres pagarão pelo triunfo do populismo global." Entrevista com Bernard-Henri Lévy - Instituto Humanitas Unisinos - IHU