Por: Patricia Fachin | 26 Outubro 2016
A previsão para os próximos 25 anos é de que se inicie um período de intensificação dos eventos climáticos extremos, especialmente entre os anos de 2041 e 2070, o que possivelmente implicará em um aumento da vulnerabilidade dos municípios brasileiros, diz Manyu Chang à IHU On-Line. A pesquisadora participa de uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz, que está coletando dados para a elaboração do Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas do Brasil. Por conta disso, Manyu avaliou a vulnerabilidade às mudanças do clima em 399 municípios do Paraná e, entre os resultados da pesquisa, ela informa que já é possível “assegurar” que haverá “uma piora de extremos climáticos”.
Entre os eventos que serão intensificados, Manyu menciona o aumento da temperatura e a intensificação das secas e das chuvas torrenciais. “Entre as mudanças climáticas previstas para os próximos 25 anos, percebemos que haverá um aumento da temperatura máxima, que é uma das variáveis preocupantes. Entre 2041 e 2070, a expectativa é de que haja um aumento da temperatura especialmente no Norte do Paraná. Essa já é uma região mais quente, mas a expectativa é de que a temperatura aumente em torno de 5ºC no Noroeste, no Norte e no Norte Velho, sendo que em alguns municípios do Noroeste, como em Alvorada do Sul e alguns municípios menores, a temperatura pode aumentar 5,6ºC”, informa.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, a pesquisadora frisa a importância de considerar esses dados para lidar com as vulnerabilidades dos municípios que serão atingidos. “Nos locais onde haverá aumento de chuvas torrenciais, as prefeituras terão que começar a trabalhar para fazer um sistema de drenagem. Em outras regiões, como a Norte, que tem sinalização de piora de dias sem chuvas, terão que ser construídas cisternas de armazenamento de água. Em Curitiba, por exemplo, a prefeitura já exige a existência de cisternas, e esse tipo de medida é corretíssimo. Além disso, as campanhas de prevenção ao mosquito Aedes terão que ser intensificadas”, pontua.
Manyu menciona ainda que, apesar da mitigação das mudanças climáticas ser global, o trabalho de adaptação a ser realizado em cada país deve ser desenvolvido localmente, segundo a vulnerabilidade de cada região. “Os planos mais efetivos de adaptação têm que ser desenvolvidos a nível local. Então, o próximo passo, que consistirá em desenvolver e aplicar os planos de adaptação às mudanças climáticas, dependerá das gestões locais, porque nós oferecemos uma ferramenta de análise, mas utilizá-la de modo que resulte em políticas públicas de adaptação é algo que foge da nossa alçada, por isso esse tipo de trabalho ficará a cargo dos gestores estaduais e municipais, diz.
Manyu Chang | Foto: Sérgio Sato | Agência PR
Manyu Chang é graduada em Ciências Econômicas pela Universidade de São Paulo – USP, mestra em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ e doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Atualmente é pesquisadora da Fiocruz no projeto sobre vulnerabilidade humana à mudança do clima, que é parte integrante do Plano Nacional de Adaptação.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são as projeções em relação às mudanças climáticas no Paraná para os próximos 25 anos, segundo a sua pesquisa?
Manyu Chang – Essa é uma pesquisa que foi solicitada pelo Ministério do Meio Ambiente e executada em parceria com a Fiocruz, e faz parte do Plano Nacional de Adaptação brasileiro. Portanto, é uma das pesquisas que ajudará a subsidiar a elaboração de ações para a adaptação às mudanças climáticas. A pesquisa trata, principalmente, das vulnerabilidades das pessoas, porque quando falamos em vulnerabilidade, esta pode estar associada a vários setores, como agricultura, recursos hídricos, transportes etc. O objetivo, então, é examinar quais são os componentes da vulnerabilidade de alguns municípios e por que um município é mais vulnerável que outro ou tem menos capacidade de adaptação ou, ainda, é mais exposto em relação a outro.
Realizamos a pesquisa com base nos cenários climáticos para daqui 25 anos, o que inclui o período que irá se estender de 2041 a 2070. As projeções, segundo esse cenário, nos mostram que sofreremos, no estado do Paraná, uma piora de extremos climáticos; isso já podemos assegurar. Lógico que essas projeções são feitas a partir de modelos climáticos, e nós trabalhamos com o modelo climático inglês, o qual foi regionalizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - Inpe. Com essas informações conseguimos ver as alterações climáticas a partir de cada 20 quilômetros, de forma que é possível observar as diferenciações climáticas de uma região para a outra.
Entre as mudanças climáticas previstas para os próximos 25 anos, percebemos que haverá um aumento da temperatura máxima, que é uma das variáveis preocupantes. Entre 2041 e 2070, a expectativa é de que haja um aumento da temperatura especialmente no Norte do Paraná. Essa já é uma região mais quente, mas a expectativa é de que a temperatura aumente em torno de 5ºC no Noroeste, no Norte e no Norte Velho, sendo que em alguns municípios do Noroeste, como em Alvorada do Sul e alguns municípios menores, a temperatura pode aumentar 5,6ºC. Isso significa que, em média, nesse período futuro que começa daqui a 25 anos, fará muito mais calor nesses municípios.
Outros tipos de eventos extremos são as secas e as chuvas. A expectativa é de que essa mesma região que ficará mais quente terá em torno de 10% a menos de chuvas. Ao mesmo tempo, no estado do Paraná, ocorrerão mais chuvas na região Centro-Sul e no extremo Sul, como na região de General Carneiro. No Sul, a estimativa é de que haja 20% a mais de água por conta das chuvas, ao passo que, no Norte, a tendência é ter menos 10% de água em relação à situação atual. Esse cálculo varia em relação a cada município, mas estou apresentando os dados de forma geral para termos uma ideia das mudanças que irão ocorrer.
O Sul, que hoje já é uma região mais úmida por conta das chuvas, terá mais chuvas; e o Norte, que já é uma região que tem certa carência de chuva, terá menos chuva. No entanto, apesar desse cenário, a situação não vai se agravar mais no Norte, mas, sim, no litoral e na região metropolitana em termos percentuais. Por exemplo, se no Norte do Paraná, em regiões como Londrina, há aproximadamente 20 dias consecutivos sem chuva, esse cenário se agravará em torno de 7%, o que significa que aumentará para 22 dias sem chuva, ao passo que no litoral, essa situação vai se agravar em torno de 40%, na região metropolitana, 38% e, em Curitiba, em torno de 30%.
IHU On-Line – Dado esse cenário possível de aumento de eventos extremos, a que tipo de vulnerabilidade as pessoas estarão expostas?
Manyu Chang – A partir da pesquisa, elaboramos projeções de cenários possíveis em relação às mudanças climáticas, o que implica certamente em aumento das vulnerabilidades. Contudo, não conseguimos prever qual será a situação da dengue nesse cenário, por exemplo, mas sugerimos que esse tipo de doença poderá se agravar, porque as doenças transmitidas por vetores tendem a piorar em uma situação de aumento da temperatura. Os dados de doenças associadas ao clima e disponíveis pelo SUS são referentes ao ano de 2014, mas, apesar desses dados, todos nós sabemos que a situação da dengue certamente já é muito pior em 2016 em comparação com 2014. Isso significa que as regiões que antes não eram propícias ao mosquito Aedes aegypti, provavelmente serão.
As vulnerabilidades, portanto, estarão associadas a esses eventos extremos. Nos locais onde haverá aumento de chuvas torrenciais, as prefeituras terão que começar a trabalhar para fazer um sistema de drenagem. Em outras regiões, como a Norte, que tem sinalização de piora de dias sem chuvas, terão que ser construídas cisternas de armazenamento de água. Em Curitiba, por exemplo, a prefeitura já exige a existência de cisternas, e esse tipo de medida é corretíssimo. Além disso, as campanhas de prevenção ao mosquito Aedes terão que ser intensificadas. A vulnerabilidade, portanto, estará associada aos deslizamentos, às enchentes, às enxurradas e ao estresse hídrico.
Os municípios que se apontam como suscetíveis às mudanças climáticas precisam ser mais bem preparados, precisam ter um plano de contingência, uma estrutura de atendimento à saúde etc. Em geral os municípios maiores têm uma capacidade adaptativa maior porque eles têm as instituições de segurança, a defesa civil e os hospitais, enquanto os municípios menores nem sempre possuem essas estruturas e precisam recorrer a outros locais numa situação de urgência.
IHU On-Line – A partir dos dados dessa pesquisa, qual será o próximo passo para pôr em prática os planos estaduais e municipais de adaptação às mudanças climáticas? Esses planos deverão ser sempre locais?
Manyu Chang – Exato, porque a mitigação é global, mas a adaptação é local. Os planos mais efetivos de adaptação têm que ser desenvolvidos a nível local. Então, o próximo passo, que consistirá em desenvolver e aplicar os planos de adaptação às mudanças climáticas, dependerá das gestões locais, porque nós oferecemos uma ferramenta de análise, mas utilizá-la de modo que resulte em políticas públicas de adaptação é algo que foge da nossa alçada, por isso esse tipo de trabalho ficará a cargo dos gestores estaduais e municipais. A próxima etapa do projeto é capacitar esses gestores e elaborar um conselho que poderá pensar em quais políticas públicas poderão ser feitas para reverter esse quadro de vulnerabilidade que já está previsto.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Manyu Chang – Gostaria de enfatizar que essa pesquisa se destaca em dois aspectos que são o seu ponto forte. O primeiro deles é o envolvimento dos gestores estaduais nesse processo, porque a cada etapa da pesquisa, convocamos os gestores estaduais e municipais a discutirem os dados contabilizados. E o segundo ponto que saliento é que essa ferramenta informatizada que estamos desenvolvendo será disponibilizada para todas as pessoas, que poderão abri-la em um computador e, ao colocarem o cursor no nome de cada município, terão acesso a todos os indicadores referentes a ele.
Então, para planejar, priorizar e alocar recursos ou ações prioritárias, essa ferramenta ajudará muito, especialmente porque ela será muito mais acessível e ágil do que aqueles relatórios que têm uma série de tabelas. Com essa ferramenta, as informações serão informatizadas e georreferenciadas com os indicadores in loco. Portanto, uma vez que se consiga atualizar os dados, essa ferramenta servirá para monitorá-los, porque conseguiremos ver a evolução dos quadros de vulnerabilidade e de ações para melhorar ou não esse quadro. Inclusive, será possível verificar se as ações realizadas pelos gestores foram efetivas ou não.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Adaptação às mudanças climáticas dependerá de gestões locais. Entrevista especial com Manyu Chang - Instituto Humanitas Unisinos - IHU