Por: Jéferson Ferreira Rodrigues | 20 Setembro 2016
A experiência da pluralidade impõem-se como imperativo a uma experiência de fé que não soube, ao longo de sua história, conviver com o diferente. E esse entendido desde a sua própria tradição até mesmo as outras tradições. Crer na diferença exige uma abertura ilimitada. Crer diferente é uma dádiva quando vivida como experiência saudável da fé, no contato com as diferenças, aprofundando sua experiência e inclusive manifestando-se nas suas dimensões eclesiais e públicas da própria fé.
Com isso, intui-se uma Igreja não muito afeita ao diálogo, sobretudo porque julgava-se detentora da Verdade absoluta daquilo que compete dizer sobre Deus e sua interação com a vida das pessoas. Tal feito, não precisa de melhores esclarecimentos e mostrava-se inquestionável. A consequência dessa mentalidade equivocada foi o fechamento e a autossuficiência fez perder muitas oportunidades de ser trilhado um caminho junto na busca pela plenitude da Verdade que ilumina a todos. Dentre elas, um aprendizado com a modernidade e a participação ativa/efetiva no movimento ecumênico.
A crise das instituições, momento singular desses tempos, não deixou imune às religiões e a Igreja, que já não conseguem produzir sentido para a existência das pessoas. No gesto de desocupar os templos, lugares de referência para o encontro do Mistério, pode-se ouvir um grito profético: "nossas fés não cabem nas vossas religiões", parafraseando, "nossos sonhos não cabem nas vossas urnas" do Movimento 15 M, na Espanha. Não se dá a atenção devida, e com muita facilidade, critica-se e rotula-se as pessoas como "buscadoras" de uma experiência intimista e individualista. Mas, por quê as pessoas não querem mais saber dos espaços religiosos de mediação?
A pessoa humana, no afeiçoar-se como gente, descobriu nas instituições um espaço para melhor se desenvolver. Assim, aperfeiçoou sua capacidade de sociabilidade. Os espaços de mediação são importantes para dar "carne" a experiência humana e também de fé. Crer sozinho pode ser até interessante, mas quando vive-se a aventura de compartilhar a fé numa comunidade, que apesar de suas limitações, torna-se uma dádiva e um auxílio necessário em muitos momentos. Hoje o desafio não é terminar com as comunidades, mas ajudá-las a buscar um contínuo amadurecimento da sua experiência, fazendo com que as pessoas tenham uma vivência saudável da existência e da fé.
Tal amadurecimento, precisa ser transpassado pela pluralidade de fés, e nesse caso, o diálogo torna um momento singular para atingir tal objetivo. O diálogo é uma postura diante do outro e uma boa palavra ao/com o outro, que se predispõe a compartilhar um caminho mútuo. Jürgen Moltmann, teólogo alemão, chama atenção que o diálogo entre os diferentes, precisa contemplar duas exigências: capacidade e dignidade. Não é suficiente ter condições para e uma boa oratória, mas é oportuno respeitar e expressar com fidelidade sua própria experiência radical de Deus acontecida na sua própria tradição.
Existe o risco dos monólogos, sobretudo quando na ânsia por pontos comum, não se dá conta de que a real possibilidade acontece na diferença. Quando chegamos a um "ponto em comum" já não temos nada mais interessante a dizer, e frequentemente começamos a viver de margens e não de fronteiras. As margens são aquelas temáticas "confortáveis". Nela predomina questões sociais, tipo justiça, paz, etc. Não que isso não seja importante. Mas, frequentemente tornam-se temáticas marginais e desprezadas sem efeito algum. Elas precisam ser (re)pensadas desde as fronteiras de cada experiência de fé, ou seja desde aquilo que realmente nos faz diferentes e nos enriquece.
Com efeito, o diálogo não poderá ser "distinguido" entre ecumênico e inter-religioso, apesar de suas especificidades, mas ancorado no sentido próprio do dialogar, busca-se o aprofundamento de um outro momento, ou ainda, exige-se outra "epistemologia", não restrito aos "pontos comuns", e sim expresso nas e através das diferenças irredutíveis daqueles que creem. A fobia da diferença acaba gerando uma pseudo-unidade, sonora aos ouvidos e aconchegante na sua poética, mas não produz seu efeito e expressa mais nossa incapacidade, do que propriamente, nos coloca na dinâmica do encontro com a diferença. Se houver algum ponto comum: esse será as diferenças. Ei, admitir que outros possam crer diferente! Isso é uma ilusão?
Eis que surge uma "nova oportunidade" para a Igreja, fortalecer sua disposição no diálogo, saindo de seu "mundinho" e compartilhando um espaço com outras fés. Tal momento acontece em Assis, entre os dias 18 e 22 de setembro de 2016, o encontro celebrativo dos 30 anos da primeira Jornada Mundial de Oração pela Paz. Promovido pela Comunidade de Santo Egídio, em colaboração com as Famílias Franciscanas e a Diocese de Assis. Espera-se a participação de 500 líderes do mundo inteiro. O papa Francisco participará desse momento singular, no dia 20 de setembro, como convidado a com-dividir o espaço na/da diversidade através da oração pela paz.
A Jornada de Assis é significativa porque reaviva a esperança de um mundo diferente nas diferenças religiosas e culturais. Ela marca uma oportunidade de aprofundar e recompor o caminho iniciado, muitas vezes silenciado e ignorado, para que reluza com plena claridade o rosto plural de nossas gentes e religiões como expressão de um futuro saudável na disposição dialogal. É muito importante que o processo na/da diversidade aconteça num clima de oração e espiritualidade, na presença do Mistério inesgotável, inspirador e promotor de "novas realidades". A espiritualidade inter-religiosa ajuda na descoberta cotidiana do Mistério e cria a oportunidade de viver "comunidades de experiência" do plural na hospitalidade mútua. Oxalá a receita estivesse pronta, mas cada um precisa fazer sua parte e descobrir o "como fazer" isso possível.
Enfim, muitos esclarecimentos precisariam ser dados, mas para não me delongar permito-me dispor as intuições que me fazem companhia. E para dar continuidade, sigo na companhia de Elias Wolff, que no Cadernos Teologia Pública, edição 101, apresenta como a Igreja Católica, ao longo da sua história, foi sendo interpelada e percebida no horizonte do diálogo com os diferentes, especialmente nos últimos anos, isso no âmbito das religiões e no âmbito das igrejas. O autor mostra como o Concílio Vaticano II foi momento importante para a descoberta de um novo processo relacional da experiência eclesial. Tal processo não está presente apenas no "discurso", mas é evocado nos "gestos". São gestos e palavras, que movem um agir ecumênico e inter-religioso da igreja. Embora, a recepção nem sempre foi condizente aos feitos iniciados no Vaticano II.
O texto está organizado da seguinte forma:
1. A Igreja Católica e o ecumenismo
2. Nos caminhos ecumênicos
3. A ecumenicidade do Vaticano II
4. O ecumenismo no magistério pós-conciliar
5. A Igreja Católica e o diálogo inter-religioso
Para acessar o texto: clique aqui
Elias Wolff, doutor em Teologia (2000) e mestre em Teologia (1998) pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma. Mestre em Filosofia (1999) pela Pontifícia Universidade Santa Cruz, Roma. Graduado em Teologia (1993) pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE. Professor no Programa de Pós-Graduação em Teologia e coordenador do Núcleo Ecumênico e Inter-religioso na Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCRS. Coordenador da Comissão Teológica do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil - CONIC. Os principais interesses de pesquisa são ecumenismo e diálogo das religiões.
Algumas obras do autor:
Vaticano II - 50 anos de Ecumenismo na Igreja Católica. São Paulo: Paulus, 2014.
A unidade da Igreja. São Paulo: Paulus, 2007.
Ministros do Diálogo. São Paulo: Paulus, 2004.
Caminhos do Ecumenismo no Brasil. São Paulo: Paulus, 2002.
O ecumenismo no Brasil. São Paulo: Paulinas, 2000
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"Ei, eles(as) creem diferente". Uma perspectiva eclesiológica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU