02 Setembro 2016
"Vemos tantas histórias problemáticas sobre o meio ambiente que, quando surge uma notícia positiva, ela se apresenta como surpresa. Mas há muitos exemplos que devemos conhecer e que nos deixam esperançosos".
O comentário é de William Laurance, professor e pesquisador na Universidade James Cook, em Cairns, Austrália, diretor do Centro para o Meio Ambiente Tropical e a Ciência da Sustentabilidade da citada universidade e fundador da Alliance of Leading Environmental Researchers & Thinkers – ALERT, organização de pesquisa e reflexão sobre o meio ambiente, em ensaio publicado por bioGraphic, 30-08-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o ensaio.
Um grande amigo meu, Steve Blake, que conduziu um importante estudo sobre a caça furtiva de elefantes africanos, costumava finalizar os e-mails com a frase: “Estamos todos bastante ferrados”.
Steve é um conservacionista dedicado e estava profundamente preocupado com o abate de elefantes que vinha testemunhando. Não creio, de forma alguma, que ele estivesse sugerindo que desistíssemos da luta pela preservação. Tampouco é o que dizem muitos de nós que dedicamos as nossas vidas e carreiras a esta causa. No entanto, nas páginas de publicações dedicadas à ciência e à natureza, e em comunicações lançadas por organizações de conservação – incluindo a ALERT, organização científica que fundei e que coordeno –, muitas vezes ouvimos histórias deprimentes, até mesmo devastadoras, sobre a rápida destruição de animais selvagens e de seus habitats.
Então, onde se encontram elementos de esperança para a conservação da natureza?
Eu diria que, de fato, há uma grande dose de esperança e notícias muito boas para comemorar e difundirmos mundo afora. Embora seja verdade que estamos causando um mal diário à natureza, é verdade também que estamos tendo alguns progressos importantes. A seguir, apresento uma rápida sinopse de algumas dessas boas novas.
Quem acreditaria quatro anos atrás que muitas das mais importantes corporações mundiais – incluindo empresas de óleo de palma, de madeira de celulose e de alimentação – anunciariam planos para evitar a destruição de florestas nativas? No entanto, muitas grandes empresas de óleo de palma fizeram exatamente isso, comprometendo-se a cultivar novas plantações apenas em terras já desmatadas e, em alguns casos, restaurar florestas nativas em áreas que foram anteriormente desflorestadas. Até mesmo a fabricante de pneus Michelin, que retira grande parte de sua borracha da região dos trópicos, já entrou na onda.
Isso não quer dizer que tais compromissos são perfeitos e que estão todos funcionando bem: é um pouco de cada coisa. Por exemplo, uma avaliação recente feita pelo Greenpeace sobre empresas que usam óleo de palma (ou “azeite de dendê”) em seus produtos elogiou a Ferrero e a Nestlé, mas criticou a PepsiCo, a Colgate-Palmolive e a Johnson & Johnson. Apesar desse progresso misto, no entanto, desdobramentos recentes ilustram que o comportamento corporativo pode ser influenciado por atitudes e pressões públicas. Para os grandes grupos, o medo de ter a reputação da sua marca prejudicada e de haver perda em sua parcela de mercado é muito grande, algo que os conservacionistas podem exercer com grande sucesso.
Uma série de outras organizações, incluindo a ALERT, a Greenomics Indonésia e o Programa de Conservação do Orangotango de Sumatra, desempenharam um papel de liderança no convencimento do governo da província de Aceh, no norte da Sumatra, na Indonésia, para evitar a degradação do precioso Ecossistema Leuser – o último lugar no mundo onde tigres, elefantes, rinocerontes e orangotangos ainda coexistem.
O governo do país havia planejado cruzar esta região com uma rede enorme de estradas, e destruir grandes extensões de floresta em troca da extração de óleo de palma, de arroz e de madeira – com isso, o plano abriria as florestas também para uma onda de caça ilegal e mineração.
Mas hoje esta ideia foi estancada, e as últimas notícias sugerem que os governos locais e federal indonésios estão levando a sério o compromisso de deixar intacto o local. Temos de aplaudir esforços assim e convencer outros governos nacionais e regionais dos benefícios de assumir posturas semelhantes onde estão em causa a diminuição dos recursos naturais e espécies ameaçadas.
Há vários outros exemplos também. Algumas represas amazônicas foram interrompidas, como a Estrada de Serengeti, na Tanzânia, e rodovias planejadas que cortariam o coração da Área de Proteção Seima, no Camboja, e do Parque Nacional TIPNIS, na Bolívia.
Apesar de haver algumas notícias positivas, ainda temos muito trabalho a fazer. Em meados deste século, poderemos ter mais 25 milhões de quilômetros de estradas pavimentadas, vários milhares de novas barragens hidroelétricas e um total de 2 bilhões de carros andando sobre a terra. Só na África, a pesquisa que fizemos sugere que uma grande série “corredores de desenvolvimento” poderia desfazer mais de 400 áreas ambientais protegidas e degradar mais 1.800 destes valiosos habitats. Temos de arregaçar as mangas e continuar lutando o bom combate.
A desaceleração econômica mundial, tão desafiadora como tem sido para alguns, veio com um lado extremamente esperançoso no tocante ao meio ambiente. Antes da desaceleração, potências mundiais emergentes como a China e o Brasil estavam extraindo em índices alarmantes recursos naturais, como minerais, combustíveis fósseis e madeira. Desde então, a queda abrupta nos preços das commodities reduziu a demanda por esses recursos, retardando a exploração e protegendo áreas que poderiam ter sido perdidas.
Essa desaceleração nos um tempo para pensarmos e respirarmos melhor, tempo que agora podemos usar para melhorar o uso da terra e o planejamento da infraestrutura nos países em desenvolvimento. Em 2014, fui o autor principal de um artigo publicado na revista Nature intitulado “A global strategy for road building” (Estratégia global para a construção de estradas), que destacava onde, no planeta, deveríamos e não deveríamos construir estradas. O objetivo era maximizar os benefícios econômicos e sociais das novas estradas, ao mesmo tempo evitando uma grave degradação ambiental.
Esta publicação voltou o seu olhar para os esforços de larga escala. O que precisamos fazer agora é trabalhar com rapidez, especialmente em regiões ambientalmente críticas, sempre visando implementar estratégias nos níveis nacional e regional. Precisamos fazer parceria com os governos e com as principais partes interessadas para fazer todo o possível a fim de ajudá-los a tomar decisões sábias quanto ao uso da terra. A sobrevivência do mundo natural depende disso.
Em quase todo lugar que olhamos há mostras de que as políticas do governo estão sendo moldadas, pelo menos em parte, pelas prioridades ambientais. Muitas vezes é uma luta entre os que desejam proteger a terra e os recursos naturais e os que procuram explorar estes recursos. Mesmo assim um grande progresso foi feito.
Por exemplo, na batalha para reduzir a extração ilegal de madeira, três grandes consumidores de madeira – os Estados Unidos, a União Europeia e a Austrália – promulgaram leis duras que colocam o peso da responsabilidade sobre as empresas compradoras de madeira, com isso buscando garantir que estejam comprando apenas materiais e produtos legalmente colhidos.
Estas leis estão tendo um impacto real no mundo. Um relatório do respeitado grupo de reflexão (“think tank”) inglês Chatham House estimou que o corte ilegal de árvores caiu 22% em todo o mundo desde 2002. Ganhos particularmente impressionantes se deram em países como Indonésia e Camarões, onde a exploração madeireira ilegal era galopante e onde agora caiu de 50 a 75%.
Há outro exemplo promissor vindo de um dos ecossistemas mais importantes e procurados do mundo: a Amazônia. Em 2001, uma equipe internacional de pesquisadores que coordenei publicou um artigo na revista Science que traçava um quadro sombrio para o futuro da Amazônia brasileira. O texto descrevia como a região se pareceria a daqui 20 anos, supondo que o governo brasileiro continuasse com a ideia de construir novas estradas, barragens, linhas de energia, linhas de gás e outras infraestruturas que cruzariam aquela bacia, obras na casa dos 40 bilhões de dólares.
A publicação viralizou, tendo sido apresentada em programas de notícias em todo o mundo. O Brasil se viu sob uma enorme pressão internacional, e houve também foi uma enorme revolta entre muitos brasileiros preocupados com o futuro da Amazônia. A atenção da imprensa durou muitos meses; eu concedi literalmente centenas de entrevistas, e testemunhei diante do Congresso do Brasil e da Embaixada americana os projetos propostos.
Como um resultado deste clamor generalizado, o governo brasileiro finalmente realizou uma análise completa dos projetos, envolvendo onze ministérios diferentes, e concluiu que um certo número deles deveria ser cancelado. Ainda que muitos destes projetos tenham sido continuados, eles só o fizeram depois que importantes medidas de mitigação – tais como a criação de novas áreas protegidas ao longo das estradas planejadas – estivessem em vigor. Estas medidas têm ajudado a reduzir as ondas de desmatamento e especulação de terra que frequentemente acompanham a construção de estradas em áreas desérticas remotas.
Estes exemplos sugerem haver uma variedade de estratégias que podemos perseguir para avançar de forma eficaz na conservação da natureza. Não há nenhuma abordagem que sirva bem para todos, não existe uma ideia que possa ser aplicada em todos os lugares. Mas exemplos como estes ilustram que o status quo pode ser mudado. A perda da natureza não é inevitável – mesmo em países mais pobres, onde há uma necessidade urgente de desenvolvimento econômico e social.
A questão central é: para aquelas pessoas preocupadas com o meio ambiente, nós podemos influir nas políticas públicas, nos governos, nas corporações e nas atitudes públicas; e nós podemos alcançar vitórias significativas ao longo do caminho. Nem sempre ganhamos todas as batalhas pela conversação, mas podemos prevalecer às vezes. O mundo será um lugar muito menos pobre se não tentarmos.
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Sem causa perdida. Artigo de William Laurance - Instituto Humanitas Unisinos - IHU