Por: Cesar Sanson | 06 Junho 2012
Atualmente, existe uma tendência de aceleração da construção de grandes barragens para projetos hidrelétricos, especialmente nos chamados países em desenvolvimento da América Latina, sudeste da Ásia e África. No caso do Brasil, a polêmica usina de Belo Monte é apenas a ponta do iceberg na Amazônia, principal frente de expansão da indústria barrageira, onde o governo Dilma pretende promover a construção de mais de sessenta grandes barragens (UHEs) e mais de 170 hidrelétricas menores (PCHs) nos próximos anos.
A reportagem é Brent Millikan, da International Rivers e reproduzido pelo sítio Cúpula dos Povos, 05-06-2012.
No Brasil, o forte viés da construção de novas hidrelétricas na região amazônica, em detrimento de outras opções de investimento, como a eficiência energética (na geração, transmissão e usos industriais, comerciais e domésticos de energia elétrica) e fontes renováveis (eólica, solar, biomassa) reflete a persistência do planejamento centralizado dentro do Ministério de Minas e Energia, como demonstra a falta de nomeação de representantes da sociedade civil e da universidade brasileira no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), contrariando o Decreto número 5.793 de 29 de maio de 2006. Alem disso, reflete a proximidade – ou, como dizem alguns, as “relações promíscuas” – entre o setor elétrico do governo comandado pelo grupo Sarney (PMDB), e grandes empreiteiras que se classificam entre os primeiros lugares do ranking de grandes doadores para campanhas eleitorais da base governista.
Uma tendência crescente é a caracterização de hidrelétricas por seus protagonistas como fonte de “energia limpa” para mitigar mudanças climáticas globais e estimular o chamado “crescimento econômico sustentável”. Essas tentativas de “esverdeamento” de hidrelétricas ignoram uma série de graves consequências sociais e ambientais. O represamento de rios, especialmente nos trópicos de baixa altitude, interrompe fluxos ambientais como inundações sazonais das zonas úmidas, provocando perdas significativas de habitats e da biodiversidade (incluindo espécies endêmicas e ameaçadas). As consequências da construção de barragens para populações indígenas e outras comunidades locais incluem o deslocamento compulsório, a intensificação de conflitos pela terra, a perda de recursos pesqueiros, a perda de agricultura de várzea, diminuição da qualidade e da quantidade da água, aumentos de doenças de veiculação hídrica (como a malária), a poluição por mercúrio, a interrupção do transporte de pequenas embarcações, a desintegração das comunidades e a perda de sítios de insubstituível valor cultural, religioso e histórico.
As consequências desastrosas
Em contraste com a propaganda de hidrelétricas como “energia limpa”, as barragens nos trópicos tipicamente envolvem significativas emissões de metano e gás carbônico (CO2) a partir de reservatórios e vertedouros, enquanto o desmatamento e as queimadas – associados à migração e especulação de terras estimulada pela construção de barragens – contribuem ainda mais para a sua ‘pegada de carbono’.
A lógica de maximização do lucro na indústria de barragens tem sido associada à capacidade de seus protagonistas de essencialmente privatizar rios (apesar do seu status legal como bens públicos) e externalizar custos sociais e ambientais. A tripla aliança da indústria barrageira, conforme descrito acima, tem conseguido empregar táticas como a subordinação de agências governamentais responsáveis pelo licenciamento ambiental, a falta de processos de consulta livre, prévia e informada junto os povos indígenas (contrariando o artigo 231 da Constituição Federal e acordos intenacionais, como a Convenção 169 da OIT) e a intervenção no judiciário para inviabilizar ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público e entidades da sociedade civil sobre graves violações dos direitos humanos e da legislação ambiental.
Outro grande atrativo econômico para a indústria de barragens tem sido os mega-empréstimos subsidiados do BNDES, assim como a facilidade de acesso a fundos de pensão de estatais – Petros, FUNCEF e Previ – e outros incentivos fiscais. Nesse contexto, destaca-se a ausência, por parte do BNDES e de outros financiadores, de prioridades estratégicas salvaguardas socio-ambientais capazes de evitar o financiamento de projetos como Belo Monte, associadas a mecanismos de transparência e responsabilização perante a sociedade brasileira.
A caracterização de hidrelétricas como “energia limpa”, reforçada por meio de campanhas publicitárias caríssimas, tem uma dupla finalidade: por um lado, facilitar o acesso a créditos de carbono e outros incentivos econômicos, e por outro, confundir a opinião pública, como contraponto às críticas sobre conseqüências sociais e ambientais de barragens destrutivas, incluindo violações dos direitos humanos, com insinuações sobre a falta de legitimidade de movimentos de atingidos e outros críticos.
Barragens e Rio+20
Nos preparativos para a Rio+20, houve praticamente nenhuma discussão sobre a pegada social e ambiental dos projetos de barragens existentes e as possíveis implicações de uma onda sem precedentes de construção de barragens em todo o mundo. Ademais, a caracterização de barragens como “energia limpa” para uma economia verde que parece fazer parte de uma tendência para “soluções de mercado” definido pelos interesses dos principais atores do setor privado, onde a relevância dos direitos humanos, políticas públicas e das instituições democráticas tem sido cada vez mais menosprezada.
Sem dúvida, reverter esse quadro e democratizar o debate sobre barragens e a política energética, sob uma ótica de justiça ambiental e da convicção de que outro modelo de desenvolvimento que ainda é possível, merece destaque na atuação da sociedade civil na Rio+20.
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Além do mito das barragens como “energia limpa” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU