29 Agosto 2016
A revista La Civiltà Cattolica publica a transcrição do diálogo entre o Papa Francisco e 28 jesuítas poloneses que o encontraram na tarde do dia 30 de julho, em Cracóvia.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 25-08-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Discernimento é uma palavra-chave naquelas páginas da exortação apostólica Amoris laetitia que tratam da acolhida e do acompanhamento das famílias feridas e "irregulares". E é a justamente da capacidade de discernir que "os sacerdotes realmente precisam" hoje, também na sua formação.
Foi o que disse Francisco, dialogando com um grupo de 28 jesuítas poloneses na tarde do último dia 30 de julho, em Cracóvia. Uma síntese do colóquio, que durou cerca de 40 minutos, transcrita pelo diretor da Civiltà Cattolica, Antonio Spadaro, está publicada na próxima edição da revista.
"Peço-lhes para que trabalhem com os seminaristas – disse o papa aos jesuítas –, especialmente deem-lhes aquilo que nós recebemos dos Exercícios: a sabedoria do discernimento. A Igreja hoje precisa crescer na capacidade de discernimento espiritual. Alguns planos de formação sacerdotal correm o perigo de educar à luz de ideias muito claras e distintas, e, depois, de agir com limites e critérios definidos rigidamente a priori e que prescindem das situações concretas: ‘Deve-se fazer isto, não se deve fazer aquilo...’. E, depois, os seminaristas, quando se tornam sacerdotes, encontram-se em dificuldade para acompanhar a vida de tantos jovens e adultos. Porque muitos perguntam: ‘Isto se pode ou não se pode?’. Tudo aí. E muita gente sai do confessionário decepcionada. Não porque o sacerdote é mau, mas porque o sacerdote não tem a capacidade de discernir as situações, de acompanhar no discernimento autêntico. Não teve a formação necessária."
"Hoje, a Igreja – continuou Francisco – precisa crescer no discernimento, na capacidade de discernir. E, acima de tudo, os sacerdotes realmente precisam disso para o seu ministério. Por isso, é preciso ensinar os seminaristas e os sacerdotes em formação: eles habitualmente receberão as confidências das consciências dos fiéis. A direção espiritual não é um carisma apenas sacerdotal, mas também laical, é verdade. Mas, repito, é preciso ensinar isso sobretudo aos sacerdotes, ajudá-los à luz dos Exercícios na dinâmica do discernimento pastoral, que respeita o direito, mas sabe ir além. Essa é uma tarefa importante para a Companhia."
O Papa Bergoglio, depois, disse ter ficado particularmente impressionado com um pensamento do padre Hugo Rahner: "Ele pensava claramente e escrevia claramente! Hugo dizia que o jesuíta deveria ser um homem do faro do sobrenatural, isto é, deveria ser dotado de um senso do divino e do diabólico relativo aos acontecimentos da vida humana e da história. O jesuíta, portanto, deve ser capaz de discernir tanto no campo de Deus quanto no campo do diabo. Por isso, nos Exercícios, Santo Inácio pede para ser introduzido tanto às intenções do Senhor da vida, quanto às do inimigo da natureza humana e aos seus enganos".
"É audaz, é realmente audaz – explicou Francisco – aquilo que ele escreveu, mas é justamente isso o discernimento! É preciso formar os futuros sacerdotes não a ideias gerais e abstratas, que são claras e distintas, mas a esse fino discernimento dos espíritos, para que possam realmente ajudar as pessoas na sua vida concreta. É preciso realmente entender isto: na vida, não é tudo preto no branco ou branco no preto. Não! Na vida, prevalecem os tons de cinza. Então, é preciso ensinar a discernir nesse cinza."
Em outra passagem do diálogo, o pontífice falou das perguntam que lhe tinham sido dirigidas por alguns jovens da JMJ, com os quais ele havia se sentado à mesa naquele dia. "Hoje, no almoço, eles me fizeram algumas perguntas... Me perguntaram até como eu me confesso! Eles não têm pudor. Fazem perguntas diretas. E, a um jovem, é preciso responder sempre com a verdade. Hoje, no almoço, em um certo ponto, chegamos a falar sobre a confissão. Uma jovem me perguntou: ‘Como o senhor se confessa?’. E começou a falar de si mesma. Ela me disse: ‘No meu país, houve escândalos relacionados com os padres, e nós não temos a coragem de nos confessar com tal padre que viveu esses escândalos. Eu não consigo’. Vejam: eles te dizem a verdade, às vezes te repreendem..."
"Os jovens falam diretamente – continuou Bergoglio com os coirmãos jesuítas –, eles querem a verdade ou, ao menos, um claro ‘não sei como te responder’. Nunca se deve encontrar subterfúgios com os jovens. Assim também com a oração. Eles me perguntaram: ‘Como o senhor reza?’. Se você responde com uma teoria, eles ficam decepcionados. Os jovens são generosos. Mas o trabalho com eles também precisa de paciência, muita paciência. Um deles me perguntou hoje: ‘O que eu devo dizer a um amigo ou amiga que não acredita em Deus para que possa começar a acreditar?’. Eis: vê-se que, às vezes, os jovens precisam de ‘receitas’. Então, deve-se estar pronto para corrigir essa atitude de pedido de receitas e de respostas prontas. Eu respondi: ‘Veja, a última coisa que você deve fazer é dizer alguma coisa. Comece a fazer alguma coisa. Depois, vai ser ele ou ela que irá lhe pedir explicações sobre como você vive e por quê’. Eis: é preciso ser direto, direto com a verdade."
Papa Francisco a jesuítas poloneses: nem tudo é preto no branco
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Papa Francisco: "Os padres devem crescer na capacidade de discernir" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU