Por: Jonas | 27 Julho 2016
“Sabemos bem que a conversa continua sendo uma das belas artes, ainda que, às vezes, esteja em bocas tortuosas e radicalmente incapacitadas para as artes do diálogo. Queremos falar e queremos ser escutados, mas não reparamos no que podemos transtornar o interlocutor, caso façamos tudo de uma vez e gritando. Não seria bom, por isso, a propósito de Creta, que as Igrejas Ortodoxas se esquecessem de dialogar”, escreve Pedro Langa, em artigo publicado por Religión Digital, 24-07-2016. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/GkKblZ |
Eis o artigo.
Se não fosse porque as chaves continuam chegando sem parar, do Santo e Grande Concílio da Igreja Ortodoxa ficaria, a essa altura, a vaga recordação do que começou um pouco ruim e terminou não mais que pela metade.
A imprensa nos vem confirmar, ao menos em certos casos, o clamoroso despropósito que o espantoso de Creta significou, pelo não comparecimento de quatro Igrejas ortodoxas contrárias, dir-se-ia, aos diálogos de Platão: quero dizer negadas pelo que então se vislumbrava e, nesse momento, vai se confirmando. O caso é que agora pretendem se aferrar a razões que, por muito que as pondere quem as empunha, estão longe de justificar semelhante discordância. Vamos com alguns destaques.
O primeiro é fornecido pela delegação do Patriarcado Ecumênico presente em Roma, durante a solenidade dos Santos Apóstolos São Pedro e São Paulo, patronos da Igreja de Roma. O Papa a recebeu no Vaticano – dia 28 de junho –, desta vez, liderada por Methodios, metropolita de Boston, que estava acompanhado pelo arcebispo Job de Telmessos e o reverendo diácono patriarcal Nephon Tsimalis. O dado teria pouca relevância informativa se não fosse pelo fato que o nosso arcebispo Job foi nomeado, semanas antes, copresidente da Comissão Mista Internacional para o Diálogo Teológico entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa. Todo um detalhe do patriarca Bartolomeu I, que abriu Creta recordando que o Papa Francisco havia elevado orações, naqueles dias, e em concreto durante o Angelus dominical, pelo êxito do concílio.
É possível que nem mereça a pena trazer o caso que exponho, já que Francisco teve no Concílio, como observadores católicos, o cardeal Koch, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, e o arcebispo Brian Farrell, secretário do dicastério. Não obstante, eu compreendo que é muito oportuno destacar que o citado arcebispo Job atuou como porta-voz conciliar frente aos meios de comunicação e, consequentemente, é um dos que melhor conhecem o que Creta foi por dentro e por fora. O fato do Papa Francisco poder contar com uma fonte de primeira mão em casa, como a do arcebispo Job, é uma oportunidade que não aparece todos os dias.
A tudo isso cabe ressaltar a nomeação já citada, quando temos setembro à vista, mês em que se reunirá esta Comissão Mista, para a qual Job de Telmessos precisará confirmar o papel que com sobra se fez credor. E quem sabe se não foi por causa dela que foi promovido tão rapidamente. O fato de Bartolomeu I o ter enviado a Francisco, integrando a delegação ortodoxa nas festas patronais de Roma, não deixa de ser todo um detalhe. É bom que aqueles que são chamados a codirigir um organismo assim, passem a ser conhecidos dos primazes nele envolvidos. Note-se bem que dom Job de Telmessos veio substituir nada menos que o metropolita de Pérgamo, John Zizioulas, uma das cabeças teológicas da Ortodoxia melhor providas no momento atual. Além disso, nos últimos tempos, trabalhou em Chambésy, lugar de célebres conferências pan-ortodoxas e também sede da famosa Sinaxis dos Primados 2016, e um lugar, além de tudo, tão próximo daquele que, por anos e anos, foi seu diretor e secretário nos preparativos do Sínodo Pan-Ortodoxo, ou seja, o metropolita Damaskinós Papandréu. A rapidez em sua carreira e, sobretudo, as funções desempenhadas ultimamente, denotam, pois, que sua promoção eclesiástica foi coisa do próprio Patriarca Ecumênico.
A verdade é que, voltando às chaves, dom Job de Telmessos teve a oportunidade de dar provas de finura informativa a propósito do assunto Ucrânia.
“Eu não excluo – declarava então – que quando o patriarca Bartolomeu receber a carta dos deputados ucranianos, ele a submeterá ao exame do Santo Sínodo. Nada de extraordinário neste procedimento, aplicado pelos demais em tudo aquilo que concerne a questões importantes”. Havia sido anunciado, na última semana, que a Rada (Parlamento) da Ucrânia havia adotado uma carta dirigida ao Patriarca Bartolomeu, na qual lhe pedia para publicar um documento conferindo a autocefalia à Igreja Ortodoxa da Ucrânia e reconhecendo inválida a Ata de 1686, em virtude da qual, “e isso em violação dos cânones”, a metrópole de Kiev havia sido incorporada ao Patriarcado de Moscou.
Prova de que também não falava besteira é a notícia que Orthodoxie.com acaba de lançar: “Durante sua sessão de 13 de julho de 2016, o Santo Sínodo do Patriarcado Ecumênico tomou a seguinte decisão a respeito da autocefalia da Igreja Ortodoxa na Ucrânia: “Foi examinada a demanda do Parlamento da Ucrânia, submetida ao Patriarcado Ecumênico, de conceder o estatuto de autocefalia à Igreja da Ucrânia. Tal demanda foi encaminhada à Comissão Sinodal competente para o seu apropriado estudo”. Ou seja, “o trâmite foi admitido”. Um passo, é claro, que para o patriarcado russo não teve nenhuma graça.
A Job de Telmessos, pois, aguardam tarefas apaixonantes, sem dúvida, talvez dias nada tranquilos, ainda que também, certamente, de muito realce, nos quais será necessário pisar em caminhos retos que o alto cargo para o qual foi designado lhe pede. Esta última notícia, por exemplo, é batata quente de Creta, e com ela guardam relação, sem dúvida, as três seguintes. De entrada, temos entre aquelas que apareceram nos meios de comunicação bem pouca distância uma da outra. Todas as notícias, a partir de sua mensagem subliminar, afirmam a importância religiosa de seus respectivos países.
Orthodoxie divulgou a primeira notícia no dia 10 de julho, informando que, na Laura de Ptochaïev, milhares de fiéis haviam se reunido na procissão pan-ucraniana “pela paz, o amor e a oração pela Ucrânia”. Ou seja, arejando o sentimento nacionalista e os desejos pan-ortodoxos de se tornar uma Igreja Ortodoxa independente do patriarcado moscovita, cujo documento de autocefalia poderia ser concedido por Constantinopla, honrando os cânones, com resultados, nesse caso, devastadores dentro da própria Igreja Ortodoxa Russa. Há pesquisas que sustentam que ao menos 40% do clero de Moscou é ucraniano.
A outra notícia também apareceu em Orthodoxie, no dia 19 de julho, dando conta de uma multitudinária manifestação de peregrinos – dezenas de milhares – participando da procissão em memória da Família imperial russa, em Ecaterimburgo. Desta vez, também com o tácito propósito de agitar como bandeira os ares imperialistas da Santa Rússia e provar, com isso, que o grande povo russo fecha fileiras precisamente em Ecaterimburgo - a cidade onde foi assassinado o Czar Nicolau II e sua família, hoje beatificados -, com o patriarca Kirill e o próprio presidente Putin, cada dia mais unidos nos desejos expansionistas da imperial Rússia dos czares.
No meio das duas informações, e voltando ao tema das chaves, Orthodoxie divulgaria, no dia 18 de julho, uma terceira notícia presidida por uma foto intencionadamente truncada (os rostos dos personagens ficam semiocultos). A fonte ortodoxa informa que um hierarca do Patriarcado de Constantinopla visitou o líder do “Patriarcado de Kiev”, cismático há alguns anos do Patriarcado russo. O hierarca não é outro que o arcebispo da diocese de Winnipeg, e do Centro da Igreja Ortodoxa Ucraniana no Canadá, o metropolita Yurij (Kalichtchuk). O metropolita de Lugansk e Altchev, Mitrofán (Igreja Ortodoxa da Ucrânia), citou este encontro, do dia 14 de julho, em Kiev, a partir do Departamento de relações eclesiásticas exteriores da Igreja Ortodoxa da Ucrânia.
Em uma carta, Mitrofán expressou seu pesar pelo fato do metropolita Yurij não ter encontrado, por outro lado, possibilidade de visitar o primaz da Igreja Canônica Ortodoxa da Ucrânia, sua beatitude o metropolita de Kiev e de toda Ucrânia, Onofrio, havendo concordado, desta vez sim, em se encontrar publicamente com o “patriarca” Filaret, que originou o cisma na Ucrânia. Tais encontros – destacou Mitrofán – são incompatíveis tanto com o espírito dos cânones eclesiásticos e a ordem que prevalece nas ações mútuas dos bispos canônicos de todo o mundo ortodoxo, como com o espírito de unidade da Igreja, sob cujo sinal se deu o Concílio em Creta, do qual tanto se fala nos documentos conciliares. Mitrofán, além disso, expressa sua esperança de que o ocorrido constitua um infeliz mal-entendido e que não afete as relações tradicionalmente quentes e amistosas entre a Igreja da Ucrânia e o Patriarcado de Constantinopla.
As feridas da ausência cretense, portanto, seguem aí, sem cicatrizar. E logo será possível ver o que os meses vindouros dirão. Boa pinta, desde agora, não tem. E tenho muito medo que notícias como as comentadas acabem sendo coisas de não poucos momentos e nem fáceis de remediar.
Sou dos que acreditam que é necessário continuar falando. Mais ainda: dialogando, que é mais que falar. As Igrejas, ainda que não estejam de acordo em seus programas, devem tentá-lo em seu procedimento e para isso precisam falar até pelos cotovelos, ainda que seria preferível que falassem com o coração, que às vezes também se mostra razoável. Sabemos bem que a conversa continua sendo uma das belas artes, ainda que, às vezes, esteja em bocas tortuosas e radicalmente incapacitadas para as artes do diálogo. Queremos falar e queremos ser escutados, mas não reparamos no que podemos transtornar o interlocutor, caso façamos tudo de uma vez e gritando. Não seria bom, por isso, a propósito de Creta, que as Igrejas Ortodoxas se esquecessem de dialogar.
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“Não seria bom que as Igrejas ortodoxas se esquecessem de dialogar” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU