25 Julho 2016
O encontro de Francisco e o sultão, séculos depois: "Cabe às pessoas de boa vontade construir novas pontes de paz: os muros não são a resposta. Assis fará a sua parte, como há 800 anos."
A opinião é do padre italiano Enzo Fortunato, diretor da revista San Francesco, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 21-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Vou lhes contar uma emoção, forte, fragorosa, quase indescritível – e também as lágrimas derramadas pela comoção – mais do que uma viagem. Vou lhes contar uma coisa fora do tempo ou, melhor, que aconteceu há cerca de 800 anos, que dois freis franciscanos quiseram renovar há alguns dias, dirigindo-se ao Cairo e a Damietta, aonde Francisco de Assis chegou em 1219 para se encontrar com o sultão al-Malik al-Kamil na tentativa de parar a guerra e as Cruzadas e de indicar que outras armas o homem tinha em relação às espadas: as do encontro, da paz, da convivência. Clandestino ao contrário, Francisco, embarcou em Ancona, com 12 irmãos, visionário ou, melhor, impulsionado pela mensagem evangélica: "Amarás o próximo como a ti mesmo".
Ontem, as Cruzadas; hoje, as tensões internacionais, as explosões de violência cega, o sangue de um terrorismo bárbaro: os "pedaços" de uma Terceira Guerra Mundial, como chamou-a o Papa Francisco. Assim, no meio de uma temporada escura, com o padre Mauro Gambetti, guardião do Sacro Convento de Assis – que tem a missão de guardar, justamente, o corpo do Santo, e de fazer viver a extraordinária mensagem de amor pela Criação – tivemos uma série de encontros no Cairo e em Damietta.
O primeiro foi no Cairo com o ministro da Cultura, Helmy El-Namnam. Com ele, logo compartilhamos os valores que deveriam animar a pacífica convivência entre pessoas de culturas, fés, origens diferentes. Dissemos-lhe que gostaríamos de recordar e de fazer reviver o centenário daquela viagem que São Francisco fez nas terras do sultão, que vai cair em 2019. O ministro acolheu a proposta, pondo a serviço da ocasião a sua estrutura para organizar um encontro internacional.
Quem também nos recebeu foi o ministro para os Assuntos Islâmicos, acolhendo-nos junto com o imã emérito do Cairo, uma cópia do Alcorão e tapetes vermelhos que ornamentam uma escadaria monumental. O ministro, Mohamed Mokhtar Gomaa Mabrouk, ressaltou que podemos trabalhar juntos para salvaguardar a humanidade da violência que caracteriza este momento histórico. A humanidade tem uma desesperada necessidade de diálogo.
"Estou preocupado – disse-nos – com a difusão de uma cultura da violência que corre o risco de se tornar cultura global. É por isso que as pessoas religiosas são chamadas a debater e a trabalhar juntas." O extremismo – sublinhou ainda – tornou desumano o rosto do homem. É por isso que temos, pessoalmente diante de Deus e coletivamente diante dos homens, uma responsabilidade grande.
São "palavras que irradiam sabedoria e luz", respondeu-lhe o guardião do Sacro Convento, padre Mauro, expressando a sua alegria pelo esforço de estabelecer juntos e de dar vida a uma cultura de paz no mundo. E indicou que isso poderá ser feito juntos já no próximo encontro internacional em Assis, programado para os dias 18 a 20 de setembro próximos.
Mas o momento mais significativo e emocionante foi em Damietta, a poucas horas de carro do Cairo. Encontramo-nos na sede do chefe imã Shiek Bakr Abdel Hady. Junto com ele, uma delegação de professores da Universidade de al-Azhar, incluindo os professores de Sunna Islâmica Dr. Ismael Abdel Rahman e Dr. Mohammad Al-Labban.
Uma forte emoção acompanhou todo o encontro. Chamamo-nos de irmãos e manifestamos a alegria do abraço. "Estamos honrados – disse-nos o chefe imã – por poder receber vocês na nossa casa: o Egito, o país da Universidade de al-Azhar, que, para nós, significa moderação. Na nossa instituição, ensinamos que todas as religiões existem para o bem do homem, e é por isso que, entre nós, vocês nunca vão encontrar pessoas hostis, mas pessoas em diálogo."
Ao término da conversa, demos ao chefe imã uma imagem do afresco Giotto imortalizado na Basílica Superior, que retrata o encontro entre São Francisco e o sultão.
Voltamos à Itália com uma consciência: todos os interlocutores que encontramos manifestaram disponibilidade e alegria ao nos acolher e a estreitar relações de amizade, além de organizar, juntos, eventos para fortalecer a memória de um encontro crucial e extraordinário entre mundo islâmico e mundo ocidental. Cabe às pessoas de boa vontade construir novas pontes de paz: os muros não são a resposta. Assis fará a sua parte, como há 800 anos.
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Peregrinação ao Egito: um diálogo de paz nas pegadas de São Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU