29 Junho 2016
"É preciso estar atento para outras alterações no licenciamento ambiental que estão sendo gestadas, muito mais sutis e possivelmente mais eficazes. Menos toscas e, por isso mesmo, merecedoras da nossa atenção… É o caso do Projeto de Lei (PL) 654/2015", escreve Isabelle Meunieri, engenheira florestal, doutora em ciências florestais, e professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco, em artigo publicado por EcoDebate, 28-06-2016.
Eis o artigo.
Recentemente, ambientalistas, gestores, juristas, técnicos, comunidade acadêmica e sociedade em geral foram surpreendidos com a “aprovação”, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 65/2012, de autoria do senador por Goiás, Acir Gurgacz, relatada pelo senador Blairo Maggi.
A PEC 65, como iremos chamá-la de agora em diante, se realmente aprovada, colocaria em xeque o processo de licenciamento ambiental no Brasil, com resultados imprevisíveis. Na verdade, é quase impossível saber quais seriam os seus reflexos no processo de licenciamento e de avaliação de impactos ambientais, pois, de tão mal concebida e cheia de erros, não apenas confronta os princípios constitucionais, mas todo o arcabouço conceitual já estabelecido sobre o tema.
Parece, no entanto, que podemos respirar (quase) aliviados: a PEC 65 não foi aprovada, mas apenas “admitida a sua tramitação”, e parece remota a possibilidade, ao fim das discussões e votações exigidas à aprovação de uma PEC, de que ela resista, muito mais pelos seus erros grosseiros do que pela reação dos seus oponentes.
Atualmente sob a relatoria do senador Randolfe Rodrigues, a PEC 65 encontra-se na pauta da próxima reunião da mesma Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), com um novo parecer indicativo de inconstitucionalidade, aguardando votação. Assim, talvez daqui há alguns dias ou semanas, não valha a pena voltar ao assunto… Mas, por enquanto, algumas dúvidas resistem, juntamente à incerteza quanto ao seu arquivamento: por que um terço dos senadores, de diferentes partidos e posições, assinaram a PEC 65, sem se dar conta dos seus erros e dos possíveis efeitos danosos ao sistema de controle ambiental brasileiro? Por que, enfim, criou-se um fato (ou factoide) que exigiu a atenção e a reação de ambientalistas, gestores, juristas e acadêmicos? Não seria mais fácil haver uma análise prévia de mérito, coerência e constitucionalidade – e mais fácil, ainda, os senadores (ou seus assessores) lerem o que apoiam como proposição?
Mas, do que trata a tal PEC 65? De acordo com o proposto pelo senador goiano, deveria ser acrescentado ao Artigo 225 da Constituição, do qual emanam as normas jurídicas que sustentam a Política Nacional do Meio Ambiente e cujo caput sintetiza alguns dos importantes princípios do Direito Ambiental, mais um parágrafo, o 7º, com a seguinte redação: “A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente.”
Como assim “a apresentação do EIA importa a autorização para execução…”? Parece que se esqueceu da necessidade de análise e discussão com os interessados e a sociedade em geral, assim como da possibilidade de alterações e, eventualmente, de rejeição dos estudos ambientais. Além disso, as normas vigentes determinam que a aprovação dos estudos prévios de impactos está associada à Licença Prévia, que atesta a viabilidade ambiental da concepção do projeto e não confere uma “autorização para execução”.
Ainda há mais uma curiosidade na PEC, que também escapou da leitura dos senadores que a assinaram: na sua justificativa (sim, há uma justificativa!), alega-se ser isso necessário para não atrasar as obras públicas, tantas delas fora do cronograma original ou totalmente paralisadas. Mas onde, no texto da PEC, está a palavra “pública”? E mesmo se acrescida essa palavra (digamos que esse fosse o pequeno “bode na sala”, fácil de se negociar…), quem garante que toda obra pública é de utilidade pública e merece tratamento diferenciado? Além disso, não havendo a correta análise dos impactos e adequadas proposição e execução de medidas mitigadoras e compensatórias – assim como a possibilidade concreta de controle do cumprimento das condicionantes – mesmo em obras de utilidade pública, é sempre o povo que sofre as consequências, diretas ou indiretas, e cabe a ele exigir uma adequada ação do Poder Público.
Obviamente, a aprovação (da admissibilidade, vejam bem… a imprensa não esclareceu, especialistas não tiveram a pachorra de explicar, mas foi isto que foi aprovado na CCJC do Senado…) resultou em fortes reações de ambientalistas, Ministério Público, associações de diferentes naturezas e perfis. Reconhece-se tratar de algo tosco, disparatado, de rejeição quase unânime. Portanto, não deveria ser necessário mobilizar forças e energias para reagir a algo que não poderia ter encontrado ambiente para prosperar.
Acreditando que a PEC 65 seja considerada inconstitucional, ainda assim restam dúvidas, talvez merecedoras de maior atenção: outras iniciativas em curso, todas com vistas a modificar de alguma forma o processo de licenciamento ambiental, buscam avançar em qualidade, precisão, celeridade, segurança e transparência, tendo como objeto a proteção do equilíbrio do meio ambiente, bem de uso comum do povo? O que conhecemos dessas propostas e quais os seus interesses, explícitos ou nem tanto?
É preciso estar atento para outras alterações no licenciamento ambiental que estão sendo gestadas, muito mais sutis e possivelmente mais eficazes. Menos toscas e, por isso mesmo, merecedoras da nossa atenção… É o caso do Projeto de Lei (PL) 654/2015, de iniciativa do Senado, que pretende acelerar o licenciamento ambiental de obras consideradas estratégicas, e o PL 8062/2014, tramitando na Câmara, que também se propõe a regulamentar o licenciamento ambiental, juntamente a outros projetos de lei apensados.
Ainda há de se conhecer a proposta da Associação Brasileira de Entidades de Meio Ambiente (ABEMA), atualmente em um conflituoso processo de discussão no Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), sem a necessária participação social, visando a “atualização” das Resoluções CONAMA nº 1/1986 e nº 237/1997.
É preciso compreender que a participação é um princípio da Política Nacional de Meio Ambiente e precisa ser cultivada com respeito à cidadania, envolvimento efetivo nas questões que afetam toda a sociedade e consolidação de instrumentos de informação, formação e controle social. Para isto, estudar, discutir, se informar e opinar são atitudes fundamentais.
Compreende-se as reações apaixonadas contra a PEC 65. Mas é preciso duplicar as atenções para analisar as demais propostas e preparar-se para reagir ao que possa se constituir em mais alguns retrocessos na legislação ambiental brasileira.
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Por que ainda estamos discutindo a PEC 65/2012? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU