Por: Cesar Sanson | 07 Junho 2016
Dissertação de mestrado apresentada no Instituto de Economia (IE) da Unicamp faz uma análise do conjunto da obra de Maria da Conceição Tavares, uma das mais influentes teóricas da área econômica e consagrada na literatura por suas análises originais e instigantes nas áreas de economia brasileira, economia política e economia política internacional. Intitulada “O desenvolvimento capitalista na obra de Maria da Conceição Tavares: influências teóricas, economia política e pensamento econômico”, a pesquisa é de autoria de Paulo César das Neves Sanna Robilloti, que teve a orientação do professor Pedro Paulo Zahluth Bastos.
A reportagem é de Luiz Sugimoto e publicada por Jornal da Unicamp, 03 a 12 de junho de 2016.
Lembrando que Conceição Tavares é uma das fundadoras do IE da Unicamp e responsável pela definição de grandes linhas de pesquisa no Instituto, Paulo Robilloti considera seu trabalho inédito no sentido de sistematizar toda a obra da economista. “Há dissertações que cobrem algumas fases de sua trajetória, mas esta foi a primeira a trabalhar o pensamento econômico de Conceição Tavares como um grande bloco, oferecendo um mapa-guia de seu pensamento a outros pesquisadores. A maior dificuldade que encontrei é o fato de a autora estar inserida em um contexto histórico, institucional e intelectual muito complexo – e sem um domínio básico deste contexto seria muito difícil apontar as suas contribuições teóricas ao debate econômico e social latino-americano.”
O autor da dissertação periodiza o pensamento de Conceição Tavares em três fases: da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), onde atuou de 1963 a 1972; do Desenvolvimento Capitalista no Brasil, de 1973 a 1985; e da Economia Política Internacional, de 1985 aos dias atuais.
Os artigos que mereceram atenção especial foram: da fase cepalina, o clássico Auge e declínio do processo de substituição de importações no Brasil e Além da estagnação (escrito em colaboração com José Serra); da segunda fase, o ensaio Distribuição de renda, acumulação e padrões de industrialização (de 1973, precursor da sua tese de livre-docência), Acumulação de capital e industrialização no Brasil (1974) e Ciclo e crise (1978).
Segundo Robilloti, os trabalhos de Maria da Conceição Tavares emergem no contexto do pós-guerra, como discípula de economistas latino-americanos como Celso Furtado, Raúl Prebisch e Aníbal Pinto. “Ela se insere no cenário econômico em um momento de pessimismo dos cepalinos em relação aos projetos nacionais de desenvolvimento que julgavam imprescindíveis: nos maiores países da região (Brasil, Argentina, Chile e México), houve um aprofundamento das relações industriais, mas sem a superação do subdesenvolvimento; ao contrário, as sociedades se tornaram ainda mais desiguais.”
O economista observa que o processo de industrialização desencadeou uma forte concentração de renda e, em sua opinião, Aníbal Pinto é o cepalino que melhor aborda criticamente como os projetos nacionais foram estruturados na América Latina de modo a intensificar essa tendência. “Houve uma preocupação fundamental em abrir as economias desses países para as multinacionais, sem que as massas fossem incorporadas a tais processos; multinacionais que, segundo diagnóstico da Cepal, traziam o capital e tecnologias de produção superintensivas que não permitiam a plena utilização de mão de obra, gerando um exército ocioso.”
Resgate cepalino
É neste momento do debate, conforme Paulo Robilloti, que Conceição Tavares oferece uma primeira contribuição importante, realizando um apanhado de tudo que o fora discutido dentro da Cepal e resgatando o pensamento da entidade sobre a estrutura e dinâmica do processo de industrialização até aquele momento. “Para o pensamento cepalino, a questão não era apenas como se produzia (usando tecnologia intensiva), mas o que se produzia: nos anos 60 e 70, uma parcela irrisória da população tinha acesso a bens como automóveis e eletrodomésticos, produzia-se para as classes mais altas.”
O autor da dissertação ressalta outro fator importante apontado por Aníbal Pinto, que é a atuação do Estado, com uma política econômica que propiciava a concentração social, regional e setorial de renda. “No Brasil, poucos estavam inseridos neste mundo da produção e do consumo. Para os cepalinos, a questão fundamental desses projetos de industrialização era da soberania, de terem suas dinâmicas internas desvinculadas ao cenário externo. Por conta das tecnologias intensivas e do capital estrangeiros, existia uma enorme população ociosa que, não sendo incorporada, deprimia os salários.”
Robilloti registra que no artigo de 1972, durante o milagre econômico sustentado pelo golpe militar e que foi altamente prejudicial no aspecto social, Conceição Tavares vai discordar da visão do mestre Celso Furtado de que aquele sistema, excluindo as massas, não garantia taxas elevadas de crescimento e tendia à estagnação. “Ela afirma que a industrialização promovida com elevados níveis de desigualdade e, portanto, de concentração de renda, não trava o crescimento econômico. Seu raciocínio é engenhoso: seria justamente a concentração de renda em favor dos grandes grupos que daria dinamismo à economia; que não se tratava de um problema do ponto de vista econômico, e sim do social.”
Neste mesmo artigo, acrescenta Robilloti, Conceição Tavares inverte a visão de que o crescimento econômico se dava com retornos macroeconômicos decrescentes. “A autora explica a desaceleração dos anos 70 com o movimento cíclico da economia, lembrando que houve grande crescimento durante o Plano de Metas e não seria possível sustentar aquele nível de investimento ad eternum: concluído os investimentos na indústria pesada (a automobilística era a menina dos olhos do momento), a economia naturalmente desaceleraria. E reitera o argumento de que a questão não era como se produzia, mas o quê e para quem se produzia.”
O pesquisador vê nas duas teses defendidas por Conceição Tavares na UFRJ, “Acumulação de capital...” e “Ciclo e crise...”, o estado da arte do seu pensamento. “Essas teses representam o que chamo de fase da maturidade da autora. No que diz respeito à teoria, ela se apresenta como uma economista e intelectual refinadíssima, que já se diferenciava no debate econômico. Tomando as críticas à Cepal no artigo de 72, Conceição adiciona elementos da economia política, tais como Marx, Keynes, Kalecki, Steindl e outros autores que permitem aprofundar seu olhar crítico sobre a estrutura e dinâmica do capitalismo, para depois desta ‘limpeza conceitual’ (na expressão do professor Pedro Paulo Bastos), repensar a economia brasileira à luz destes teóricos. A tese de 78 é uma crítica extraordinária em 120 páginas, demonstrando elevada capacidade de síntese da autora. Um dos motivos de meu trabalho ter ficado extenso é porque procurei explicar muitos pontos que estavam sintetizados demais.”
Mudança de eixo
Paulo Robilloti conta que, a partir dos anos 80, o pensamento de Conceição Tavares sofre uma mudança de eixo, caracterizando a terceira fase do pensamento da autora, a mais atual, marcada pelo interesse dos rumos do capitalismo mundial e da chamada globalização financeira. “A autora apresenta uma importante interpretação da economia internacional, dando origem a um amplo debate sobre os problemas do neoliberalismo, tanto do ponto de vista global como nacional, especificamente. Seu artigo A retomada da hegemonia norte-americana, de 1985, deu início a uma nova linha de pesquisa na área da Economia Política Internacional, que tomaria forma nos anos 90 e orientaria a pesquisa da autora e de um conjunto de economistas e cientistas sociais da Unicamp e UFRJ”.
As preocupações com a economia brasileira também estão presentes nesta fase, na qual a autora resgata e aprofunda questões apenas indicadas na segunda fase, especialmente os aspectos políticos e as lutas de classes. De acordo com o autor da dissertação, quando chegam os anos 90, década de quebradeira de países na América Latina seguida de estabilização da economia com elevado custo social, aflora a fase de militância de Conceição Tavares. “Da mesma maneira como militou contra os militares na condução de uma política econômica perversa, ela vai acusar a irresponsabilidade social, abordando problemas políticos, institucionais, constitucionais e o conservadorismo, deixando de enfatizar os aspectos industriais, produtivistas e cíclicos da economia. Eleita deputada, nunca deixou de tratar de economia, mas subordinando-a à questão social.”
O economista incluiu na dissertação uma entrevista feita pessoalmente com Conceição Tavares, em que ela demonstra um instante de euforia ao falar sobre a chegada de Lula ao poder e de sua pregação para que o presidente governasse para as massas, desatando alianças com elites econômicas e financeiras. “Em seguida, veio o pessimismo diante da política econômica conservadora mantida pelo governo petista. Apesar da importância dada às políticas sociais, ela se tornou crítica ferrenha das políticas econômicas neoliberais implementadas durante o governo Lula. Sobre Dilma, não fala muito.”
Paulo Robilloti lembra que, entre os membros da sua banca, estavam Ricardo Bielschowsky, professor da UFRJ e um dos maiores teóricos do pensamento econômico brasileiro, que considera Conceição Tavares a grande intérprete da dinâmica capitalista no Brasil de 1930 a 1980; e José Carlos Braga, professor da Unicamp e discípulo da economista, afirmando que ela sempre trazia a questão social no cerne das discussões e apontando como uma de suas maiores contribuições o método de criticar a teoria econômica à luz da história econômica. “Mas hoje está triste, desiludida com a política econômica. Se o século 20 foi muito efervescente no campo das ideias, hoje ela se vê na era da distopia, sem grandes ambições. Disse em outra entrevista que não queria morrer triste, como morreu seu mestre Furtado em 2004, depois que o PT chegou ao poder; que nasceu numa crise, a de 1930, e não queria morrer em outra crise.”
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Dissertação revisita trajetória de Maria da Conceição Tavares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU