10 Mai 2016
"Quem manda na economia, no Brasil, são os grandes bancos. Então, o governo quer agradar os grandes bancos e, portanto, Meirelles agrada porque é um banqueiro. Quando se tem um problema fiscal grave como o do Brasil, em que os juros são a causa central desse problema, nunca se pode ter um banqueiro querendo ser o comandante da economia", afirma o economista.
Imagem: http://bit.ly/1WOGyEa |
Segundo ele, a dificuldade está em definir se “essa relação entre o Governo Federal e os bancos – Caixa Econômica, Banco do Brasil e BNDES – foi uma operação de crédito”, como alega a denúncia, ou uma prestação de serviços, como rebate a defesa da presidente Dilma. “Porém, colocar isso como uma prestação de serviços, como o governo argumenta - e aí um estaria usando recursos próprios para cumprir a obrigação do outro, que seria o caso do Bolsa Família e outros programas -, também é muito estranho”, afirma.
Especialista em finanças públicas e ex-secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo em 1989/92, o economista frisa que “o que estaria errado é o fato de o governo usar essas estatais para cumprir algo que ele deveria pagar com o dinheiro dele”, e o agravante, pontua, é que “os valores utilizados foram muito altos, por um tempo muito longo”. Khair explica que os bancos podem prestar serviços ao governo, e o pagamento por esses serviços pode “atrasar um pouco”. Essa conduta “não caracterizaria uma operação de crédito, mas por ter sido usado na extensão em que foi, pode se assemelhar a uma operação de crédito”. Além disso, acrescenta, “fazer suplementações por créditos adicionais pode, sim, caracterizar uma desobediência”, porque o “Executivo teria sempre que pedir autorização para fazer créditos suplementares daquilo que não está previsto no orçamento; o orçamento regula esta questão”, esclarece.
Apesar de concordar com a análise do procurador do Tribunal de Contas da União - TCU, de que houve “fraude fiscal” porque o governo esticou “a corda além do que pôde”, utilizando os bancos públicos, o economista menciona que “isso não caracteriza necessariamente um afastamento da Presidente da República”. Para ele, a votação do impeachment, embora seja político-jurídica, tem tido uma motivação política por conta da atual situação econômica. “Essa questão política tem lastro no fato de a economia estar indo mal”, defende.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line na última quinta-feira (07-05-2016), Khair faz uma análise da situação fiscal do país, comenta os erros da equipe econômica, entre eles o de apostar no aumento da taxa Selic para conter a inflação, os atropelos que estão sendo feitos em relação ao ajuste fiscal desde 2015, e que permanecem com a saída do ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy. O economista também faz uma crítica à atuação dos Tribunais de Contas, que, a exemplo do TCU, “não agem fiscalizando o artigo 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal”; esse artigo determina que, “se há frustração de receita, isto é, se a receita não acompanha aquilo que foi previsto, tem que fazer um corte de despesas”. Khair informa que “essa verificação tem que ser feita a cada dois meses”, mas os governos, em geral, “não fazem nada disso: desrespeitam o artigo 9º, e os Tribunais de Contas não fazem absolutamente nada”.
Para começar a resolver a situação fiscal do país, que tem um déficit de 10,3% do PIB, sendo 8,4% decorrente do aumento da Selic, Khair é categórico: é preciso baixar urgentemente a taxa de juros, o que geraria uma economia de “250 bilhões de reais por ano”. Contudo, o economista diz não ver nenhuma perspectiva num eventual governo Temer, que provavelmente “vai continuar essa agenda de reforma da previdência, de desvinculação de recursos para a saúde e para a educação”. E acrescenta: “Quando se tem um problema fiscal grave como o do Brasil, em que os juros são a causa central desse problema, nunca se pode ter um banqueiro querendo ser o comandante da economia”, referindo-se à possível nomeação de Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda.
Amir Khair (foto abaixo) é economista e mestre em Finanças Públicas pela Fundação Getulio Vargas – FGV de São Paulo. Foi secretário municipal de Finanças na gestão da prefeita Luiza Erundina, na capital paulista (1989-1992). É consultor nas áreas fiscal, orçamentária e tributária.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Que balanço faz dos argumentos apresentados na comissão de impeachment do Senado na última semana, que, de um lado, defendem que a presidente cometeu crime de responsabilidade fiscal e editou decretos de suplementação sem prévia autorização legislativa, e, de outro, defendem que não houve crime de responsabilidade, mas simplesmente prestações de serviços, e, por fim, o relatório final do Senador Anastasia, pedindo o afastamento da presidente?
Foto: Revista Fórum
Amir Khair – Pela questão das pedaladas, que é um dos pontos dessa discussão, no meu entender é bastante difícil tomar uma decisão, porque não me parece que essa relação entre o Governo Federal e os bancos – Caixa Econômica, Banco do Brasil e BNDES – foi uma operação de crédito. Porém, colocar isso como uma prestação de serviços, como o governo argumenta - e aí um estaria usando recursos próprios para cumprir a obrigação do outro, que seria o caso do Bolsa Família e outros programas -, também é muito estranho. Fiquei muito na dúvida com relação a essa interpretação.
Agora, de qualquer forma, acredito que o que estaria errado é o fato de o governo usar essas estatais para cumprir algo que ele deveria pagar com o dinheiro dele, e os valores utilizados foram muito altos e por um tempo muito longo. Às vezes compreendemos que pode acontecer de se contratar um banco para fazer determinado serviço, como o que a Caixa Econômica Federal presta a vários Ministérios, e atrasar um pouco o pagamento. Isso, no meu ponto de vista, não caracterizaria uma operação de crédito, mas por ter sido usado na extensão em que foi, pode se assemelhar a uma operação de crédito.
Com relação à outra parte, que é fazer suplementações por créditos adicionais, isso pode, sim, caracterizar uma desobediência. O Executivo teria sempre que pedir autorização para fazer créditos suplementares daquilo que não está previsto no orçamento; o orçamento regula esta questão. Existe uma liberdade de fazer transposições de valores entre despesas ou até aumentar essas despesas, com provas que terá receita para isso, mas no caso era uma troca de posições em rubricas, que talvez não estivessem previstas no orçamento. Essa questão também pode criar complicações.
Agora, se isso é motivo para afastar um Presidente da República, é outra questão, porque uma coisa é dizer que isso leva ao impedimento de um presidente - não sei se a lei coloca nesses termos, parece que não. Por outro lado, é muito comum existir, tanto para governadores como para prefeitos, o uso de recursos públicos de uma forma não correta no que se refere ao orçamento. Por isso, vejo com um pouco de dificuldade essa questão, no que diz respeito a se essas alterações feitas pelo Governo Federal na questão orçamentária são ou não objeto de afastamento.
IHU On-Line – Do ponto de vista fiscal, como o senhor compreende as transações feitas? Quais foram os motivos que levaram o governo a realizar essas transações? Elas são legítimas?
Amir Khair - O governo vinha tendo despesas que cresciam acompanhando o aumento da arrecadação - isso ocorreu até 2012. Depois, como a crise econômica se acentuou, a arrecadação foi ficando frágil e chegou a um ponto em que não se tinha flexibilidade de reduzir a despesa, e a receita caiu, então se entrou em dificuldade. Para segurar, seria possível cortar programas e não fazer algumas despesas, mas o governo não fez isso e continuou gastando além do que podia.
"É muito comum existir, tanto para governadores como para prefeitos, o uso de recursos públicos de uma forma não correta no que se refere ao orçamento" |
IHU On-Line - Quais cortes o governo poderia ter feito à época para reduzir o déficit das contas? Havia condições de fazer algo diferente?
Amir Khair – Teria, mas não naquilo que se discute hoje, que é uma discussão incompleta. Na questão da Lei Orçamentária ou na contabilidade pública, nas regras, se tem como despesa não apenas as despesas de custeio, como também despesas com investimento e despesas com juros. Quando se tem no orçamento do Governo Federal um montante imenso de juros como despesa, essas despesas estão na mesma categoria que despesas de pessoal ou da máquina pública, chamadas de despesas correntes.
Quando se tem juros crescendo por conta do aumento da Selic, que foi subindo, se poderia ter brecado a despesa com juros e obtido uma folga fiscal muito maior do que aquela que foi ultrapassada na relação entre despesa e receita. Em outras palavras, pode-se acomodar espaço fiscal desde que se considere a conta de juros nessa equação. Mas a conta de juros só foi crescendo – e cresceu muito mais do que as próprias despesas do governo. Por exemplo, em 2015 houve um crescimento das despesas com a Previdência Social de 6 bilhões de reais, em valores de dezembro, e um aumento de 130 bilhões de reais em juros: o aumento de juros foi muito superior ao aumento de despesas da Previdência. Portanto se poderia perfeitamente reduzir as despesas de juros e aí, sim, obter um espaço fiscal muito maior, mas o governo não usou isso.
IHU On-Line - Alguns economistas sinalizam que a presidente tentou mudar a taxa de juros, mas o mercado financeiro reagiu. Isso aconteceu? Por que não deu certo? Qual a maior dificuldade em relação à alteração da taxa Selic?
Amir Khair – Ela tentou fazer isso por volta de 2012 para 2013, quando houve o recuo da Selic até 7,25% - foi o nível mais baixo registrado na Selic. Ocorre que, ao mesmo tempo que a Selic foi sendo reduzida, um outro movimento foi ocorrendo no sentido de criar inflação: a inflação de alimentos. A inflação de alimentos esteve, durante 12 meses seguidos, bem superior ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor – IPCA, e foi puxando a inflação para cima, de maio de 2012 a abril de 2013. No final do processo, em abril de 2013, a inflação em 12 meses já tinha ultrapassado o teto, e aí a presidente tomou a decisão de autorizar o aumento da Selic, ou seja, houve uma decisão equivocada, porque a Selic não controla a inflação de alimentos. Perdeu-se, então, uma grande oportunidade de continuar mantendo ou reduzindo a Selic.
Esse fenômeno que aconteceu durante 12 meses seguidos só foi registrado uma única vez, em 2007 e 2008, quando houve 14 meses seguidos de inflação de alimentos superior ao IPCA - isso desde que o IPCA foi registrado, em janeiro de 1980. Assim, se a equipe econômica tivesse uma avaliação de que o que estava causando o problema inflacionário eram os alimentos, e que não é a Selic que combate a inflação de alimentos, a situação seria outra. O que puxou a inflação de alimentos foram os alimentos in natura, que são sensíveis às condições climáticas, que são ou a falta ou excesso de chuvas nas regiões produtoras. Então, jamais se poderia ceder na questão da taxa básica de juros por conta de uma inflação que não tem nada a ver com ela.
IHU On-Line - O que poderia ter sido feito no combate à inflação?
Amir Khair – Não há muita defesa para a inflação de alimentos. Existem inflações para as quais não há instrumentos, nem no Banco Central nem no governo.
Mexer na taxa de juros não alteraria nada no sentido de combater a inflação. Foi uma batalha perdida e que serviu de argumento – e até hoje vem servindo de argumento – para dizer que não se reduzem os juros na “marra”; não tem nada que ver uma coisa com a outra. A Selic, alta como está, não contribui em nada para reduzir mais a inflação, ela simplesmente está danificando a economia como um todo porque distorce o câmbio, aumenta a dívida do país e, do ponto de vista fiscal, só cria problemas. Acredito que foi uma possibilidade perdida e que está servindo de argumento para não se tentar outra vez baixar a Selic ao nível da inflação, que é o que fazem todos os outros países.
IHU On-Line – Na comissão do impeachment no Senado, o procurador do Tribunal de Contas da União - TCU, Júlio Marcelo de Oliveira, afirmou que o governo praticou “fraude fiscal” e “contabilidade destrutiva” ao atrasar transferências do Tesouro Nacional a bancos públicos. Como o senhor avalia a atuação do TCU nesse processo, dado que o órgão foi acusado, na mesma comissão, de se manifestar muito tarde sobre a situação das contas púbicas? O TCU agiu corretamente, demorou para agir, está correto ou equivocado?
Amir Khair – Sou um crítico dos Tribunais de Contas, porque eles não têm estrutura, muitas vezes, para agir prontamente. Assim, às vezes deixam o problema correr e só depois o órgão vem dizer que estava errado. Foi o que aconteceu. E isso não ocorre apenas com o Tribunal de Contas da União, mas também com os Tribunais de Contas dos estados e nos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo, em que os Tribunais de Contas são desconhecidos. Eles não agem fiscalizando o artigo 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal, e esse artigo é claro: se há frustração de receita, isto é, se a receita não acompanha aquilo que foi previsto, tem que fazer um corte de despesas, e essa verificação tem que ser feita a cada dois meses. Os governos, em geral, não fazem nada disso: desrespeitam o artigo 9º e os Tribunais de Contas não fazem absolutamente nada. Passa-se muito tempo até que o Tribunal analise as contas e, normalmente, faz isso ao final do ano ou próximo disso, e aí a “coisa já está estragada”.
"Sou um crítico dos Tribunais de Contas, porque eles não têm estrutura, muitas vezes, de agir prontamente" |
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IHU On-Line - Houve fraude fiscal, conforme o TCU afirma?
Amir Khair – Na realidade, sim, porque gastar bem mais do que se tem e usar até os bancos públicos para isso, é realmente “esticar a corda além do que pode”. Agora, de qualquer maneira, como eu disse antes, isso não caracteriza necessariamente um afastamento do Presidente da República. Acredito que aquilo que está conduzindo mais o afastamento é uma questão política, e essa questão tem lastro no fato de a economia estar indo mal; esse é o meu ponto de vista.
IHU On-Line - A Lava Jato tem influenciado nessa decisão política da votação do impeachment?
Amir Khair – Sim, ela sempre influencia, mas não em cima da presidente; a Lava Jato não tem nada a ver com a presidente. A operação tem influência no sentido de haver um certo direcionamento da Justiça, porque o juiz de Curitiba [Sérgio Moro] não deixou chegar à opinião pública a planilha da Odebrecht, onde estavam apontados 179 políticos de 22 partidos; ele preferiu colocar a gravação da conversa do ex-presidente Lula. Isso pareceu claramente um direcionamento desse juiz. Acho lamentável; nós não estamos vendo políticos de outros partidos, principalmente PSDB, serem atingidos.
Independentemente da operação Lava Jato, um fato muito mais grave que ocorreu, e ficou por isso mesmo, foi com relação ao candidato Aécio Neves, que usou recursos do estado de Minas Gerais para construir um aeroporto na fazenda de um tio dele, onde passava os finais de semana. Isso é de uma gravidade tremenda e não precisa de provas, a prova é o próprio fato. No entanto, nada aconteceu e esse senhor disputou a presidência da República, tendo uma votação expressiva. Isso mostra que a Justiça não é igual nesse processo. Agora, o caldo de cultura de tudo isso é o fato de a economia não estar indo bem, porque se estivesse indo bem, nada disso estaria acontecendo.
IHU On-Line – É possível medir qual é o impacto da corrupção e dessa relação estreita entre Estados e empresas privadas nas contas públicas?
Amir Khair – Isso gera um impacto muito grande, mas não é a questão principal. É difícil identificarmos qual é o valor que a corrupção atinge, porque ela não ocorre somente no Governo Federal, mas também nos estados e municípios, então é difícil dizer qual é a ordem do desvio. Mas, normalmente, a corrupção se dá em superfaturamentos, seja em obras, seja em prestação de serviços ou em compra de bens. Então, não existe um estudo claro – que eu conheça, pelo menos – que identifique o valor desse estrago.
É gravíssima essa situação da corrupção, assim como é gravíssimo o fato de não existirem controles para isso. Também é muito grave o fato de servidores públicos estarem envolvidos e, às vezes, o servidor que não está envolvido se omite, porque percebe que há alguma coisa estranha, mas não fala nada. Agora, a questão central é que o dinheiro público vem da população, portanto o fato de desviar esses recursos é um crime contra a população, que depende dos serviços de educação e saúde, basicamente bem-estar social e segurança pública. Então, acompanhamos, quando se fala na Petrobras, que os valores são elevados, mas existem grandes obras que são feitas nos governos estaduais, que também têm corrupção, e esses casos já começam a aparecer cada vez mais nos meios de comunicação.
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"Déficit, no caso do Brasil, onde a taxa de juros é absurdamente elevada, é um benefício aos rentistas e aos banqueiros, não à população" |
IHU On-Line - Alguns economistas veem o déficit das contas públicas como algo normal, porque o Estado nunca arrecada o suficiente para a quantidade de demanda a ser realizada. Sobre essa questão, em que medida ter déficit nas contas públicas é ou não saudável?
Amir Khair – Quando há um déficit, existem duas alternativas para enfrentá-lo: a primeira é atrasar o pagamento - é o que estamos assistindo agora em alguns governos estaduais, com relação ao salário do funcionalismo -, e a outra é aumentar a dívida. No caso dos governos estaduais e municipais, essa alternativa de aumento da dívida não existe, porque desde que houve a renegociação das dívidas, eles não puderam mais emitir títulos; isso só pode ser feito pelo governo federal.
Assim, quando analisamos o déficit do governo federal, o que está em jogo? Está em jogo o fato de que, quando há déficit, o governo federal paga uma conta de juros maior. Ora, quando se paga uma conta de juros maior, esse dinheiro vai para quem? Para os rentistas e para os bancos. Portanto, déficit, no caso do Brasil, onde a taxa de juros é absurdamente elevada, é um benefício aos rentistas e aos banqueiros, não à população. Se houvesse taxas de juros civilizadas e precisasse fazer déficit, os juros seriam pequenos, eles poderiam compensar até ter uma política anticíclica. Porém, no caso brasileiro, quando se tem déficit, se está aumentando a despesa pública que se destina aos bancos e aos rentistas.
IHU On-Line - A responsabilidade acerca do montante do déficit é do Estado? O Estado teria condições de regular melhor as taxas de juros para que elas fossem mais baixas?
Amir Khair - Sim. A responsabilidade é do Estado e ele teria condições de regular a taxa de juros, mas não regula. Teria, porque quem, por exemplo, arbitra no caso da Selic é o Banco Central, e ele é sempre pautado pelo mercado financeiro; então, o Banco Central sempre gosta de taxa de juros alta, e sempre são escolhidos banqueiros para a presidência do Banco Central - Alexandre Tombini é uma exceção. Agora, está se formando o governo Temer e quem está sendo chamado para o Banco Central é ou Ilan Goldfajn ou Mário Mesquita, que são banqueiros. Logo, o que interessa para tais pessoas? Essas são pessoas cujo DNA é de altas taxas de juros para satisfazer o lucro dos bancos, que dependem de taxas de juros.
IHU On-Line – Então o Estado é refém do mercado financeiro? Não existem alternativas?
Amir Khair – Há algumas alternativas: quando se tem déficit, é possível ou emitir títulos ou moeda. O governo sempre pode emitir moeda e, com isso, não está aumentando a conta de juros dele. Mas como ele não emite moeda e prefere emitir título, está sempre se endividando, e aí fica na mão do mercado.
IHU On-Line - Nessa situação o Estado é cúmplice do mercado?
Amir Khair – Sem dúvida. Essa relação mostra que há dois lados ruins [Estado e mercado].
IHU On-Line – No início de 2015, falou-se que o governo Dilma deu uma “guinada à direita” e hoje se vê que há um déficit nas contas públicas. O que aconteceu do ponto de vista fiscal nas contas públicas na transição de 2014 para 2015? Houve uma guinada por parte do governo ou o problema foi o déficit? Ou aconteceram as duas coisas?
Amir Khair – Na realidade houve um aumento do déficit muito forte em 2014 e, dada a situação à época, a presidente achou que precisava colocar uma pessoa com mais determinação fiscal para segurar as despesas, então escolheu o Joaquim Levy. Mas as coisas não são tão claras assim, porque na realidade a presidente fez uma campanha política, em disputa com o outro candidato, muito em cima de questões de juros, questões relativas a despesas etc.
No entanto, na hora de escolher uma equipe econômica que a levasse para o lado em que realmente apostou – o lado do crescimento econômico -, ela convidou primeiro o presidente do Bradesco, indicado pelo Lula. Essa pessoa recusou o convite e indicou o Joaquim Levy, que é um diretor do Bradesco. Então, ela escolheu alguém que fez uma política tipicamente neoliberal, com mira na Previdência Social e também em desvinculação de recursos para saúde e educação, ou seja, uma pessoa que só se preocupou com despesas e que foi pega pelas costas, porque o que ferrou esse ministro foi a perda de arrecadação, que foi muito superior ao aumento de despesas. Além disso, ele sancionou a política suicida do Banco Central de elevar a Selic, e assim a conta de juros ficou cada vez mais explosiva e, do ponto de vista fiscal, foi um fracasso completo.
Então Joaquim Levy caiu e assumiu uma pessoa que poderia dar uma conotação diferente à situação, o atual ministro Nelson Barbosa, mas ele simplesmente adotou a mesma agenda do ministro anterior. Passaram a defender a Reforma da Previdência, desvinculação dos recursos para educação e saúde, não deram atenção para o crescimento econômico e não mexeram na questão dos juros, sequer a mencionaram. Ou seja, um fracasso total novamente.
Minha opinião é esta: a presidente deu as costas para quem a elegeu e, além disso, manteve – mesmo no ápice da queda do Joaquim Levy – a mesma política. Ela atropelou, inclusive, o Fórum que estava discutindo a Previdência Social - Fórum Tripartite -, dizendo que iria mandar o projeto de lei da Reforma da Previdência para votação, independentemente das conclusões desse fórum. E aí fica a questão: por que criou um Fórum para dar opinião sobre isso se ela atropelou o processo? Joaquim Levy já estava atropelando, Nelson Barbosa foi lá e atropelou de novo e ela pega e dá força para os dois, mexendo com aquilo que é mais sagrado, que é a questão da aposentadoria, porque a Previdência Social é a maior política social do governo. É realmente lamentável que tenha ocorrido isso.
"As medidas que eles vão tomar serão perfumarias e só vão atrasar o processo, o que significa agravá-lo" |
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IHU On-Line – Qual é o déficit atual das contas públicas e qual será o impacto no desenvolvimento e crescimento do país por conta desse déficit?
Amir Khair – O déficit no ano passado foi de 10,3% do PIB, sendo que os juros correspondem a 8,4% do PIB, ou seja, 82% do déficit; 13% se deve à perda de arrecadação, e apenas 5%, ao aumento de despesas. Então, a ordem de mexer com força e reverter a questão fiscal é muito simples: fazer o caminho inverso do que eles têm feito e isso significa, primeiramente, atacar os juros, ou seja, reduzir a Selic ao nível da inflação projetada, que é da ordem de 7% para os próximos dois meses. Depois, render excessos de reservas, porque não tem sentido manter 370 bilhões de dólares de reservas; isso custa demais ao país, algo em torno de 110 bilhões de reais por ano de juros, todo ano. Ao se reduzir a Selic ao nível da inflação, se economizam 250 bilhões de reais por ano e só aí são 360 bilhões de economia. Essas são duas medidas importantes de serem feitas, que não dependem do Congresso, mas apenas de uma determinação da parte do governo, e aí sim se reduz a relação dívida X PIB de 70% para algo em torno de 53%. Com isso se daria uma sinalização concreta para parar essa relação explosiva da dívida sobre o PIB. Se isso não for feito, não vejo saída, porque aí a crise só vai se agravar.
IHU On-Line – O que se pode esperar em termos econômicos no possível governo Temer?
Amir Khair – O governo Temer já está anunciando o seu plano na parte de economia e já estão dizendo que vai levar muitos anos para colocar o país em ordem. No entanto, as medidas que eles vão tomar serão perfumarias e só vão atrasar o processo, o que significa agravá-lo. É mais ou menos o que acontece com uma pessoa que está pendurada no cheque especial e não renegocia taxas razoáveis com o banco para pagar a dívida, vai deixando a coisa correr e a “bola de neve” vai crescendo. É isso que está acontecendo no Brasil.
Eu sinceramente não espero muito desse novo governo, porque vai continuar essa agenda de reforma da previdência, de desvinculação de recursos para a saúde e para a educação. Então, não vejo muita saída nessa aposta de achar que os empresários voltarão a investir depois de serem feitas medidas como essas. Não é por aí que os empresários se movem; eles estão com capacidade ociosa elevadíssima, não estão vendo perspectivas de crescimento do consumo e, portanto, não investem.
IHU On-Line – Por que Henrique Meirelles, que foi presidente do Banco Central nos governos Lula, é chamado novamente num possível governo Temer? Por que essa recorrência no nome dele, em vista de todas as críticas feitas à taxa Selic?
Amir Khair – Quem manda na economia, no Brasil, são os grandes bancos: eles é que pautam a Selic e que fazem as análises que são seguidas pelas consultorias, que têm interesses no setor bancário. Então, o governo quer agradar os grandes bancos e, portanto, Meirelles agrada porque é um banqueiro. Quando se tem um problema fiscal grave como o do Brasil, em que os juros são a causa central desse problema, nunca se pode ter um banqueiro querendo ser o comandante da economia.
Tem que ser uma pessoa com experiência na economia: normalmente são empresários ligados à economia real - tenho muitas dúvidas em relação ao pessoal da academia, porque para conduzir a economia eles são muito teóricos. Às vezes, um grande empresário tem mais condições de lidar com problemas econômicos, ou pessoas que tenham passado por experiências muito fortes na economia real, como executivos que tenham tido sucesso e tenham uma visão política importante. Não adianta apenas ter tido sucesso técnico, é muito importante que a pessoa que vai comandar a economia do país tenha sensibilidade, ou seja, percepção de que o Estado tem de estar a serviço daqueles que mais precisam dele, e aí, sim, ter políticas de renda, políticas voltadas para as primeiras necessidades das pessoas, e assim por diante.
IHU On-Line – O senhor tem em vista algum nome de quem poderia conduzir a economia do país?
Amir Khair – Não tenho (risos).
Por Patricia Fachin
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Déficit brasileiro beneficia banqueiros. Entrevista especial com Amir Khair - Instituto Humanitas Unisinos - IHU