14 Abril 2016
“A grande maioria dos bispos, do clero mais jovem (com menos de 45 anos) e dos seminaristas estão exatamente na estrada que São João Paulo II e seu sucessor alemão construíram. Muitos deles encontram-se em conflito com Francisco e tudo o que ele está fazendo é uma renovação da Igreja”, constata Robert Mickens, editor-chefe da revista Global Pulse, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 12-04-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Segundo ele, “muitos destes líderes religiosos são personalidades rígidas, obsessas com a “clareza” doutrinal, pessoas que definem suas identidades em um mundo religioso do tipo preto ou branco (como o uniforme que vestem) e exalam a confiança de serem reconhecidos como os guardiões da Verdade que acreditam ser de posse somente da Igreja”.
“Esse tipo de clérigo (e os leigos clericalistas que continuam a pôr os sacerdotes em um pedestal) - assevera o vaticanista - serão de pouca utilidade para a implementação da visão de Igreja que o Papa Francisco desvelou em Amoris Laetitia”.
Eis o artigo.
O Papa Francisco, com a publicação de Amoris Laetitia (A alegria do amor), apresentou uma reflexão ampla e profunda sobre uma miríade de questões (muitas vezes confusas) concernentes ao matrimônio, à família e à sexualidade humana.
E, ao assim fazer, o papa de 79 anos também trouxe uma visão clara do discipulado cristão. É uma visão que se baseia mais na responsabilidade pessoal e no discernimento orante do que no mero seguimento de normas religiosas.
Mais que isso, neste mesmo documento ele esboça um perfil do ministro ordenado. Sacerdotes e bispos devem ser líderes a serviço que, com misericórdia e paciência, acompanham, dialogam e colaboram, com humildade, com o seu povo na qualidade de discípulos companheiros. O papa não quer pastores que abordem raivosamente os fiéis que ficam aquém das normas e leis morais “como se fossem pedras que se atiram contra a vida das pessoas”.
Em uma palavra, ele propõe novamente o modelo de discipulado e liderança surgido no Concílio Vaticano II (1962-1965). O papa está tentando pegar o caminho que a Igreja havia embarcado na primeira década ou mais após o Concílio, uma caminhada que João Paulo II estancou e que começou a “corrigir”, recalibrá-la já no começo de seu longo pontificado (1978-2005).
Esta adoção de Francisco àquele caminho anterior deveria ser amplamente incentivada por muitos dos assim-chamados “católicos do Vaticano II”, que permaneceram envolvidos ativamente na Igreja apesar do retorno de Wojtyla. Tal adoção poderia dar novas esperanças àqueles muitos ex-católicos que acham que a Igreja, sob o papa polonês santificado, abandonou-os quando mudou o curso da instituição.
Há aqui um desafio muito sério. A grande maioria dos bispos, do clero mais jovem (com menos de 45 anos) e dos seminaristas estão exatamente na estrada que São João Paulo II e seu sucessor alemão construíram. Muitos deles encontram-se em conflito com Francisco e tudo o que ele está fazendo é uma renovação da Igreja.
Muitos destes líderes religiosos são personalidades rígidas, obsessas com a “clareza” doutrinal, pessoas que definem suas identidades em um mundo religioso do tipo preto ou branco (como o uniforme que vestem) e exalam a confiança de serem reconhecidos como os guardiões da Verdade que acreditam ser de posse somente da Igreja.
Esse tipo de clérigo (e os leigos clericalistas que continuam a pôr os sacerdotes em um pedestal) serão de pouca utilidade para a implementação da visão de Igreja que o Papa Francisco desvelou em Amoris Laetitia.
E, pelo que ouço, não parece que os seminários – pelo menos aqui em Roma e em grande parte dos EUA – trazem grandes esperanças de mudança no curo prazo.
O Pontifício Colégio Norte-Americano da Cidade Eterna é um exemplo do que estou falando. Tenho certa familiaridade com o lugar, dado que fui seminarista aí entre os anos de 1986 e 1988. As amizades que fiz com algumas pessoas muito legais – algumas hoje são ordenadas (vários como bispos), outras deixaram o ministério ativo – não alteram a minha convicção de que, como na maioria dos outros seminários, o Pontifício Colégio Norte-Americano está construído sobre um modelo e uma mentalidade inadequados para a preparação dos sacerdotes de hoje.
Por muito tempo, o citado seminário em Roma manteve o título de ser aquele que tinha o menor índice de evasão entre todos os seminários americanos. É difícil localizar os registros de informações das quais os bispos não sentem orgulho, mas sabe-se que um número incomum de ex-alunos do Colégio Norte-Americano abandona a vida sacerdotal logo após a ordenação, na comparação com as evasões notadas em outros seminários.
Esse não é exatamente um motivo de orgulho para uma instituição que foi pensada a fim de perpetuar o tipo de liderança episcopal e um modelo de Igreja que emergiu durante as últimas três décadas com a hierarquia americana cada vez mais conservadora.
Afinal de contas, ele está sob a autoridade de um conselho de administradores e da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos. O seu atual presidente é Dom John Myers, arcebispo de Newark, filiado ao Opus Dei. Bispos, cardeais e doadores ricos são convidados frequentes no Colégio. Quando o hoje Cardeal Timothy Dolan era o reitor (1994-2001), ele anexou uma série de suítes e apartamentos para o seu uso exclusivo. Os moradores locais acostumaram-se com a presença constante de príncipes da Igreja e de poderosos do mundo dos negócios.
O Pontifício Colégio Norte-Americano foi criado em 1859, no reinado de Pio IX, quando um punhado de alunos se alojaram em um prédio modesto próximo da Fontana di Trevi. Desde a década de 1950, o colégio se situa na colina Gianicolo onde, de um lado, pode-se desfrutar de uma visão impressionante da Basílica de São Pedro e do Vaticano e, de outro, tem-se um panorama espetacular de toda a cidade de Roma.
Este “novo” local foi propositalmente pensado para ser grande e imponente (construído na arquitetura fascista em blocos) para mostrar à Santa Sé e ao resto do mundo que a jovem Igreja americana tinha dinheiro e que poderia bancar a si própria.
“Não é um lar, é muito mais”, costumávamos dizer.
Já no começo, o seminário ficou conhecido como o lugar que preparava os futuros bispos dos EUA, instrumentalizando os seus líderes episcopais com pedigree romano. Realmente, desde o início do século até 1974 o reitor era quase sempre um bispo. O último entre eles foi o falecido James Hickey (1969-1974), que seria mais tarde o cardeal arcebispo de Washington.
Vários outros bispos americanos de hoje – incluindo os cardeais Raymond Burke, James Harvey, Daniel DiNardo e Timothy Dolan – estiveram no Pontifício Colégio Norte-Americano durante os seus cinco anos como reitor. Os “Hickey Boys”, como são conhecidos, quase se transformaram na última geração em série desta fábrica de bispos.
Durante os dezesseis anos seguintes (1974-1990), uma sucessão de três reitores – os monsenhores Harold Darcy, Charlie Murphy e Larry Purcell – tentaram preparar os estudantes sob um modelo de liderança a serviço, que estava em voga após o Vaticano II.
Acrescentaram uma formação pastoral e programas ministeriais, com uma atmosfera comunitária menos regimentada, apelando à maturidade e responsabilidade dos alunos em cooperar com os seus esforços.
Porém, no começo dos anos 1980, algo mudou. Uma nova geração de bispos americanos mais conservadores começou, cada vez mais, a mandar seminaristas para Colégio, eram estudantes que se autoidentificavam como conservadores ou tradicionais. Encorajados por seus bispos, foram abertamente críticos com os professores “progressistas” da instituição.
Anos mais tarde, um aluno descreveu estes tempos como os “anos negligentes” quando descobriu que eu havia sido um aluno dessa época.
O seminário é um tempo de discernimento e, diante disso, o Monsenhor Purcell e sua equipe de formação foram contratados pelos bispos dos EUA para ajudar-nos em nosso discernimento e, talvez, até mesmo fazer um juízo sobre se éramos, ou não, verdadeiramente chamados ao sacerdócio. Tornou-se evidente, porém, que havia aqueles bispos contundentes que mandavam alunos ao Colégio de Roma já determinados a ordená-los ao sacerdócio – independentemente do que a equipe de formação viesse a dizer.
Uma grande mudança ocorreu no Colégio em 1990, e as estrelas começaram a se alinhar quando nomearam como reitor o Monsenhor Edwin O’Brien, de Nova York. Como um filho favorito do Cardeal John O’Connor, O’Brien reforçou imediatamente a disciplina e refez o código de vestimenta do seminário. Os que descrevem hoje o Colégio Norte-Americano como uma instalação católica ao estilo das bases militares dos EUA falam isso com base no que o Cardeal O’Brien construiu. Este prelado hoje é o Patrono dos Cavaleiros do Santo Sepulcro.
Conhecido por insistir que os seus seminaristas tenham os seus sapatos bem engraxados, cabelos bem cortados e camisas bem passadas, ele trouxe junto de si católicos ricos para ajudar no financiamento do Colégio. Entre outras iniciativas, deu início ao que é hoje o evento anual “Jantar do Reitor”: uma noite de gala para entreter os benfeitores com a presença de bispos e cardeais do Vaticano.
A 24ª edição do Jantar aconteceu na quinta-feira passada, 07-04-2016, e as “doações” começaram com o preço de U$ 450,00 por prato. A cúpula da hierarquia americana estava presente, incluindo o núncio apostólico de Washington que, em breve, iria se aposentar, Dom Carlo Mario Viganò.
Inscritos no começo do ano acadêmico estavam 252 alunos, um recorde histórico. Este número representa cerca de 100 residentes a mais do que havia na década de 1980. Pode-se creditar ao Cardeal Dolan as iniciativas de elevar este número de seminaristas. Durante os seus anos como reitor, o lema “200 para 2000” fez parte de uma campanha para aumentar a população do Colégio a duzentos seminaristas durante o Grande Jubileu. Isso não aconteceu, mas hoje o número foi até superado.
Isso também é parte de um esforço dos bispos americanos de convencer os seus iguais no Vaticano de que as vocações sacerdotais nos EUA estão em ascensão – o que é patentemente falso. Na verdade, os líderes mais poderosos na hierarquia americana incentivam os bispos a enviarem mais alunos para Roma, esvaziando outros seminários até o ponto de alguns deles – como o Colégio Americano em Lovaina, na Bélgica, fundado antes do Colégio de Roma – serem forçados a fechar ou fundir-se com outros.
O Monsenhor James Checchio, que fora reitor de 2005 até janeiro deste ano, supervisionou este período de inscrições sem precedentes. Natural de Nova Jersey e prestes a ser ordenado Bispo de Metuchen (Nova Jersey) no próximo mês, também acompanhou a construção de uma torre de dez andares, acrescentando outros 36 mil metros quadrados (salas de aula, capelas e salas de estar) ao Pontifício Colégio Norte-Americano. O prédio foi erguido em dezoito meses, um milagre em um país onde é particularmente complicado se conseguir as várias autorizações necessárias junto às autoridades públicas. O projeto teria custado 7 milhões, que foram pagos por benfeitores generosos.
Instituições ruins podem às vezes trazer um grande prejuízo a pessoas boas. E é difícil ver como lugares como o Pontifício Colégio Norte Americano estão preparando os sacerdotes do futuro a terem o “cheiro das ovelhas” ou ajudando-os a abraçar o sonho do Papa Francisco de uma “Igreja pobre para os pobres”.
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Quem irá fazer acontecer a visão de Igreja do Papa Francisco? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU