08 Abril 2016
“Seria ingênuo esperar de Amoris Laetitia mudanças radicais e improvisadas, do dia para a noite, sobre questões sensíveis (como a acesso dos divorciados recasados à eucaristia) especialmente tendo em conta o fato que Francisco governa a Igreja com um episcopado mundial plasmado durante 35 anos por João Paulo II e Bento XVI”, escreve Massimo Faggioli, professor de História do Cristianismo na University of St. Thomas, EUA, em artigo publicado por HuffingtonPost, 07-04-2016. A tradução é de IHU On-Line.
Segundo ele, “é legítimo esperar que sobre algumas questões haja aberturas significativas que seguiriam e dariam substância aos muitos discursos de Francisco sobre o papel da lei na Igreja e sobre a catolicidade inclusiva da Igreja. Particularmente, será interessante ver como Francisco articula a questão da descentralização da Igreja sobre questões que requerem unidade de magistério mas aplicações pastorais diferenciadas segundo os diferentes contextos culturais no catolicismo global”.
Eis o artigo.
A esperada exortação apostólica Amoris Laetitia do papa Francisco sobre o amor na família é publicada nesta sextaf-feira, 08 de abril, e é um documento muito importante para compreender papa Francisco e a Igreja que ele guia no presente.
Em primeiro lugar é um documento que se destina a atualizar e, de qualquer maneira, irá tomar o lugar do seu precedente publicado há 35 anos, Familiaris Consortio de João Paulo II, o papa que mais contribuiu para o magistério da Igreja no que se refere aos temas do matrimônio e a sexualidade na sociedade e na cultura contemporânea.
Francisco canonizou João Paulo II e dele recebeu o magistério, mas também corrigiu o rumo sobre algumas questões durante estes três anos do seu pontificado (por exemplo, dando uma ênfase muito menor sobre a questão da contracepção para os casais que já têm filhos).
Um segundo motivo de interesse está na relevância da matéria, que vê o ensino da Igreja e os modelos sociais e culturais do mundo ocidental muito distantes, numa distância que é também aquela entre a doutrina oficial da Igreja e a vida real de muitos católicos.
A Igreja católica se construiu, no curso do último século e, particularmente, a partir da encíclica Humanae Vitae de Paulo VI (1968), a imagem de uma instituição que não compreende e não aceita o amor humano fora do horizonte do instituto familiar tradicional. É algo que Francisco sabe bem, melhor do que seus predecessores, inclusive porque ele foi ordenado padre depois da Humanae Vitae.
Um terceiro motivo está ligado particularmente ao papel exercido na Igreja católica, hoje, pelo pontificado do papa Francisco: um papa eleito no final de uma longa época marcada por João Paulo II e Bento XVI, e um papa que de muitas maneiras mudou as prioridades do papado desde o início.
Num certo sentido é um papa que vive em coabitação (para usar uma termo corrente da política) com uma ‘maioria’ que não pensa necessariamente como ele no que se refere às questões ligadas à moral tradicional. O famoso “quem sou eu para julgar?” de papa Francisco sobre os homossexuais fez, literalmente, perder o sono a não poucos bispos e cardeais.
Enfim, Amoris Laetitia é importante porque é uma “exortação apostólica pós-sinodal”, isto é, um texto do papa escrito tendo em conta as discussões e as conclusões dos dois Sínodos dos Bispos sobre a família por ele convocados em outubro de 2014 e outubro de 2015. Amoris Laetitia não é a primeira exortação apostólica (o Sínodo dos Bispos foi criado como instituição, por Paulo VI, em setembro de 1965), mas é a primeira exortação apostólica que emerge depois de um Sínodo dos Bispos caracterizado por um verdadeiro debate aberto entre os bispos e também, de certo modo, entre o papa e alguns bispos claramente céticos acerca da direção impressa à Igreja pelo papa Francisco.
Será muito interessante ver que tipo de uso faz a Amoris Laetitia dos documentos finais e das discussões do Sínodo, e que tipo de recepção será reservada ao documento pelos católicos abertamente céticos (como muitos bispos norte-americanos e africanos) no que se refere às aberturas de Francisco.
São muitas as questões sobre as quais se espera do texto indicações sobre a trajetória do catolicismo. É previsível que a atenção de muitos se deterá somente sobre os capítulos que tratam do matrimônio cristão e outras formas de matrimônio, sobre a contracepção, sobre homossexualidade e gender, sobre o papel da mulher. Mas o papa Francisco sempre mostrou uma grande atenção à necessidade de enquadrar as questões morais clássicas no interior de um olhar não idealizado da realidade do ser humano sempre atento às grandes questões sociais e econômicas do nosso tempo. Papa Francisco é sobretudo um pastor de almas, mas também é um anti-ideólogo.
Seria ingênuo esperar deste texto mudanças radicais e improvisadas, do dia para a noite, sobre questões sensíveis (como a acesso dos divorciados recasados à eucaristia) especialmente tendo em conta o fato que Francisco governa a Igreja com um episcopado mundial plasmado durante 35 anos por João Paulo II e Bento XVI.
Mas é legítimo esperar que sobre algumas questões haja aberturas significativas que seguiriam e dariam substância aos muitos discursos de Francisco sobre o papel da lei na Igreja e sobre a catolicidade inclusiva da Igreja. Particularmente, será interessante ver como Francisco articula a questão da descentralização da Igreja sobre questões que requerem unidade de magistério mas aplicações pastorais diferenciadas segundo os diferentes contextos culturais no catolicismo global.
Se os documentos precedentes de Francisco, Evangelii Gaudium de novembro de 2013 e Laudato Si’de maio de 2015, são uma indicação, é de se esperar um texto muito fiel ao pensamento de Francisco e não tímido em mostrar a direção para onde a Igreja caminha. É certamente um catolicismo em movimento: Amoris Laetitia é publicada apenas uma semana antes da viagem extraordinária à ilha de Lesbos para encontrar os prófugos e os refugiados. A teologia de Francisco sobre o amor e a família se formou muito mas nos encontros com a humanidade real do que numa continuidade absoluta do magistério.
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Amoris Laetitia, o documento do papa Francisco sobre o amor, matrimônio e família. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU