19 Novembro 2015
O Papa Francisco, falando no importante evento eclesial realizado em Florença "convidou para uma nova Igreja sinodal na Itália, algo não presente na visão de João Paulo II para o catolicismo italiano. Não mais confiar nos privilégios que vêm das relações de conveniência com os políticos italianos; não mais decretos especiais a movimentos e associações católicos. Uma Igreja do povo precisa ser sinodal. Os bispos que Francisco tem em mente (e aqueles que ele está nomeando) sugerem exatamente aquele modelo. Diferentemente de João Paulo II, Francisco está remodelando o episcopado nomeando pastores, sem remodelar a Cúria Romana como a central de controle dos bispos", escreve Massimo Faggioli, teólogo e historiador, em artigo publicado por Commonweal, 17-11-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Agora que o Sínodo dos Bispos acabou de vez, quiçá venhamos a saber se haverá um “efeito Francisco” no encontro dos bispos americanos em sua Assembleia Geral anual (em Baltimore, de 16 a 19 de novembro). Mas há algo que, definitivamente, está acontecendo na Igreja italiana, a qual historicamente se centra na relação especial entre o papa e os bispos italianos.
Na semana passada, Florença foi, por alguns momentos, a capital eclesial da Itália, já que 2.500 delegados vindos das dioceses e associações se reuniram aí num encontro organizado pela Conferência dos Episcopal Italiana, evento que ocorre a cada dez anos. Este pode ser o ato mais importante de recepção do pontificado de Francisco por parte da Igreja na Itália.
Era a quinta conferência eclesial desde 1976, e o seu tema foi escolhido quando Bento XVI ainda era o papa: Em Jesus Cristo o Novo Humanismo.
O encontro, porém, se pareceu mais como um “sínodo nacional” do que com as edições anteriores, especialmente aquelas ocorridas em 1995 (em Palermo) e 2006 (em Verona). E estamos diante de algo notável, pois no catolicismo italiano pós-Vaticano II o formato das conferências eclesiais – rigidamente controlado pela Conferência Episcopal e pelo Vaticano – deveria precisamente evitar se parecer com alguma coisa do tipo “sínodo nacional” (e, portanto, evitar algo como o “Würzburger Synode”, ocorrido entre 1971 e 1975, do catolicismo alemão, evento eclesial que lidou com a conversão pós-conciliar de Joseph Ratzinger e a sua posição dentro da teologia alemã).
O Papa Francisco proferiu um grande discurso na abertura do encontro, e nesse sentido poderíamos dizer que a conferência de 2015 pareceu-se com a conferência de 1985 em Loreto. Aqui, João Paulo II deu instruções claras à Igreja Católica italiana e aos bispos: alterem o curso de um ethos dialógico da década de 1970 (década em que 70% dos italainos estavam dividindo os seus votos paritariamente entre o Partido Democrático Cristão e o Partido Comunista) em direção a uma Igreja Católica politicamente mais assertiva; enfatizem o papel das elites e dos movimentos eclesiais (especialmente o Comunhão e Libertação) e rejeitem as organizações mais conciliares do laicato católico italiano (tais como a Ação Católica e os Escoteiros e Escoteiras Católicos); e recatolizem a cultura e a política italianas.
Alguns chamaram estas ideias de “o Modelo Polonês” de João Paulo II para a Igreja italiana, e este modelo jamais funcionou. O início da década de 1990 viu o fim do predomínio político do Partido Democrático Cristão na Itália e abriu a porta para o magnata da mídia Silvio Berlusconi, quem dominaria a cena política durante vinte anos vindouros.
Mas a minha impressão é que a conferência eclesial de Florença está, na verdade, mais próxima da primeira conferência, de 1976, ocorrida na parte final de uma década tumultuada de recepção do Vaticano II na Itália.
Em suas observações, Francisco deixou claro como ele enxerga o futuro da Igreja: não de acordo com o que sonham o conservadorismo e o fundamentalismo; não “obcecada com dinheiro e poder; uma afirmação clara sobre a questão do pro multis no Missal (“O Senhor derramou o seu sangue não para alguns, nem por poucos, nem por muitos, mas por todos”); um convite para uma Igreja italiana mais dialógica e socialmente engajada.
Mas, diferentemente de João Paulo II, com o seu discurso Francisco não criou nenhum novo paradigma.
Em essência, ele convidou para uma nova Igreja sinodal na Itália, algo não presente na visão de João Paulo II para o catolicismo italiano. Não mais confiar nos privilégios que vêm das relações de conveniência com os políticos italianos; não mais decretos especiais a movimentos e associações católicos. Uma Igreja do povo precisa ser sinodal. Os bispos que Francisco tem em mente (e aqueles que ele está nomeando) sugerem exatamente aquele modelo. Diferentemente de João Paulo II, Francisco está remodelando o episcopado nomeando pastores, sem remodelar a Cúria Romana como a central de controle dos bispos.
A conferência eclesial sinalizou o aparecimento da visão do Cardeal Carlo Maria Martini, arcebispo de Milão entre os anos 1980 e 2002. Martini, falecido em agosto de 2012, foi o bispo mais importante da Itália pós-Vaticano II e, em certos aspectos, o oposto de João Paulo II e Bento XVI. Os bispos italianos sob os comandos de João Paulo II e Bento XVI rejeitaram a eclesiologia espiritual e bíblica de Martini e acolheram a eclesiologia política do Cardeal Camillo Ruini, vigário de João Paulo II para a Diocese de Roma entre 1991 e 2008 e presidente dos bispos italianos de 1986 a 2007 (primeiro como secretário-geral e, mais tarde, presidente da Conferência Episcopal).
O termo “ruinismo” até mesmo entrou para o vocabulário político e teológico da Itália. Mas, com a conferência de Florença, a Igreja italiana essencialmente deu adeus ao ruinismo e, graças a Francisco, está claramente em busca de um modelo diferente. A delegada Serena Noceti, uma das teólogas mais destacadas na Itália e vice-presidente da Associazione Teologica Italiana, falou sobre um novo espírito claramente visível.
A Itália representa um teste importantíssimo para a Igreja sinodal de Francisco. Desde a sua eleição, ele vem incentivando a Igreja italiana a se tornar menos dependente do Vaticano para o desenvolvimento de novas abordagens frente a questões como pobreza, atomização social, imigração e refugiados, desemprego e estagnação econômica. A situação caótica na cidade de Roma (em termos políticos, após a recente destituição do prefeito feita pelo seu próprio partido, e em termos de serviços e infraestrutura) é o rosto da Itália. O jovem premier Matteo Renzi pode ter condições de ajeitar as coisas, mas só até certo ponto.
Os teólogos católicos italianos, a maior parte dos párocos e os leigos acolheram Francisco de braços aberto. Quanto ao que fazem os bispos italianos é uma outra questão. Nestes dois anos e meio, Francisco fez nomeações episcopais interessantes (recentemente em Pádua, Palermo e Bolonha).
Mas, na maior parte das vezes, elas são uma manifestação direta do paradigma João Paulo II-Bento XVI. O discurso final dado pelo presidente da Conferência Episcopal Italiana, o Cardeal Angelo Bagnasco (nomeado por Bento XVI em 2007 e confirmado por Francisco), poderia facilmente ser proferido a cinco, dez ou quinze anos atrás. Ele emendou a lista usual das prioridades dos bispos italianos (a família e a presença dos católicos na política, nas escolas e nas universidades italianas) com os temas de Francisco: o chamado à sinodalidade, a opção pelos pobres.
Ajustar-se ao Papa Francisco continua sendo difícil, não somente para os bispos católicos.
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A mensagem de Francisco para a Igreja italiana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU