26 Agosto 2015
Grande parte da carreira científica do astrofísico Mario Livio, ao menos no último quarto de século, está ligada ao telescópio Hubble, que acaba de completar 25 anos em órbita. Mas ele observa que é um cientista teórico, não diretamente envolvido com as observações. “Estou acostumado a dizer que praticamente não sei de que lado do telescópio é preciso olhar”, diz, com ironia, esse cientista que trabalha com equipes de astrônomos observadores e já participou de várias descobertas importantes, como o estudo de longínquas supernovas que levou à detecção da energia escura, além de diversas pesquisas para determinar as propriedades dessa energia.
A entrevista é de Alicia Rivera, publicada por El País, 24-08-2015.
Livio nasceu na Romênia em 1945 e, aos cinco anos, emigrou com a família para Israel. Em seu país de acolhida estudou, se doutorou e trabalhou durante vários anos, até que, em 1991, entrou para o Instituto Científico do Telescópio Espacial, em Baltimore (EUA). Mais ou menos na mesma época, foi descoberto um defeito garrafal no sistema óptico do já famoso telescópio Hubble, que tantas esperanças científicas havia concentrado e sobre o qual, uma vez em órbita, ninguém sabia àquela altura se realmente teria muita serventia. “Houve gente que achasse que eu estava louco... Chegar ao Instituto logo naquela época!", recorda.
Agora, ao olhar para trás, destaca os numerosos feitos acumulados pelo Hubble desde que o problema foi solucionado. E, olhando para frente, explica as perspectivas que se abrem para a astronomia com os observatórios espaciais que virão a substituir aquele que já é talvez o mais célebre telescópio da história. Entre esses novos aparelhos, encontra-se um de 12 metros de diâmetro, que poderá ser lançado por volta de 2030.
Livio desempenhou vários cargos no Instituto, inclusive o de diretor científico e de responsável pelo seu importantíssimo arquivo, sempre reunindo seu trabalho com a pesquisa e divulgação científica. É autor de vários livros, sendo o mais recente deles, Brilliant Blunders (“falhas brilhantes”, de 2013), sobre erros graves cometidos por grandes figuras da ciência, como Charles Darwin, Lord Kelvin, Linus Pauling, Fred Hoyle e Albert Einstein. Livio participou, em Madri, das jornadas sobre Arte e Ciência organizadas pela rede europeia Invisíveis (coordenada pela Universidade Autônoma de Madri) e pelo Museu Thyssen.
Eis a entrevista.
Qual foi a chave do sucesso do Hubble, não só em nível científico, mas também social?
O que o Hubble fez, e praticamente nenhum outro instrumento científico havia feito isso antes, foi provocar a emoção social da descoberta, uma emoção da qual antes só os cientistas desfrutavam, e que este telescópio levou para dentro da casa das pessoas. As imagens do céu feitas por ele são tão fantásticas que muitos as tratam quase como obras de arte. Além disso, há o drama que ele causou no começo: o telescópio começou sendo um grande fracasso por causa do defeito do espelho e depois, com a engenhosidade dos cientistas e dos engenheiros que conceberam a solução, mais a valentia dos astronautas que o consertaram no espaço, se tornou um enorme sucesso. É uma mistura de tudo isto: as imagens incríveis, o drama, a emoção...
Mudou a percepção das pessoas a respeito da astronomia?
Absolutamente. As pessoas sempre foram fascinadas pelo céu noturno, mas agora, com estas imagens de objetos celestes longínquos, do universo tão distante... São fotos fantásticas, reais. O Hubble desempenhou um papel fundamental em alterar a percepção de nosso lugar no universo. Já há toda uma geração de 25 anos que não conheceu o céu sem o Hubble!
Falando das fotos: são mesmo tão bonitas as estrelas e galáxias vistas nas fotos do Hubble, ou são tratadas com cores falsas?
O Hubble capta imagens com diferentes filtros. Algumas vezes capta em vermelho, azul e verde, e nesse caso são como fotografias normais. Mas outras vezes observa em ultravioleta, que nós não vemos com nossos olhos, ou em infravermelho. O que fazemos então é representar, por exemplo, o ultravioleta em azul ou o infravermelho em vermelho para poder vê-lo, e a imagem resultante não tem as cores reais do objeto, mas sim todos os detalhes.
Que descobertas do Hubble você apontaria como as mais importantes?
São inumeráveis as suas contribuições. Entre as mais importantes está a descoberta da energia escura, essa energia misteriosa que permeia todo o espaço e que está acelerando a expansão do universo. Também a composição das atmosferas de planetas ao redor de outras estrelas... E a determinação, com muita precisão, do valor da Constante de Hubble, que nos indica a idade do universo [13,8 bilhões de anos], o qual agora conhecemos com uma margem de erro de apenas 3%, e que logo vamos reduzir a 2%. O Hubble também demonstrou que há buracos negros supergigantes em quase todas as galáxias.
São descobertas exclusivas do Hubble, ou em colaboração com outros telescópios?
É preciso deixar claro que quase todas as descobertas não são exclusividade do Hubble. Frequentemente há indícios obtidos com outros observatórios em terra, e o telescópio espacial os transforma em provas firmes.
Há outros telescópios excelentes. Por que o Hubble é especial?
Há observações que nenhum outro pode fazer, dada a alta precisão que o Hubble oferece, sua resolução, sua acuidade visual. Por exemplo, identificar supernovas em galáxias muito longínquas e determinar seu brilho, descobrindo com isso a aceleração da expansão de universo. Isso é algo que só o telescópio espacial pode fazer bem.
Entretanto, quando você chegou ao Instituto em plena crise, em 1991, não se sabia nem sequer se o telescópio espacial serviria para muita coisa.
Ele foi lançado ao espaço em 1990, e eu cheguei em 1991. Até então não sabíamos se haveria uma solução, e precisamos esperar até 1993 para comprovar que, sim, ele funcionava. Naquele momento parecia, potencialmente, a maior falha da história da ciência, e depois se tornou naquele que talvez tenha sido o maior êxito.
E agora já é um instrumento veterano, com 25 anos de funcionamento.
Achamos que ele ainda pode funcionar durante pelo menos cinco anos mais, e se em 2020 continuar sendo produtivo cientificamente não há motivo para que não prossiga.
Não está obsoleto?
O Hubble foi recondicionado várias vezes, a última em 2009. Assim, é preciso considerar que tem seis anos, não 25. E agora esta com o melhor conjunto de instrumentos que já teve. Temos mais de mil solicitações de tempo de observação por ano, e um comitê muito rigoroso as seleciona. Uma em cada sete propostas é aprovada. Além disso, temos um arquivo incrível, ao qual qualquer pessoa pode ter acesso de qualquer lugar do mundo.
Mas já estão construindo o telescópio espacial James Webb, para muitos o sucessor do Hubble.
Cientificamente o James Webb, a ser lançado em 2018, é o sucessor, embora não diretamente, porque é muito diferente. Observará exclusivamente em infravermelho, ao passo que o Hubble observa sobretudo a luz visível. E, enquanto este tem um espelho de 2,4 metros de diâmetro, o do James Webb tem 6,5 metros, e ele não ficará em órbita baixa, a 560 quilômetros de altura sobre a superfície terrestre, como o Hubble, e sim a 1,5 milhão de quilômetros de distância da Terra. O James Webb será capaz de ver as primeiras galáxias que se formaram no universo, vai nos dizer que planetas extrassolares podem abrigar água em estado líquido na sua superfície... Mas o telescópio que seria diretamente o sucessor do Hubble é um que estamos propondo agora, o Telescópio Espacial de Alta Definição (HDST), que seria lançado em 2030 e teria um espelho de 12 metros de diâmetro, para trabalhar em luz visível e um pouco no ultravioleta e no infravermelho, como o Hubble.
O James Webb tem problemas de sérios estouros orçamentários e atrasos.
Agora o orçamento e o calendário já foram ajustados. Todos os seus componentes foram fabricados e estão sendo integrados. Esse telescópio realmente leva ao limite tecnologias muito complexas, e o HDST as levará mais longe ainda.
A NASA também seria o sócio principal do HDST?
Sim. Mas antes será lançado outro telescópio que está sendo preparado. A NASA recebeu de presente dos militares dois telescópios similares ao Hubble, com espelho de 2,4 metros de diâmetro, que não foram lançados ao espaço. Agora um deles está sendo preparado como telescópio de infravermelho. Será fantástico. Assim, antes será lançado o James Webb, que funcionará por cinco anos ou mais, depois o novo de infravermelho, e já estamos concebendo o seguinte, o HDST. Pela primeira vez estamos na perspectiva de sermos capazes, em poucas décadas, de determinar se há vida em outros planetas fora do Sistema Solar. Para isso precisamos do HDST.
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“Em 20 anos poderemos determinar se há vida em outros planetas” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU