22 Julho 2015
"Não seria então, mais uma das armadilhas da geopolítica, uma vez que o mesmo Estado que patrocina as guerras promove intervenções “humanitárias” e enrijece fronteiras e políticas para refrear um êxodo descontrolado?", escreve Raissa Leite Zoccal, jonrnalista, em artigo publicado por Outras Palavras, 20-07-2015.
Eis o artigo.
O fenômeno das migrações forçadas sempre esteve presente na história mundial, quer oriundo de desequilíbrios sociais e econômicos, como fome e calamidade natural, quer ocasionado por guerras e opressões. Na maioria das vezes, indivíduos nessas circunstâncias são obrigados a deixar o próprio país para buscar proteção em território estrangeiro, e frequentemente, para salvar a própria vida. O direito internacional contempla uma categoria específica de migrante forçado, o refugiado, que deve conter elementos conceituais bem determinados.
Vale lembrar que este número cresce exponencialmente. De acordo com o último relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados — Acnur (Tendências Globais), são quase 60 milhões de pessoas (59,5 milhões) em fuga devido a guerras, conflitos e perseguições. Há dez anos, este número era de 37,5 milhões.
Na Europa, esta realidade intensificou-se a partir da Primavera Árabe. Desde então, com a chegada dos sírios e libaneses, este número aumentou de forma massiva. Nos dias de hoje, uma imagem que remete automaticamente à questão são os sucessivos naufrágios no Mediterrâneo. Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), mais de 1.750 pessoas morreram na tentativa de cruzar o mar e chegar à Europa no ano de 2014; número 30 vezes maior do que o apurado no mesmo período do ano anterior [1]. Ainda, conforme relatório da ONU, desde 2000 mais de 22 mil pessoas morreram tentando ingressar no continente europeu” [2].
A desumanização do migrante e o desprezo generalizado à sua figura colaboram para agravar uma crise humanitária sem precedentes [3]. Coincidência ou não, a Europa só recebe 10% deste “mar de gente”, 86% dos refugiados encontra asilo nos países de “terceiro mundo”. O Líbano, a Turquia e Jordânia acolhem mais refugiados do que os 28 países da União Europeia juntos [4]. Em 2014 a Turquia tornou-se o país que mais acolhe refugiados no mundo, com 1,59 milhão de sírios [5]. Mesmo que a Itália, sobretudo a ilha de Lampedusa, sirva como principal ponto de entrada da região, grande parte das demandas de refúgio são feitas na Alemanha e Suécia. Como analisa o jornalista Pedro Estevam Serrano, o continente dos direitos humanos, que a partir da Revolução Francesa introduziu um arcabouço de direitos fundamentais do homem, “nega ao imigrante (sobretudo ao africano e ao árabe) a humanidade que automaticamente lhe transferia o direito ao acolhimento” [6].
Quase sempre, a problemática carrega consigo uma expectativa que não muda com o passar dos anos: a de um lugar melhor para se viver. Este não é o único fator que permanece imutável, os dois lados da moeda também continuam os mesmos: de um lado, políticas migratórias cada vez mais rígidas; do outro, a mercantilização de um produto potencial: a venda de um sonho. Muitos pagam a partir de 500 dólares a traficantes por lugares em barcos “quase tão superlotados e mortais quanto os navios negreiros do passado”, e somente cerca de 10% destes deslocados chega à Europa [7].
Mas este não é o único mar de refugiados. As dramáticas jornadas marítimas ocorrem também no Golfo do Áden, no Mar Vermelho e no Sudeste da Ásia.
Um dos fatores que determinou este aumento em grande escala foi sim a guerra da Síria, que começou em 2011 e desde então é tida como o “maior evento individual causador de deslocamento no mundo” [8]. No entanto, o relatório do ACNUR revela que a tendência é a mesma em todos os continentes, sem exceção. A situação é alarmante: hoje, mostra o documento, um em cada 122 indivíduos é refugiado, deslocado interno ou solicitante de refúgio. Na hipótese do número representar a população de um país, seria a 24° nação mais populosa do mundo.
Somente no continente africano, oito países se encontram em situação de conflito: Costa do Marfim, República Centro Africana, Líbia, Mali, nordeste da Nigéria, República Democrática do Congo, Sudão do Sul e Burundi. Em termos de deslocamento forçado, a Europa precede o ranking com aumento de 51%. A Ásia assume a segunda posição registrando um crescimento de 31%, seguida pelo Oriente Médio e norte da África com 19%. Na sequência, África Subsaariana e Áméricas com um aumento de 17 e 12% respectivamente [9].
Arsène Bolouvi, da Anistia Internacional, esclarece que fatores como as vendas de armas, o controle dos recursos, as tramas multinacionais e os governos autoritários apoiados pela França, por exemplo, interferem diretamente nas condições de vida dos migrantes forçados e na decorrente fuga destes indivíduos de circunstâncias de perigo, fome e guerra. A conjuntura política e econômica de regiões como a do Magreb e da África subsaariana estão relacionadas ao vinculo desequilibrado mantido com as ex-colônias [10].
Não seria então, mais uma das armadilhas da geopolítica, uma vez que o mesmo Estado que patrocina as guerras promove intervenções “humanitárias” e enrijece fronteiras e políticas para refrear um êxodo descontrolado? Além disso, a própria política exterior e comercial dos países do Norte acarreta a emigração dos países do Sul. Como bem lembrava o sociólogo franco-argelino Abdelmalek Sayad “a imigração é antes de tudo uma emigração [11]”.
Será que essa situação não passa de um “efeito boomerang” causado pela consolidação da histórica, porém atual, divisão internacional do trabalho? Isso não seria somente um sintoma, proveniente de uma causa muito mais ampla e complexa?
As causas das migrações forçadas envolvem um debate ideológico delicado e exaustivo, uma vez que preconiza a existência de imperfeições no sistema econômico e social que a “maioria da classe política e midiática aceita como fato”[12].
Na Ásia, um episódio no mês de maio “jogou os holofotes” ao Mar de Andamão, evidenciando como o fenômeno de migrações forçadas possui proporções significativas nesta parte do globo. Cerca de 350 imigrantes vindos do Mianmar, da minoria muçulmana Rohingya, permaneceram à deriva em um barco de pesca que foi impedido de entrar na Tailândia. Em entrevista à Reuters, Puttichat Akhachan alegou que a entrada no país foi negada, mas que alimento e água foram fornecidos em respeito as obrigações dos direitos humanos. Na realidade, com cerca de 9 milhões de refugiados [13], a região desempenha papel fundamental no fomento das correntes migratórias globais.
A etnia Rohingya é vista pela ONU como uma das minorias mais perseguidas do mundo. Agora, atores da sociedade civil alertam sobre um efetivo risco de genocídio na região do Sudeste Asiático. Pela primeira vez os países envolvidos começam a tomar providências diante da problemática. Para Benjamim Zawacki, integrante do programa de direitos humanos da Universade de Harward baseado em Bancoc, uma solução regional é necessária há pelo menos seis anos [14].
O representante do Acnur no Brasil, Andrés Ramirez, relata que desde o ano passado 88 mil pessoas, prevalentemente rohingayas de Mianmar e Bangladesh tentaram transpassar a baía de Bengala. Estima-se que existam de 3 a 8 mil pessoas à deriva no golfo [15]. Na maioria das vezes, a situação é análoga ao caso supracitado, já que os botes que chegam a Tailândia, Bangladesh ou Malásia são escoltados de volta a águas internacionais depois que recebem uma pequena quantia de mantimentos básicos.
Bibliografia:
Desumanização – Pedro Estevam Serrano + nega a o migrante árabe francês
Rigugiati, qualche dato per fare chiarezza
http://www.cartacapital.com.br/revista/847/um-estado-de-mal-estar-6722.html *****
http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1874 ******
http://www.ispionline.it/it/pubblicazione/sud-est-asiatico-oltre-i-rohingya-13509
[1] Carta Capital – A Europa não se importa com naufrágios no Mediterrâneo – Pedro Estevam Serrano
[2] Carta Capital – África e Europa, naufrágio da dignidade humana – Negro Belchior
[3] Carta Capital – A Europa não se importa com naufrágios no Mediterrâneo – Pedro Estevam Serrano
[4] ISPI – Rifugiati, qualche dato per fare chiarezza
[5] Acnur
[6] Carta Capital – A Europa não se importa com naufrágios no Mediterrâneo – Pedro Estevam Serrano
[7] Carta Capital, Um Estado de mal- estar na Europa – Antonio Luiz M. C. Costa
[8] Acnur
[9] Acnur
[10] Le Monde Diplomatique – Quarenta anos de imigração nas mídias francesa e norte – americana – Rodney Benson
[11] Ibidem
[12] Le Monde Diplomatique – Quarenta anos de imigração nas mídias francesa e norte – americana – Rodney Benson
[13] Acnur
[14] Folha de São Paulo – Aumentam temores de genocídio da etnia Rohingya – Solly Boussidan
[15] Ibidem
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Refugiados, desconhecido drama global - Instituto Humanitas Unisinos - IHU