21 Julho 2015
A morte de Arturo Paoli, irmãozinho de Charles de Foucauld, padre, missionário, teólogo e ensaísta, que faleceu em Lucca no dia 13 de julho passado, teve um enorme eco no mundo católico. Acima de tudo, junto às realidades eclesiais de base, na Itália como na América Latina, que Arturo sempre frequentou e que o encontraram, leram, acompanharam ao longo das décadas da sua atividade pastoral e missionária. Mas também junto à Igreja institucional e a opinião pública.
A reportagem é de Valerio Gigante, publicada no sítio Adista, 16-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Deve ser por causa dos seus 102 anos que há muito tempo já o consideravam uma espécie de ícone da "Igreja dos pobres". Deve ser por causa da mansidão com que Arturo sempre se expressava, embora veiculando conteúdos muitas vezes radical e também radicalmente evangélicos. Deve ser por uma certa notoriedade midiática que, nos últimos anos, o tinha acompanhado (começando pelo menos do encontro que Veltroni, então candidato à presidência do Conselho italiano, quis ter com ele em 2008), mas a imensa quantidade de artigos, discursos, recordações publicados nestes dias demonstra como Arturo Paoli alcançou um amplo consenso junto à opinião pública religiosa e não crente que poucos teólogos, presbíteros, missionários da Igreja pós-conciliar jamais alcançou.
Origens
Nascido em Lucca em 1912, licenciou-se em Literatura em Pisa em 1936 (aluno do grande italianista Luigi Russo), Arturo Paoli entrou no ano seguinte no seminário, para ser ordenado padre em junho de 1940.
Depois do dia 8 de setembro, participou da Resistência, colaborando como referência em Lucca da rede clandestina Delasem (Delegação para a Assistência dos Emigrantes Judeus) e apoiando cerca de 800 judeus em fuga da perseguição nazifascita.
Por esse seu compromisso, em 1999, em Brasília, o embaixador de Israel lhe entregou a mais alta condecoração dada por Israel a cidadãos não judeus: a de "Justo entre as Nações", por ter salvo em 1944, em Lucca, a vida de Zvi Yacov Gerstel, na época jovem judeu alemão de 22 anos, hoje um dos mais famosos estudiosos do Talmud, e da sua esposa grávida.
Pela mesma razão, em 2006, o então presidente da República italiana, Carlo Azeglio Ciampi, condecorou o frei Arturo, junto com três outros sacerdotes de Lucca (Pe. Renzo Tambellini, Pe.Guido Staderini e Pe. Sirio Niccolai), com a medalha de ouro ao valor civil.
Mas ele também recebeu prêmios na América Latina. Como o que lhe foi entregue pelo Movimento dos Sem-Terra brasileiros, por ter protegido, com a sua presença e capacidade de mediação, cerca de 50 famílias durante uma ocupação, levando a polícia a não irromper com a violência no acampamento dos agricultores e das suas famílias.
Arturo Paoli também rejeitou prêmios. Em 1995, no mesmo ano em que o prefeito lhe concedia o diploma de partidário, ele optou por não retirar a medalha de ouro que anualmente a Câmara do Comércio atribui aos habitantes de Lucca que honraram a cidade no mundo: "Eu volto para o Brasil e não posso voltar para lá ostentando no peito uma medalha que premia a minha atividade de 'missionário', representante de uma civilização cristã que despoja da terra seres humanos que ali vivem desde séculos antes de Cristo. E essa desapropriação dura desde 1492", escreveu ele naquela ocasião.
Depois da guerra, Paoli permaneceu em Lucca até 1949, como assistente da Ação Católica. Depois, a associação o chamou a Roma como vice-assistente nacional. Eram os anos da presidência de Luigi Gedda, que tinha feito da associação uma estrutura colateral da Democracia Cristã, correia de transmissão entre a cúpula eclesiástica e a política, em um compromisso direto e capilar nas paróquias e nas dioceses, contra o marxismo e o avanço das esquerdas na Itália.
A linha de Gedda, que pretendia promover na associação uma forte reviravolta em sentido conservador e clerical, colidiu com a de outros jovens dirigentes da Ação Católica da época, como Mario Rossi e Carlo Carretto, apoiados, sob o perfil teológico e pastoral, especialmente por Paoli.
"Naquele tempo – contou Arturo mais tarde ao portal da Ação Católica, Dialoghi.net –, os jovens católicos eram vistos como aqueles que deviam amar e querer bem ao papa. E ponto final. Era o legado de um certo anticlericalismo vivido na brecha de Porta Pia. Os jovens católicos deviam defender o papa contra esses ataques."
"Com Carlo, logo entendemos que se podia fazer mais: preparar os jovens para se comprometerem com a construção do Reino de Deus, aqui, hoje, na Terra."
Paoli fazia parte daquela geração de jovens da Ação Católica saídos do antifascismo e da experiência da resistência, que, ao contrário de Gedda, do Papa Pacelli e de todo o establishment da Igreja, olhavam para a secularização sem medo; ou, melhor, como uma possibilidade de renovação e de atualização da mensagem cristã.
Mas os tempos não estavam maduros, dado o contexto histórico em que qualquer coisa que, mesmo remotamente, pudesse se parecer como secular e de esquerda era ostracizado. Além disso, desde 1949, havia sido promulgada a excomunhão contra o marxismo, o comunismo e todos os seus defensores.
Assim, em 1954, Mario Rossi, que ocupava o cargo de presidente da Juventude Italiana da Ação Católica (GIAC), apresentou a sua demissão, seguido por quase todos os dirigentes centrais e por inúmeros dirigentes diocesanos que, depois, entraram em setores-chave da sociedade e da cultura.
Dois anos antes, também tinha ido embora da Ação Católica o amigo Carlo Carretto, também ele presidente da GIAC, em polêmica com a chamada "operação Sturzo", ou seja, a tentativa, pedida por Pio XII e organizada pelo Pe. Sturzo, de formar, por ocasião das eleições municipais de Roma de 1952, uma lista cívica aberta também aos monárquicos e ao Movimento Social Italiano (MSI).
Um projeto que naufragou pela oposição de uma parte da Democracia Cristã e a oposição aberta de De Gasperi, e ao qual Carretto se opôs com firmeza, apesar do apoio que Gedda tinha garantido por parte de toda a Ação Católica.
Viagens
No início de 1954, como o Vaticano havia deixado claro que não gostava da sua presença na Itália, Paoli embarcou como capelão no navio argentino Corrientes, destinado ao transporte de emigrantes. Foi durante uma dessas viagens, concedidas gratuitamente pelo presidente argentino Perón para favorecer a reunificação de famílias italianas aos emigrantes daquele país, que Paoli encontrou um irmãozinho da comunidade de Charles de Foucauld e decidiu fazer um período de noviciado em El Abiodh, na Argélia, na fronteira com o deserto, onde reencontrou por um breve período de tempo o amigo Carlo Carretto, que tinha feito a sua própria escolha.
Terminado o período de "deserto", nos anos em que estourava a guerra de libertação argelina, o frei Arturo trabalhou, em Oran, como armazenista em um depósito do porto. Em 1957, foi encarregado de fundar uma nova Fraternidade em Bindua, nas minas de Monterangiu, na Sardenha.
Mas foi induzido pela hierarquia eclesiástica a abandonar definitivamente a atividade pastoral na Itália. Então, ele se mudou para a Argentina, para Fortín Olmos, entre os lenhadores que trabalhavam para uma empresa inglesa de madeira.
Paoli participou naquele período das lutas contra a multinacional; e, depois, da subsequente criação de uma cooperativa de trabalhadores.
Teologia da libertação
Mas seria simplista pensar na contribuição de Arturo Paoli ao clima pós-conciliar apenas em termos da sua íntima proximidade com os deserdados e com as suas reivindicações, no rastro do ensinamento de Charles de Foucauld. Paoli conheceu e frequentou muitos dos protagonistas da intensa temporada de renovação política e eclesial na América Latina, de Salvador Allende a Pablo Neruda; Fidel Castro a Óscar Romero, de Pedro Casaldáliga a Leonidas Proaño; de Juan José Gerardi a Leonardo Boff.
Além disso, através da sua vasta produção de livros, artigos, ensaios, ele foi decisivo para o nascimento e a difusão daquela sensibilidade eclesial, política e pastoral que, nos anos 1970 – no rastro da reflexão do teólogo peruano Gustavo Gutiérrez –, tomou o nome de Teologia da Libertação.
Em particular, há um texto de 1969, escrito poucos meses depois da célebre Conferência de Medellín do episcopado latino-americano (um órgão nascido nos anos 1950 como instrumento para conter a secularização e a descristianização da América do Sul, que, ao contrário, se tornou, naquela fase, expressão de uma radical proximidade da Igreja e dos bispos às demandas que vinham dos povos oprimidos do Sul do mundo), que o próprio Gutiérrez considerou como fonte de inspiração para a sua próxima produção: intitula-se Diálogo da libertação: através do relato da sua experiência na Argentina, Arturo desenvolve considerações que abriam as realidades eclesiais mais avançadas em direção à perspectiva socialista.
Em 1971, com o nascimento de um novo noviciado em Suriyaco, na diocese de La Rioja, Arturo se mudou novamente, tornando-se amigo do bispo daquela diocese, Dom Enrique Angelelli, próximo das reivindicações dos mineiros e dos trabalhadores rurais, entre as poucas vozes que na Igreja institucional se distinguiriam na clara denúncia dos crimes cometidos pela nascente ditadura militar, que se livraria dele matando-o (e simulando um acidente de carro) em 1976.
Enquanto isso, em 1974, pouco depois do golpe de Estado liderado por Pinochet, o nome de Arturo Paoli tinha aparecido nos muros de Santiago do Chile no segundo lugar de uma lista negra de pessoas a serem eliminadas por qualquer pessoa que os encontrasse.
Na Argentina (aonde Perón havia voltado, mas se preparava a virada autoritária do golpe de Estado de 1976), ele tinha sido acusado de exercer um tráfico de armas com o Chile, em apoio da resistência a Pinochet.
Arturo, nesse momento, encontrava-se na Venezuela, como responsável da área latino-americana da Ordem: advertido por amigos para não voltar para a Argentina, por ser procurado, ele voltaria para lá apenas em 1985. Na Venezuela, Paoli residiu antes em Monte Carmelo, depois na periferia de Caracas.
Da Venezuela, de vez em quando, ele se deslocava para a Colômbia, Brasil, México. No início dos anos 1980, ele também visitou a Nicarágua, apoiando abertamente a revolução sandinista, ocorrida em 1979 (três padres tinham aderido ao governo revolucionário), apesar da forte oposição do Vaticano e do Papa João Paulo II.
Brasil
Depois, a partir de 1983, Paoli decidiu se estabelecer no Brasil. Primeiro, em São Leopoldo, no estado do Rio Grande do Sul, em contacto com a realidade feminina, em particular aquela dramática das mulheres forçadas a se prostituir nos bordéis (à compreensão da alteridade feminina, Paoli dedicou, dentre outras, muitas das suas páginas: a partir do diálogo com a jovem Gaudy na base de Camminando s’apre cammino, de 1977, até Il sacerdote e la donna, de 1996) e, mais tarde, a partir de 1987, em Boa Esperança, um bairro da periferia de Porto Meira, na cidade de Foz do Iguaçu: uma favela caracterizada pela miséria e pela degradação civil, dentro da qual o frei Arturo organizou a Associação Fraternidade e Aliança e, que ainda promove projetos de desenvolvimento voltados para a comunidade local.
A partir de 2006, Arturo Paoli voltou a viver estavelmente na Itália, em San Martino in Vignale, nas colinas de Lucca (antes disso, ele voltava todos os anos, por breves períodos – especialmente durante o verão –, para a Itália, residindo principalmente na comunidade fundada por Carlo Carretto, em Spello, na Úmbria, e participando das atividades dos Pequenos Irmãos, voltadas especialmente aos jovens).
Nessa última parte da sua vida, ele se comprometeu particularmente em atividades de encontros e testemunhos, continuando a publicação de livros. Mantendo uma atitude sempre um pouco esquiva, especialmente em relação àquela aura de celebridade e de consenso que, pouco a pouco, enquanto se aproximava do fatídico limiar dos 100 anos, estava se formando ao seu redor.
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Arturo Paoli: profeta de dois mundos, irmãozinho dos oprimidos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU