Por: André | 30 Agosto 2014
Os desafios financeiros para o desenvolvimento não têm segredos para Eric Toussaint. Fundador, em 1990, do Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM), este cientista político belga colaborou com o governo equatoriano para criação do Banco do Sul. (1) Apesar da paralisia atual desta organização, Toussaint ainda acredita neste projeto iniciado em 2007 por sete países da América do Sul como uma alternativa progressista ao Banco Mundial. É, entretanto, crítico sobre o investimento previsto anunciado pelos cinco principais países emergentes (os BRICS).
A entrevista é de Benito Perez e publicada no sítio do CADTM, 25-08-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Os BRICS anunciaram que querem criar uma alternativa ao Banco Mundial. É uma boa notícia para o desenvolvimento?
Querer criar uma alternativa ao Banco Mundial seria, com efeito, uma excelente notícia, mas não creio em absoluto que seja este o caso. Os cinco países que constituem os BRICS são países capitalistas emergentes que pretendem preservar seus interesses, na medida em que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM) são instrumentos controlados pelas grandes potências tradicionais. O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) quer marcar sua diferença, prometendo que não colocará condicionalidades aos seus empréstimos, como planos de ajuste estrutural, e aplicar o princípio um país um voto (mas o fará?). Isso não é suficiente para construir uma alternativa. Seria apenas um mal menor.
Resumindo: mudar-se-ia um BM sujeito a Washington por um NBD a serviço do imperialismo chinês?
Pode-se falar, seguindo o economista brasileiro Rui Mauro Marini (2), de subimperialismo, no sentido de que estes países, Brasil e China à frente, investem massivamente nos países em desenvolvimento para defender interesses políticos ou econômicos próprios, não para o desenvolvimento dos países onde investem. O que os diferencia do imperialismo, como o dos Estados Unidos, é que não empregam – ainda? – meios militares. Com exceção da Rússia.
Qual seria para você uma verdadeira alternativa ao Banco Mundial?
O anúncio, em 2007, da criação do Banco do Sul representava essa esperança. A pedido do presidente Rafael Correa e de seu ministro de Finanças, Ricardo Patino, participei da redação da proposta equatoriana por ocasião da criação do Banco do Sul. O Equador e a Venezuela tinham uma visão clara do que queriam: uma instituição que servisse para o emprego e a integração continental. Tinham, além disso, a ideia de projetos bem concretos, como o de uma indústria farmacêutica de produtos genéricos ou a ligação dos países da América do Sul mediante uma rede ferroviária, com produção local do material rodante, o que significaria menos poluição e avanços industriais e tecnológicos. O Banco do Sul implica, além disso, uma moeda comum e alternativa, o sucre. Também a ideia de transferir meios de pagamento dos países melhor dotados em reservas de câmbio para outros. Era um projeto de integração, que tinha em conta o interesse dos povos e teria podido ampliar-se para a América Central e o Caribe. O Banco do Sul queria ser transparente – contas públicas, auditorias externas – e democrático. Para poder ser uma alternativa ao Banco Mundial, era necessário ser um exemplo, e um exemplo ambicioso. Para isso, excluiu-se que os funcionários do Banco do Sul se beneficiassem de uma imunidade judicial, contrariamente aos do Banco Mundial.
Lamentavelmente, o Banco do Sul ainda não começou a operar. Sete anos depois da sua fundação, o banco ainda não fez nenhum empréstimo! As autoridades venezuelanas anunciam sua posta em marcha para antes do final de 2014. Devemos acompanhar o caso de perto.
O Banco dos BRICS terá melhor sorte?
Chegarão a se colocar de acordo sobre projetos comuns? Podemos nos perguntar se estes cinco países não se associarão, sobretudo, para mostrar às potências tradicionais que poderiam fazê-lo. Na realidade, no meu modo de ver as coisas, estes cinco países têm muito poucos interesses em comum.
Eles têm a capacidade financeira para tornar este banco operacional?
Sem dúvida! A China sozinha possui mais de três trilhões de dólares em reservas com as quais não sabe o que fazer. É enorme, quase duas vezes o total das dívidas públicas externas dos países em desenvolvimento. Grande parte desse dinheiro está colocada em Bônus do Tesouro dos Estados Unidos. A China é o maior credor dos Estados Unidos. O Brasil e a Rússia, também, têm reservas em divisas muito importantes. Somente a África do Sul teria dificuldades em aportar os 10 bilhões de dólares que lhe correspondem para integrar o capital de lançamento do Banco (somados aos cinco bilhões que devem ser pagos ao fundo de reserva).
O investimento do Brasil no NBD não seria a assinatura do atestado de óbito do Banco do Sul?
É um mau sinal... Mas, com ou sem o Brasil, a América do Sul ainda possui os meios financeiros para começar este projeto. Na minha opinião, o Brasil é o principal responsável pela atual paralisia do Banco do Sul. O Brasil possui seu próprio banco de desenvolvimento, o BNDES, que investe enormemente no exterior. Seu peso, na América do Sul, equivale ao do Banco Interamericano de Desenvolvimento e aos empréstimos do Banco Mundial na região! O Brasil favorece o BNDES. Só participou do Banco do Sul para frear um potencial competidor.
Este fracasso e as dificuldades financeiras atuais da Argentina e da Venezuela não são o sinal de que o sonho de independência latino-americano estava fora de qualquer possibilidade?
No momento em que Hugo Chávez propôs o Banco do Sul, o projeto era totalmente razoável! (3) O erro foi talvez pensar que era necessário incluir o Brasil a qualquer custo no grupo. A maioria dos países do continente apesar de tudo aprovou que podiam afastar-se do consenso neoliberal. Novas instituições começaram a funcionar, como a ALBA. Há também a decisão do Equador, da Bolívia e da Venezuela de retirar-se do tribunal do Banco Mundial em matéria de investimento. E o aumento dos impostos pagos pelas grandes empresas estrangeiras que exploram os recursos naturais destes países. O fato é insuficiente tendo em conta as potencialidades reais destes países e os desafios a superar, mas ainda há tempo: seria necessário uma forte reação nos dois próximos anos. Alguns responsáveis de governo dirigem seus esforços nesse sentido. Caso não houver essa reação, temo que a América do Sul vá sofrer grandes dificuldades financeiras. Uma situação similar àquela da crise da dívida de 1982 paira no ar.
Há sinais precursores?
Sim, os Estados Unidos estão se preparando para aumentar as taxas de juros que baixaram em massa com a crise de 2007-2008. Isso vai aumentar o refinanciamento da dívida no momento em que as rendas dos Estados sul-americanos estão ameaçadas por uma redução da demanda mundial de matérias-primas. Temo que estes países se deem conta, daqui a dois ou três anos, de que não aproveitaram uma esplêndida ocasião, durante a última década, de se dotar com instrumentos financeiros alternativos destinados a blindá-los contra decisões tomadas pelos países do Norte.
Notas:
1. Ver Eric Toussaint. Banco del Sur y nueva crisis internacional, Editorial Abya-Yala, Quito, 2008. Ver também a edição feita pela Viejo Topo, Barcelona, 2008.
2. Ver as obras de Rui Mauro Marini: http://www.marini-escritos.unam.mx/ Ver também: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ruy_Mauro_Marini
3. Ver as interpretações de Claudio Katz, Eric Toussaint, Pedro Paez, Haiman El Troudi e Hugo Chávez em: Respuestas del Sur a la Crisis de la Economía Mundial, Escuela Venezolana de Planificación, La Rinconada, Caracas, 8 de outubro de 2008. Texto completo: http://venezuela-us.org/es/wp-content/uploads/2009/06/08-oct-2008-respuestas-del-sur-a-la-crisis-mundial.pdf Ver Eric Toussaint, "Debemos aprender las lecciones del siglo XX para aplicarlas al comienzo del siglo XXI Latinoamérica: en pro de una integración regional y una desvinculación parcial del mercado capitalista mundial", publicado em 8 de outubro de 2008, http://cadtm.org/Latinoamerica-en-pro-de-una
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“O Banco do Sul poderia ser uma alternativa; o mesmo não se daria com a proposta dos BRICS”. Entrevista com Eric Toussaint - Instituto Humanitas Unisinos - IHU