Por: Jonas | 28 Março 2014
Íamos de carro pela estrada principal de Homs, rápido, é claro, como exige a guerra da Síria, quando nas redondezas de Harasta, um subúrbio de Damasco, um soldado do governo pediu que o levássemos à cidade. Sempre levo os soldados que dão um sinal, especialmente em tempos de guerra – soldados egípcios, libaneses, israelenses, argelinos, qualquer um -, porque em geral são pobres, muitas vezes estão esgotados, às vezes têm medo. E sempre querem falar.
A reportagem é de Robert Fisk, publicada por Página/12, 27-03-2014. A tradução é do Cepat.
Contudo, nesta ocasião, nosso convidado ficou em silêncio. Passamos quilômetros de ruínas suburbanas, as maiores que vi fora da capital. E então o soldado disse ao meu motorista: “Sou um de quatro irmãos, todos no exército. Os outros três morreram. Sou o único que resta”. Um de quatro. Certifiquei-me se havia ouvido bem. O que diz isto sobre as baixas no exército de Bashar al Assad?
Deixamos o soldado próximo da antiga estação otomana de trem de Hejaz e seguimos da Praça Umayyad ao obscuro interior do Sheraton Hotel. Justo quando me aproximei da recepção para avisar que estava de volta, uma grande explosão ressoou no vazio hall de mármore. Uma onda de projéteis de morteiros rebeldes caia em Damasco. Uma caiu na praça e deixou três policiais em pedaços. A rapidez e velocidade desta guerra desgastam rapidamente.
A entrevista tão buscada passa rapidamente de obrigação a incômodo, no final de um dia em que se vê um MiG ir rumo ao norte para lançar suas bombas contra objetivos rebeldes em Rankoos, ao longo da estrada a partir da cidade de Yabrud. Soldados de Assad, com uma legião de combatentes do Hezbollah provenientes do Líbano, recapturaram a cidade na semana passada.
Encontro-me com um velho amigo que sabe muito bem como anda a guerra. O exército do governo perdeu mais de 30.000 soldados em três anos, mais de uma quinta parte do total das mortes de um conflito em que a maioria das vítimas é de civis, segundo os que se opõem a Assad. Porém, o governo de Damasco agora calcula que nos próximos três anos de serviço militar obrigatório reunirão uma nova geração de 20.000 soldados adicionais.
Há algo que recorda ao general da Primeira Guerra Mundial, Douglas Haig, nisso de somar tropas contando com soldados que ainda estão na escola. Contudo, em certo sentido, esta é uma guerra diferente das demais. Há indícios intrigantes de que o conflito está mudando. Há dezenas de pequenos cessar-fogo entre o resto dos desertores do fraturado Exército Sírio Livre (ESL) e de seus ex-companheiros das forças governamentais.
Esse é um dos motivos pelo qual a batalha por Yabrud, na semana passada, não resultou em tantas mortes como Assad quer nos fazer acreditar. Quando o exército e o Hezbollah tomaram conta de Qusayr, na grande batalha anterior, ao longo da fronteira com o Líbano, os rebeldes fugiram para Yabrud. Assim, quando o governo cercou Yabrud, puderam chamar os rebeldes por celular e falar com eles. “Libertem as treze freiras cristãs sequestradas ali – disseram-lhes – e saiam de Yabrud em paz”. Os defensores se foram para viver e lutar novamente na próxima batalha, em Rankoos. O exército ganhou e segue sendo cada vez mais formidável – o Ocidente afirma que há criminosos de guerra entre eles – e é a única instituição síria em que Assad pode confiar. Ele sabe disso. Quando visitou o que restava de Baba Amr, em Homs, os soldados rodearam o presidente com as consignas habituais de se sacrificar pela causa. Contudo, o próprio Assad imediatamente se aproximou da equipe da televisão estatal e ordenou cortar a sequência do noticiário da noite. Era uma vitória do exército, não sua.
Há apenas alguns meses, o Exército Livre da Síria (ELS) estava buscando um acordo como o regime, enviando intermediários a Damasco. Tudo foi pelos ares quando o ELS aceitou, em Genebra, a oferta estadunidense de mais armas. Nessa conferência, os diplomatas norte-americanos se queixaram da insistência dos opositores em voar pela Suíça classe business à custa dos contribuintes estadunidenses.
Entre a oposição islamista há um considerável debate, quase hostil, sobre o futuro. Uma nova facção do Al-Qaeda quer que seu povo deixe a Síria e vá lutar no Yemen, que está muito mais próximo da Arábia Saudita, de seus campos petroleiros e das cidades santas. Isto seria muito mais relevante que esbanjar recursos nos agrestes da Síria e no Iraque. Ao mesmo tempo, as novas relações de poder estão congelando a Síria. O presidente Rohani visitou Omã, velho amigo do Irã, e o Qatar está começando a permitir que seu desprezo pela Arábia Saudita supere seu entusiasmo pela guerra contra Assad. Se é verdade que foram pagos sessenta milhões de dólares pela libertação das freiras, então o emir do Qatar estava fazendo um favor a Assad.
E não sem razão. Os estadunidenses abandonaram a guerra síria como uma causa perdida. Os Estados Unidos sairão do Golfo. Podem fechar a maior parte de suas enormes bases aéreas no Qatar, deixando o emir exposto à cobiça territorial de seus irmãos árabes. Quem mais irá lhe cuidar, que não seja Omã, os outros pequenos Estados do Golfo e o ex-gendarme do Golfo, Irã? Com a garantia de eleições “justas” na Síria dos russos, dos iranianos e do Qatar, quem melhor para reconstruir o país de Assad que o Irã e a Rússia, respaldados pela riqueza do Qatar? Até poderiam convidar trabalhadores da Crimeia para que lhe deem uma mão.
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Um caminho solitário na Síria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU