Por: Jonas | 21 Março 2014
Devem ser as freiras mais caras do mundo, caso seja possível se deixar conduzir por uma imprensa venenosa e por um ambiente de guerra civil. Segundo o Líbano, o Qatar pagou aos inimigos de Bashar al-Assad sessenta milhões de dólares para libertar as freiras. Segundo a imprensa síria, foram precisamente 65 milhões. De acordo com as treze freiras ortodoxas gregas, libertadas pelos islamistas de Jabat al-Nusra após três meses de sequestro, ninguém cobrou nada.
A reportagem é de Robert Fisk, publicada por Página/12, 20-03-2014. A tradução é do Cepat.
Contudo, na Síria ninguém fica livre sem um pagamento. Para os serviços de segurança sírios, neste caso, o preço foi soltar 152 prisioneiras políticas, incluindo parentes dos rebeldes. Para as freiras, que agora estão em um orfanato no centro de Damasco, o preço continua subindo.
“Agora estamos salvas neste lugar”, disse a irmã Irene, uma das treze, no hall do Orfanato da Sociedade Ortodoxa de São Gregório, no bairro cristão de Al-Qassa. “Estou feliz aqui.” Entretanto, quando solicitado à diminuta mulher de hábito preto se sua superiora, a madre Pelagia, havia ficado em uma situação ruim por causa de uma entrevista à rede da situação, Al-Dounia, disse que havia “jurado diante de Deus que nunca voltaria a falar com jornalistas”.
Visto a muito elegante, embora prejudicada, vila em que as freiras e suas três criadas estiveram prisioneiras até a semana passada, em Yabrud, restam-me algumas perguntas sobre este extraordinário episódio. Como descobriram com horror os cristãos sírios, em dezembro, as freiras e suas assistentes tinham sido sequestradas no antigo povoado cristão de Maaloula – onde, como insistem as guias de turismo, continua-se falando aramaico, a língua de Cristo – e depois levadas para Yabrud, que há dois anos está nas mãos dos islamistas. Alguns disseram que estavam mortas, mas um vídeo as mostrou vivas e bem tratadas, com uma rindo com seus sequestradores. Depois, foram libertadas. Quando as freiras saíram do cativeiro assombraram a todos agradecendo seus sequestradores por cuidar muito bem delas, expressaram seu apreço pessoal por um dos líderes islamistas, agradeceram ao Qatar – supostamente, os pagadores (do resgate) – e até falaram bem de Assad.
Porém, mais sério foi o crescente número de informações em Damasco de que houve um tratamento infernal e que haviam sido libertadas não somente por causa de muito dinheiro do Qatar e com a ajuda dos partidos cristãos libaneses que se opõem a Assad. Diz-se que o presente foi simples: quando as tropas sírias do Hezbollah estavam dispostas a tomar de assalto Yabrud, há duas semanas, as freiras foram trocadas por uma trégua, para que centenas de combatentes islamistas chegassem em paz até a próxima aldeia de Rankús.
Se isto é verdade, seria a explicação da completa ausência de mortos na tomada do velho povoado otomano e antes romano, nesta semana. O governo sírio confirmou que o próximo combate será para tomar Rankús, ainda nas mãos dos islamistas. No entanto, os próprios partidários do regime se questionam se não seria necessário destruir os jihadistas estrangeiros ao invés de andar libertando freiras, dado que milhares de mulheres sírias foram sequestradas e centenas estupradas. Uma coisa é rezar pela segurança das freiras – e a maioria dos cristãos sírios está ao lado de Assad -, mas trocá-las em segredo com seus sequestradores parece demais, sobretudo porque a duzentos metros do seu lugar de cativeiro está a Igreja de Nossa Senhora, vandalizada por completo.
Um número crescente de sírios coléricos destaca que a madre Pelagia é libanesa, embora outros digam que ela é síria, e que é próxima das forças libanesas de Samir Greagea, que odeia o regime de Assad. E o Qatar, que recebeu as graças das freiras, envia fundos aos ferozes inimigos islamistas do regime. Em resumo, o que acontece? Por que as freiras não agradeceram ao exército sírio por sua libertação ao invés de agradecerem a Jabhat al-Nusra?
É claro, na Síria abundam as trocas de prisioneiros nesta época, o que ocorre sempre em guerras civis, assim como também as tréguas privadas e os comitês de “reconciliação”, e o Líbano parece cada vez mais envolvido, talvez porque continue procurando distanciar a guerra síria de suas fronteiras. O que se diz em Damasco é que as negociações foram realizadas “do início ao fim” pelo chefe do serviço interno de segurança do Líbano, o general Abbas Ibrahim, conhecido por sua coragem de falar com representantes da Al-Qaeda no campo de refugiados palestinos de Ein Helweh, nas redondezas de Sidon, sul do Líbano.
E o Qatar, que convidou para derrotar Assad uma vez ou outra, está procurando acotovelar seu rival, a Arábia Saudita, que também oferece fundos aos islamistas na Síria, abrindo um canal secreto de comunicação com o regime de Damasco, após anos de guerra?
É bom ser um especialista em conspirações nesta Síria em guerra. Ou que bom ser uma freira.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Síria. O mistério das treze freiras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU